De baixa em baixa

A consultora FocusEconomics reviu novamente em baixa a previsão de crescimento da economia de Angola, estimando uma recessão de 0,8% este ano e uma expansão de 0,7% em 2020. Esta gente continua a azucrinar o governo do “querido líder” João Lourenço. Nem no Natal o poupam. Isso não se faz!

“A perspectiva de crescimento para o próximo ano foi cortada novamente este mês, de 1% para 0,7%, com o poderoso sector petrolífero a continuar a navegar em águas paradas e com pouca esperança de uma retoma”, escrevem os analistas desta consultora com sede em Barcelona, que estimam uma expansão de 1,9% em 2021.

Barcelona? Hum! Será que…

No relatório referente a Janeiro, enviado aos clientes, os analistas escrevem que “a actividade económica deve recuperar em 2020 devido às reformas, à estabilidade política e ao apoio do Fundo Monetário Internacional (FMI), que vão sustentar os investimentos e a despesa privada”.

A economia “parece ter continuado em recessão no terceiro trimestre”, com a produção petrolífera a cair de Julho a Setembro, “o que, juntamente com a queda dos preços médios do petróleo, prejudicou o sector externo”, dizem os analistas, vincando que “os dados disponíveis deixam pouco espaço para optimismo relativamente ao quarto trimestre”, nomeadamente no que diz respeito aos preços do crude e à produção interna.

Sobre a política monetária, a FocusEconomics antevê que o Banco Nacional de Angola não mexa na taxa de juro directora até “os riscos à inflação estabilizarem”, até porque “o período de incerteza que se seguiu à permissão da flutuação do kwanza deixa o BNA com pouco espaço de manobra no curto prazo”. Assim, concluem, a taxa de juro de referência deve terminar 2020 nos 16,30%.

Recorde da dívida pública

A ministra das Finanças angolana, Vera Daves, afirmou há pouco mais de um mês que a dívida pública deve atingir um valor recorde no próximo ano, estimando que o rácio do stock da dívida sobre o Produto Interno Bruto diminua a partir da segunda metade de 2020. Fé em Deus, meia bola e força, pontapé para a frente e depois se verá.

Dirigindo-se aos deputados da Assembleia Nacional, no dia em que foi apreciada e votada no plenário a proposta do Orçamento Geral do Estado para 2020, a ministra sublinhou que a actual proposta responde à necessidade de prosseguir com o reequilíbrio das finanças públicas e apontou a “elevada incerteza” do ambiente económico internacional que levaram o executivo a adoptar uma “abordagem conservadora” quanto ao preço do petróleo.

No OGE para 2020, o executivo usa um preço médio de 55 dólares por barril e projecta uma produção média diária de hidrocarbonetos (do sector petrolífero e do gás) de 1.436,9 mil barris de petróleo equivalentes, por dia, em 2020.

Com um crescimento esperado de 1,5% para o sector dos hidrocarbonetos e de 1,9% para os sectores não petrolíferos, Vera Daves projecta para 2020 um crescimento de 1,8% do PIB, uma taxa que ainda que “reduzida”, representa a reversão do ciclo de baixo crescimento que se regista desde 2016.

Apesar do aumento da inflação para 25%, necessário para “acomodar” ajustamentos do regime de preços de alguns bens e serviços e a “transição para um regime cambial mais competitivo”, a ministra considerou positiva a trajectória de consolidação fiscal, salientando que o OGE 2020 apresenta um saldo positivo de 1,2% do PIB, superior às estimativas de 1,0% do PIB para 2019.

Apesar do saldo fiscal positivo, “o ano de 2020 adivinha-se muito desafiante do ponto de vista da gestão de tesouraria, dado que o rácio entre o serviço da dívida e a receita fiscal atingirá o valor recorde de 114%”, admitiu Vera Daves, projectando que o rácio do stock da dívida sobre o PIB comece a decrescer a partir da segunda metade de 2020.

Para conseguir reduzir o rácio já em 2021 e ganhar folga de tesouraria, o executivo pretende seguir uma estratégia de financiamento que privilegie a dívida de longo prazo.

Segundo Vera Daves, as necessidades brutas de financiamento ascendem a 7 biliões e 879 mil milhões de kwanzas, que serão financiadas através do superavit fiscal, financiamento interno e externo e venda de activos.

A ministra salientou o peso do sector social na despesa orçamentada (2,3 biliões de kwanzas num total de cerca de 15 biliões de kwanzas, aproximadamente o mesmo valor em termos de receitas) dando como exemplo o impacto do Programa de Transferências Sociais Monetárias.

Este programa, através do qual se pretende garantir um rendimento mínimo mensal para cerca de um milhão de famílias consideradas como muito vulneráveis, está na fase final de preparação, devendo entrar em funcionamento no primeiro trimestre de 2020.

Vera Daves afirmou ainda que o OGE está exposto a “riscos exógenos e endógenos”, sublinhando que, no caso destes riscos “se materializarem no sentido favorável” e gerarem maiores saldos de tesouraria, será acelerado o processo de redução da dívida financeira e com fornecedores do Estado.

Curiosidades da banha da cobra

O Governo do MPLA (o único que Angola conhece desde 1975) previa em Junho de 2018 reduzir o rácio da dívida pública para 60% do PIB até 2022, meta inicialmente inscrita nos objectivos governamentais para este ano e referência para o endividamento público.

O objectivo consta do Plano de Desenvolvimento Nacional (PDN) 2018-2022, aprovado pelo Governo, contendo um conjunto de programas com a estratégia governamental para o desenvolvimento nacional na actual legislatura.

O documento traçava expressamente a meta de “diminuir o rácio Dívida/PIB de 67% em 2017 para 60% até 2022” e o objectivo de “assegurar a sustentabilidade da dívida pública, através da implementação de uma estratégia de gestão da dívida”. Em 2015, o rácio da dívida pública angolana rondou os 46% do PIB e em 2013 os 25%.

Devido à crise (bem-vinda para o MPLA continuar a solidificar o seu sistema esclavagista) financeira, económica e cambial decorrente da quebra nas receitas com a exportação de petróleo, que se arrasta desde 2014, o Governo do MPLA tem recorrido à emissão de dívida e a financiamentos externos para garantir a continuidade de projectos públicos.

No final 2016, o Governo avançou mesmo com uma alteração à Lei do Regime Jurídico de Emissão e Gestão da Dívida Pública Directa e Indirecta. O Estado/MPLA deixou de estar vinculado à obrigatoriedade legal de não ultrapassar um nível endividamento equivalente a 60% do PIB, passando esse limite a ser apenas uma referência.

Especificamente, o programa de Melhoria da Gestão das Finanças Públicas idealizado pelo Governo para a actual legislatura, até 2022, prevê intervir ao nível da “arrecadação de receitas, procurando melhorar a previsibilidade da tesouraria do Estado” e assumindo (isto é como quem diz!) o compromisso com a “afectação de recursos”, para que “decorra de forma estratégica e que a prestação de serviços seja eficiente”.

“Temos de alterar a actual trajectória da dívida, sob pena de estarmos a hipotecar as gerações futuras. Portanto, o objectivo deve ser usar a folga que for obtida pelo diferencial do preço do petróleo, comparativamente ao preço de referência definido no Orçamento Geral do Estado, para reduzir a pressão sobre a dívida”, alertou anteriormente o ex-ministro das Finanças, Archer Mangueira, a propósito da subida da cotação internacional do barril de crude.

O Governo previa captar 6,721 biliões de kwanzas (22.800 milhões de euros) de dívida pública em 2018, totalizando 54.500 milhões de euros de endividamento até final do ano, segundo previa o Plano Anual de Endividamento (PAE).

De acordo com o documento, elaborado pelo Ministério das Finanças, estas necessidades, repartidas por 4,762 biliões de kwanzas (16.100 milhões de euros) a captar em dívida emitida internamente e 1,959 biliões de kwanzas (6.600 milhões de euros) em desembolsos externos, visam “colmatar as necessidades de financiamento” do OGE de 2018.

“O ‘stock’ de dívida governamental deverá permanecer com a tendência de crescimento verificada nos anos anteriores, que se fundamenta numa maior participação da dívida titulada”, referia o documento, apontando um crescimento de 18% face a 2017.

O aumento da dívida pública deveu-se essencialmente à depreciação do kwanza face ao dólar e ao apoio financeiro dado às empresas públicas (do Estado, do MPLA) no ano passado, ultrapassando os 74 mil milhões de dólares, cerca de 66% do PIB, no final de 2017.

A Moody’s, por exemplo, só tem visto em Angola (ao contrário do MPLA) a degradação da balança de pagamentos e o aumento das necessidades de financiamento devido à assunção da dívida da Sonangol.

Terá o Governo capacidade e vontade para lidar com a sustentabilidade da trajectória da dívida? São mais as dúvidas do que as certezas. Os generais não estão propriamente vocacionados para gerir um país.

Além da erosão dos principais indicadores, regista-se também a pressão mais imediata sobre o perfil de crédito de Angola que reflecte as crescentes pressões de liquidez e o cada vez mais difícil desafio de obter o financiamento necessário para garantir as elevadas necessidades de financiamento do Governo.

O custo dos juros da dívida, ou seja, o valor que Angola paga só em juros sobre o dinheiro que pede emprestado ou sobre as emissões que fez chegaram quase a 21% em 2017, subindo face aos 16% de 2016.

O executivo de João Lourenço pretende diversificar os mecanismos de financiamento externo, admitindo a “exaustão” do modelo de carregamento de barris de petróleo como garantia das linhas de crédito de países financiadores, como a China. Mas tem mesmo alternativas? Ou vai “vender” o mesmo embora com um embrulho diferente?

Recorde-se, embora este exercício de memória irrite do MPLA, que o Presidente João Lourenço desvalorizou no dia 8 de Janeiro de 2018 o processo de renegociação da dívida pública angolana previsto pelo executivo, reconhecendo que é algo “permanente” e feito por todos os governos.

“A negociação da dívida é um processo praticamente permanente, que todos os governos fazem, no sentido de encontrar melhores condições para honrar com os seus compromissos perante os credores, para não fugir das suas responsabilidades”, recordou João Lourenço, acrescentando que “uma das saídas é sempre procurar renegociar”.

“O Programa de Estabilização Macroeconómica (PEM) reforça a necessidade de uma gestão fina da carteira da dívida pública interna e externa, utilizando os instrumentos de mercado à sua disposição, para, entre outros, promover a fungibilidade dos títulos”, lia-se no comunicado do ministério então liderado por Archer Mangueira.

Acrescentava ainda que, para o efeito, a nível do mercado interno, “o Ministério das Finanças, sempre que necessário, poderá realizar resgates antecipados”, enquanto no mercado externo o objectivo “é afinar a gestão dos passivos do Estado, com recurso à compra antecipada de dívidas de curto prazo e à contratação de dívida de mais longo prazo”.

Folha 8 com Lusa

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