Até quando é que Angola continuará a ser o MPLA?

A UNITA reafirmou as acusações de partidarização do Estado angolano e anunciou que vai realizar o próximo congresso ordinário em 2023. Partidarização? Como é possível dizer uma “barbaridade” dessas só porque Angola é o MPLA e o MPLA é Angola? Já em 2015, em entrevista à Voz da América, William Tonet dizia: “A partidarização dos órgãos do Estado é o cancro do nosso regime”.

Nas conclusões do XIII congresso, que terminou na sexta-feira com a eleição de Adalberto da Costa Júnior como líder do partido, a UNITA acusou o “Estado angolano de continuada partidarização que contribui para a estagnação da democratização do país”, colocando em causa as autárquicas de 2020.

Nas conclusões, a UNITA manifestou também a sua preocupação com o “estado actual da governação nomeadamente no concernente às áreas sociais como a saúde, a educação, transportes públicos, água e energia”. Numa só palavra: tudo.

“A grave crise económica, financeira e social e o quadro cada vez mais degradante das condições de vida dos cidadãos” foi outra das preocupações dos congressistas expressas nas conclusões, criticando também a “incapacidade do Governo em dar resposta às vítimas da fome e da seca no Sul de Angola”. Recorde-se que o Presidente João Lourenço não tem culpa de ter exonerado a fome e a seca e elas teimarem em continuar por cá.

O congresso da UNITA constatou também “a falta de vontade política do governo angolano em criar medidas eficazes e abrangentes de combate à corrupção”, apostando na “continuada partidarização” do Estado angolano.

Este impasse tem como consequência a “estagnação em que se encontra o processo de democratização do país”, de que é exemplo o “evidente atraso na aprovação do pacote legislativo autárquico e criação de condições para a instalação da administração autárquica local em todos os municípios”.

Os militantes aprovaram a realização do próximo congresso da UNITA para 2023, seguindo-se a realização de reuniões magnas ordinárias de cinco em cinco anos.

Sob o lema Patriotismo, Coesão e Cidadania, o congresso assinalou a necessidade de o país começar um novo modelo de governação, que assinale o “fim do ciclo do regime que governa o País desde 1975″, liderado pelo MPLA.

Por sua vez, o novo presidente do Partido, Adalberto da Costa Júnior, declarou, durante o discurso de vitória, que não basta mudar o Presidente de Angola “sem mudar as más práticas, sem abraçar a transparência”, afirmando ser este o objectivo de melhorar a vida de todos os angolanos.

Adalberto da Costa Júnior deixou clara a necessidade de realizar eleições autárquicas em simultâneo em todo o país em 2020 e de prosseguir em direcção à alternância do poder político em 2022, quando se realizam eleições gerais.

A memória e a acção do Folha 8

No dia em que promoveu e participou numa manifestação de buzinão e panelaço, em Luanda, dia também em que o então Presidente da República, José Eduardo dos Santos, comemorava 73 anos, William Tonet defendeu no Angola Fala Só que em Angola a liberdade de imprensa era uma falácia e que o Presidente fez falso juramento, pelo que devia ser indiciado por esse crime.

Estávamos em Agosto de 2015 e William Tonet respondia assim às questões do ouvintes do Angola Fala Só, acrescentando que o direito à manifestação e à reunião é um direito consagrado na Constituição da República, o qual a polícia “tem estado a violar de forma sistemática”.

O nosso director lembrou ainda que os manifestantes poduam recorrer a “um instituto da Constituição que lhes permite resistir às autoridades, quando estas tentam impedi-los de se manifestar”, citando os artigos 1677 e 366 do Código Civil.

De acordo com Tonet, José Eduardo dos Santos também estava a violar a Constituição, “quando prometeu cumprir e governar segundo a mesma, jurando-o na sua tomada de posse, e não está a fazê-lo”, defendendo que se trata assim de um “juramento falso, passível de ser indiciado como crime, com pena de 20 anos de suspensão de qualquer actividade política” e acrescentando que “o nosso Presidente já não poderia governar”. Estávamos, recorde-se, em Agosto de 2015…

Questionado sobre liberdade de imprensa e a possibilidade da criação de uma associação da imprensa independente, afirmou que a liberdade de imprensa “é uma falácia” e que de todos os órgãos de comunicação social privados, apenas estavam fora do controlo do Estado o Folha 8 e o Crime. “Deixámos de ter uma imprensa independente entendida como tal. Todos os outros foram comprados pelo Estado. Estamos (Folha 8 e Crime) a resistir contra a supressão”, rematou.

Para William Tonet, o controlo do Estado sobre a comunicação social “só acontece porque o MLPA não é um partido forte, é um partido cobarde, cuja a direcção actual é ainda mais cobarde, com medo da democracia”, acrescentando que se “a polícia fosse apartidária” as coisas podiam ter melhores contornos. Relembre-se que o Presidente do MPLA era José Eduardo dos Santos e o vice-Presidente era João Lourenço.

Ainda sobre a comunicação social e o seu papel, considerou que os órgãos de comunicação social públicos são “partidocratas, que dividem os angolanos e não respeitam os ditames da profissão”, e que comunicação social privada “está a tentar que não se regrida ao tempo do monopartidarismo”.

“O que se tem vindo a fazer é um colonialismo político que vem sufocando de várias formas os angolanos”, disse.

Num balanço à presidência de José Eduardo dos Santos, a propósito da data do seu aniversário, 28 de Agosto, William Tonet considerou ser uma “presidência triste”.

“O ano de 2002 vaticinou que o Presidente fosse ter uma postura distinta, capaz de visualizar Angola e os angolanos, ser Presidente de todos os angolanos e não apenas dos angolanos do MPLA. Mas [José Eduardo dos Santos] passou ao lado de ser uma referência política em Angola, que aprovou uma constituição que o favorece e está a exercer ilegitimamente”, justificou. Haverá diferenças entre 2015 e 2019?

“Não temos um Presidente que pense em nome de todos os angolanos, isso inviabiliza que as leis possam ser devidamente aplicadas”, adiantou William Tonet em 2015 mas bem poderia ser hoje, Novembro de 2019.

Sobre novas obras e infra-estruturas levadas a cabo pelo Governo, respondeu a um dos ouvintes que “o governo está ao serviço do povo, pelo que as escolas, hospitais, entre outros, não são um favor”. “Não temos que agradecer o que o governo faz por nós. Temos que perguntar porquê só agora”, exclamou.

No que toca à justiça para todos, uma questão então colocada pelo ouvinte Óscar Fernando, Tonet disse acreditar que a lei que diz que “todos os cidadãos são iguais perante a lei é uma falácia” e que – na altura – José Marcos Mavungo era um exemplo disso: “Está a ser julgado por pensar pela sua própria cabeça”.

Para Tonet, Cabinda é tratada como uma região “colonizada”: “É a única província onde é proibida a criação de associação de direitos humanos. Todas as outras têm, de uma maneira ou de outra, mas Cabinda não. Não há provas contra Mavungo”.

Também questionado sobre a crise económica em Angola, William Tonet defendeu que a origem da mesma reside no facto das pessoas terem “usado e abusado dos dinheiros públicos para os seus projectos privados”, sendo possível vencer a crise se “os angolanos lutarem de facto com todas as suas armas e inteligência para contornar essa situação”, ressalvando que optar pela “confrontação militar” não deverá ser a melhor opção porque “o governo está preparado para isso”, contudo “está a levar-se o país a uma saturação”.

Sobre a prisão dos “15 + 1”, William Tonet chamou-lhe “a maior besteira, maior baboseira daquilo que pode ser considerado a interpretação da lei, que nem mesmo um estudante de um ano consegue dar latitude à prisão dos activistas. Nunca a imagem de Angola esteve tão má”.

Tonet acusou ainda as igrejas de terem trocado a “sua acção cristã pela acção de dolarização, omissa quanto à situação dos angolanos” rematando que “a partidarização dos órgãos do Estado é o cancro do nosso regime, que só actua assim porque não confia nas suas capacidades, não é forte”.

Folha 8 com Lusa e Voz da América

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