O Governo chinês vai conceder um apoio de 100 milhões de yuans (13 milhões de euros) a fundo perdido para o desenvolvimento de projectos agrícolas em Angola. De acordo com um decreto presidencial de 14 de Janeiro, e que torna efectivo o acordo de cooperação, de final de 2018, entre os dois países, este valor é parte de um montante global destinado à implementação de vários projectos, entre os quais o projecto de Assistência Técnica do Centro de Demonstração da Tecnologia Agrícola.
O acordo de cooperação, que atende às “excelentes relações de cooperação” entre Angola e China, foi assinado em Pequim, em 9 de Outubro, durante a visita do chefe de Estado angolano a Pequim, refere o diploma.
O documento indica ainda que o Banco de Desenvolvimento da China e o Banco Nacional de Angola “devem abrir um livro em nome das respectivas partes” em renminbi – a moeda oficial chinesa – sem juros, para registar “todos os pagamentos referentes às despesas resultantes da doação”.
Ao longo da última década, a China alcançou uma posição proeminente na economia de Angola, com as relações sino-angolanas a caracterizarem-se, por um lado, pela crescente procura chinesa por petróleo e, por outro, pela necessidade de reconstrução do país.
A cooperação oficial da China com Angola, e com África em geral, é dominada por empréstimos financeiros disponibilizados pelos seus principais bancos para a construção ou reabilitação de infra-estruturas.
O Governo chinês estendeu oficialmente linhas de crédito a Angola através de vários dos seus bancos estatais de investimento. A primeira linha de crédito oficial chinesa para Angola data de 2002.
O primeiro empréstimo suportado pelo petróleo foi assinado com o Exim Bank em 2004. Este tipo de assistência financeira, assegurada pelo acesso chinês aos recursos naturais angolanos, levou à compra de bens e a participação de empreiteiros chineses no país.
Outras importantes linhas de crédito chinesas para Angola foram canalizadas através do Fundo Internacional da China (CIF). Entre outros projectos, o CIF tem estado envolvido na reabilitação das três linhas ferroviárias nacionais e do novo aeroporto de Luanda.
No sector petrolífero, a participação tem sido conduzida pelo investimento directo das companhias petrolíferas nacionais chinesas.
Actualmente, a dívida de Angola à China ronda os 23.000 milhões de dólares (20.100 milhões de euros), tendo o Governo chinês aprovado no final de 2018 uma nova linha de financiamento de 2.000 milhões de dólares (1.750 milhões de euros).
非洲是我們的 (África é nossa)
O Presidente chinês, Xi Jinping, anunciou no dia 3 de Setembro de 2018, no Fórum de Cooperação China-África (FOCAC), em Pequim, 60 mil milhões de dólares (51 mil milhões de euros) em assistência e empréstimos para países africanos, no formato de assistência governamental e através do investimento e financiamento por instituições financeiras e empresas.
Quinze mil milhões de dólares serão disponibilizados em empréstimos isentos de juros ou com condições preferenciais, vinte mil milhões em linhas de crédito, dez mil milhões num fundo especial para o desenvolvimento de mecanismos financeiros e cinco mil milhões para financiar importações oriundas do continente, detalhou Xi Jinpin.
O também secretário-geral do Partido Comunista da China afirmou que Pequim vai encorajar as empresas do país a investir pelo menos dez mil milhões de dólares nos países africanos, durante o mesmo período, e avançou com o perdão de dívidas para os países com menos possibilidades.
“Para os países menos desenvolvidos ou altamente endividados, sem costa marítima ou pequenas nações insulares, que têm relações diplomáticas com a China, a dívida contraída junto do Governo chinês isenta de taxas de juro, que venceria no final de 2018, será perdoada”, afirmou Xi Jinping.
O líder chinês estabeleceu ainda os objectivos da cooperação para os próximos anos, com destaque para as áreas industrial, agricultura, infra-estrutura, ensino e segurança.
“Vamos apoiar África a alcançar a segurança alimentar, em 2030 (…) e implementar 50 programas de assistência para a agricultura”, disse Xi Jinping, que prometeu ainda mil milhões de yuan (126 milhões de euros) em assistência humanitária aos países afectados por desastres naturais.
Pequim compromete-se ainda a lançar, em conjunto com a União Africana, um projecto de conectividade entre as infra-estruturas do continente, que incorpore energia, transporte, informação, telecomunicações e recursos hídricos.
“Vamos trabalhar com África para desenvolver um único mercado de transporte aéreo e abrir mais voos directos entre China e África”, acrescentou. Xi Jinping prometeu também distribuir 50.000 bolsas de estudo para estudantes oriundos de países africanos.
No âmbito da Defesa, o líder chinês prometeu apoio aos países do continente no combate à luta contra o terrorismo, nas áreas mais afectadas por grupos violentos.
“Continuaremos a prestar apoio militar à União Africana e apoiaremos os países da região subsaariana e dos Golfos de Adem e da Guiné, para que mantenham a segurança e combatam o terrorismo nestas áreas”, disse.
A China, que em 2017 abriu a sua primeira base militar no estrangeiro, no Djibuti, no Corno de África, continuará também a apoiar o combate à pirataria e estabelecerá um fundo para impulsionar a cooperação em matéria de missões de paz e manutenção da ordem, disse.
Xi Jinping sublinhou que o investimento chinês no continente não acarreta “condições políticas” e que a China “não interfere nos assuntos internos de África e não impõe a sua vontade sobre África”.
Era costume dizer-se que quando a esmola é grande o pobre desconfia. Não é, contudo, o caso. Sobretudo porque a esmola, apesar de enormíssima, não é dada aos pobres mas, antes, aos ricos. E a estes pouco importa se a China está a pilhar os recursos naturais de África e a conduzir os países para a armadilha do endividamento, ao conceder crédito a países financeiramente débeis ou corruptos.
O líder chinês lembrou, no entanto, que “ninguém pode minar a grande unidade entre os povos da China e de África”. “Ninguém pode negar os feitos alcançados pela nossa cooperação, através de suposições e imaginação”, disse Xi Jinping.
Em consonância com a China está o próprio secretário-geral da ONU, António Guterres, que garante que as Nações Unidas vão “continuar a apoiar o esforço da China na concretização de parcerias” e a promover a cooperação entre os países africanos.
Num dos discursos que marcou a abertura do evento em Pequim, António Guterres sustentou que a relação entre a China e os países africanos pode ser crucial para garantir “uma globalização justa” e um desenvolvimento inclusivo, uma prioridade para as Nações Unidas.
“Este fórum (…) é a concretização de duas principais prioridades das Nações Unidas: de perseguir uma globalização justa e promover um desenvolvimento que não deixe ninguém para trás”, sublinhou António Guterres.
O desenvolvimento sustentável, o reforço da boa governação, o aprofundamento da cooperação entre os países do hemisfério sul, a concretização de políticas fiscais que promovam o progresso e combatam a corrupção e a lavagem de dinheiro são desafios fundamentais que se colocam em África, afirmou o secretário-geral da ONU.
“Juntos, China e a África podem unir o seu potencial para assegurar um pacífico, durável e equitativo progresso para benefício de toda a Humanidade”, defendeu Guterres.
Angola, colónia chinesa?
Agosto de 2015. O fiscalista João Espanha considerava que o acordo monetário entre Luanda e Pequim tornava Angola “uma espécie de colónia económica da China”, tornando o país asiático no “parceiro oficial” e principal.
Em declarações à Lusa a propósito do acordo monetário entre os dois países, anunciado nesse mês por Rosa Pacavira, então ministra do Comércio de Angola, João Espanha argumentou que “o acordo torna a China o parceiro comercial número um e oficial de Angola”, vertendo para o papel uma situação que já se verificava, na prática.
“A China começa assim a tornar-se um parceiro comercial incontornável”, até porque passa a ter uma enorme vantagem para os importadores angolanos, que é o facto de evitarem os custos de terem de converter kwanzas para uma moeda internacional como o dólar ou até o euro, acrescentou o fiscalista e sócio da sociedade de advogados Espanha & Associados.
“É uma medida de cedência aos interesses da China, torna Angola uma espécie de colónia económica da China, e torna evidente a dependência angolana da China, é uma consequência natural, é quase a formalização de uma situação de facto”, acrescenta o advogado especialista em Direito Fiscal.
Questionado sobre se o acordo poderia, por exemplo, prejudicar as trocas comerciais entre Portugal e Angola, João Espanha considerou que não deverá haver grandes alterações, mas salientou que “se uma empresa exportadora tiver um grande volume de exportações, talvez seja mais vantajoso triangular a mercadoria pela China para conseguir aumentar as compras em Angola, porque com este acordo comprar à China sai mais barato que comprar a Portugal”.
É natural, acrescentou, que os importadores angolanos, em igualdade de circunstâncias, optem por comprar a uma empresa chinesa, porque não terão de suportar os custos cambiais de converter os kwanzas para uma moeda internacional, ainda para mais tendo em conta a escassez de divisas internacionais que se verifica em Angola.
Recorde-se que em Agosto de 2015 a ministra do Comércio de Angola, Rosa Pacavira, anunciou o acordo entre os dois países, explicando que “o kwanza vai valer na China, e o renminbi [moeda chinesa ou yuan] vai valer aqui em Angola”.
A medida, que a ministra admitia que iria ter como efeito um aumento das compras angolanas à China, surgiu porque “nenhum país aceitou fazer isso, só foi a China. Isto é um dos grandes benefícios. A moeda vai valer em ambos os países”, sublinhou Rosa Pacavira.
“Como Ministério do Comércio, nós temos que ver a qualidade dos produtos que vêm da China, para podermos também ter aqui produtos de qualidade”, disse a governante.
Há vários anos que a oposição angolana e vários economistas nacionais têm vindo a público exigir informação sobre o conteúdo dos acordos com a China.
Folha 8 com Lusa