O emprego é o maior desafio para Angola, Moçambique e outros oito países do sul de África, segundo um estudo da União Africana (UA) e da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) sobre políticas de crescimento no continente.
O relatório “Dinâmicas do Desenvolvimento em África – Crescimento, Emprego e Desigualdade 2018” estima que 16,5 milhões de pessoas em Angola, África do Sul, Botsuana, Lesoto, Maláui, Moçambique, Namíbia, Suazilândia, Zâmbia e Zimbabué não têm trabalho, segundo dados referentes ao período de 2015 a 2030.
O universo deste conjunto de dez países do sul de África a que se refere o estudo é de 177 milhões de pessoas, o que representa 14% da população no continente africano, de acordo com estatísticas da UA, que prevê no estudo em parceria com a OCDE que 1,1 milhões de pessoas consiga entrar no mundo do trabalho em cada ano até 2030.
O primeiro relatório da UA e OCDE que aborda as relações entre crescimento, emprego e desigualdades em África e as implicações nos quadros estratégicos assinala o problema da diversificação das economias, salientando que “vários países dependem muito do sector mineiro, que é volátil e cria poucos empregos”.
A criação limitada de empregos, a incompatibilidade de competências e as barreiras que são colocadas para iniciar ou fazer crescer novos negócios são razões avançadas no estudo para justificar as taxas de desemprego de longa duração de 15 a 35% nos países que compõem a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC).
Nos países que não são membros da SADC – aos dez países do sul de África deste estudo juntam-se República Democrática do Congo, Maurícias, Tanzânia, Seicheles e Madagáscar – grande parte dos trabalhadores não tem recursos financeiros ou qualificação para entrar no mercado de trabalho.
“A maioria dos trabalhadores está no subemprego e trabalha na pobreza, principalmente na agricultura e serviços de baixo valor agregado”, constataram os investigadores académicos, economistas e outros especialistas de África que elaboraram o relatório “Dinâmicas do Desenvolvimento em África – Crescimento, Emprego e Desigualdade 2018”.
As nações que se inserem na África Austral, com “altos níveis de desigualdade de rendimento” proveniente do trabalho, é igualmente desigual nas oportunidades de emprego para homens e mulheres.
“A desigualdade de género continua a ser obstáculo significativo”, considera o estudo, que acentua a existência de “taxas de desemprego de mulheres geralmente mais altas do que as do sexo masculino, mesmo entre os jovens”.
Conclui-se que “a diferença entre os homens e a participação feminina na força de trabalho permanece grande” em Angola, África do Sul, Botsuana, Lesoto, Maláui, Moçambique, Namíbia, Suazilândia, Zâmbia e Zimbabué.
A pobreza extrema nesta região, com uma extensão de 5,9 milhões de quilómetros, atingiu 35,8% da população do sul de África em 2013, reflectindo um decréscimo desde 1990, altura em que se registou 43,8%.
A descida foi justificada pela UA e OCDE com “gastos sociais e crescimento a ajudarem a reduzir a pobreza extrema” na região, na qual a maioria da população rural ainda não tem acesso a serviços básicos, como electricidade, água e saneamento”.
Os autores do estudo comparam as realidades rurais e urbana e concluem a existência de “uma grande lacuna de oportunidades” das populações que vivem fora dos centros urbanos.
Na electricidade, a “larga disparidade de acesso” é comprovada pelos números: nas zonas rurais, apenas 22% das pessoas podem ter energia eléctrica, enquanto nos centros urbanos a cobertura é de 80%.
Apenas 48% da população rural tem acesso a água potável, contra 87% nos núcleos urbanos. Os dados das condições sanitárias indicam que o acesso nas zonas rurais é de 34% e de 65% nos centros urbanos.
Nós por cá… (quase) todos mal
A criação de pelo menos (pelo menos, note-se, anote-se e relembre-se) meio milhão de empregos até 2021, reduzir um quinto a taxa de desemprego e instituir o rendimento mínimo social para as famílias em pobreza extrema (temos apenas e graças à divina actuação do regime 20 milhões de pobres) foram propostas solenemente apresentadas e subscritas por João Lourenço.
Mas o MPLA está no poder há 43 anos e nos últimos 17 o país está em paz total, dirão os mais atentos e, por isso, cépticos. Mas o que é que isso interessa? Desta vez é que vai ser. A montanha nem um rato (made in China) vai parir. Mas o que realmente conta é continuar a ser dono do país. E disso o MPLA não abdica.
Estas medidas, entre várias dezenas, integraram (note-se, anote-se e relembre-se) o manifesto eleitoral do partido no poder desde 1975.
Os discursos de João Lourenço são (já foram mais, é verdade) marcados por uma insistente propaganda de combate à corrupção (onde Angola está no top mundial dos mais corruptos), que diz colocar em causa “a reputação” de Angola no plano internacional.
“Se tivermos a coragem, a determinação, de combatermos a impunidade, com certeza que conseguiremos combater a batalha da luta contra a corrupção”, apontou o presidente do MPLA.
Reduzir a taxa de incidência da pobreza de 36% (segundo as deficientes contas do regime) para 25% da população, do índice de concentração da riqueza de 42,7 para 38, e “criar e implementar o Rendimento Social Mínimo para famílias em situação extrema de pobreza” são – repete João Lourenço – objectivos. Como é que isso se consegue? JLo não explica. Nem precisa de explicar. Aos escravos basta saber que “o MPLA é Angola e que Angola é o MPLA”.
“Erradicar a fome em Angola”, aumentar em cinco anos a esperança de vida à nascença, elevando-a para 65 anos, reduzir a taxa de mortalidade infantil (uma das maiores do mundo segundo organizações internacionais que não leram o manifesto do regime) de 44 para 35 por cada mil nados-vivos e de crianças menores de cinco anos de 68 para 50 por cada mil nados vivos, são outras metas do MPLA de João Lourenço.
Como vai fazer isso? Isso não interessa saber. Aliás, as promessas não carecem de justificação nem de explicações sobre a forma de serem cumpridas.
No plano económico, e com o país a tentar recuperar da crise financeira, económica e cambial de 2015 e 2016 (que só atingiu os angolanos de segunda categoria), João Lourenço avisou que as empresas públicas deficitárias serão entregues à gestão privada, para que deixem de “sugar os recursos do erário público”.
Não fosse apenas mais um capítulo do anedotário do regime e, certamente, os angolanos até ficariam sensibilizados com essa de “sugar os recursos do erário público”. Por outras palavras, promete acabar com aquilo que, ao longo de 43 anos, foi a única estratégia do seu MPLA: “sugar os recursos do erário público”.
Entre os fundamentos macroeconómicos, JLo promete “melhorar o que está bem e corrigir o que está mal”, assume o compromisso de atingir uma média de crescimento anual “não inferior a 3,1%” do Produto Interno Bruto (PIB), reduzir a taxa de inflação a um dígito ou duplicar a receita tributária não-petrolífera.
Tudo isto já não são bem promessas do MPLA de João Lourenço. São, antes, um atentado à inteligência dos angolanos e a passagem de um atestado de matumbez também às organizações internacionais que dão cobertura ao regime, mostrando que preferem trabalhar com um governo corrupto e ditatorial do que com um sério e democrático.
Sobre a criação de 500 mil novos empregos até 2021, João Lourenço diz que será concretizada pela capacitação do empresariado privado, mas sem apresentar uma medida concreta. Ele bem perguntou aos seus assessores políticos, nomeadamente portugueses e brasileiros, como é que isso se alcançaria. Mas eles apenas responderam: “Não se preocupe, os escravos são matumbos”.
Aumentar em 150% a capacidade de produção de electricidade, de 3.334 MegaWatts (MW) para 7.500 MW, e ligar um milhão de novos clientes à rede pública, são outras propostas do partido, bem como levar água potável a mais de 80% da população e um sistema de saneamento “considerado apropriado” a pelo menos 70% dos angolanos. É mais um capítulo do anedotário.
O manifesto de promessas demagógicas e populistas (note-se, anote-se e relembre-se) assume o compromisso de construir 1.100 quilómetros de novas estradas e a reabilitar mais de 7.000 quilómetros de outras vias, por todo o país.
Hoje, no plano da transformação da economia, ainda assente nas exportações de petróleo, é definido pelo MPLA o objectivo de, em cinco anos, elevar a produção anual de cereais em Angola de dois milhões para cinco milhões de toneladas ou a de leguminosas para um milhão de toneladas anuais, “criando excedentes para a reserva alimentar nacional”, e reduzindo em 15% as importações de leite. O oásis está mesmo aí.
No sector da indústria extractiva, além da produção diamantífera, com a perspectiva de 13,8 milhões de quilates por ano, a presente legislatura, segundo o MPLA, ficará marcada pela estreia na extracção de ferro (1,7 milhões de toneladas/ano), de ouro (25,6 mil onças/ano) ou de fosfato (1,3 milhões de toneladas/ano).
Nos petróleos, o compromisso é de apostar no gás natural e na exploração do pré-sal, além de construir pelo menos uma nova refinaria, face às necessidades de produtos derivados, bem como reduzir em 15% a mão-de-obra especializada estrangeira e inserir 30% de novas empresas nacionais na indústria do crude angolano.
São ainda prometidas medidas que permitam, além da diversificação económica, colocar Angola pelo menos 12 lugares acima da actual classificação internacional no ambiente de negócios, para chegar ao 168.º lugar nesta lista do Banco Mundial.
Elevar a 95% a taxa de cobertura do ensino primário a crianças em idade escolar, a 60% no ensino secundário e de 200.000 para 300.000 o número de estudantes no ensino superior no país, são outra metas que o MPLA promete.
Até lá (note-se, anote-se e relembre-se) os angolanos continuarão a ser gerados com fome, a nascer com fome e a morrer pouco depois… com fome. E tudo isto acontece porque o Povo é teimoso e não segue com rigor as recomendações do MPLA de João Lourenço. Se o fizesse já teria aprendido, por exemplo, a viver sem comer.
Folha 8 com Lusa