Sonangol puxa o gatilho

A Sonangol acusa a Justiça portuguesa de “procurar confundir” a petrolífera estatal angolana com o seu ex-presidente, Manuel Vicente, que foi também vice-Presidente de Angola, no processo Fizz, queixando-se de “preconceito e pré-juízo” do tribunal de Lisboa. Tratando-se de guerra aos portugueses, bem que a petrolífera (do MPLA) poderia contratar o advogado, e deputado da UNITA, David Mendes…

A posição surge expressa num comunicado da Sociedade Nacional de Combustíveis de Angola (Sonangol), na sequência do desfecho do julgamento, em 7 de Dezembro, em Lisboa, do processo que envolveu o ex-presidente da empresa e ex-vice-Presidente da República, com a petrolífera a voltar a negar qualquer envolvimento neste caso, que implicou uma acusação de corrupção ao ex-procurador do Ministério Público português Orlando Figueira, condenado a seis anos e oito meses de prisão.

No comunicado, a Sonangol afirma que “exige e merece respeito” e que “não aceita que se invoque o seu nome de forma falsa, imputando-lhe a prática de factos que não correspondem minimamente à verdade”.

“A Sonangol, E.P. é uma empresa com diversos investimentos, incluindo em Portugal, junto de empresas cotadas, com responsabilidades, e não aceita que, também através desta decisão, tais empresas se vejam, ainda que indirectamente, atacadas e prejudicadas”, refere o comunicado, acrescentando que a petrolífera “reserva-se à faculdade de recorrer aos meios próprios para fazer valer os seus direitos”.

“Não pondo em causa o respeito que Manuel Domingos Vicente mereça, procurar confundir esta empresa com um dos seus presidentes é, não só, lamentável, mas, acima de tudo, demonstra, uma vez mais, preconceito e pré-juízo”, lê-se.

No mesmo comunicado, a Sonangol volta a negar qualquer envolvimento neste processo, repetindo os argumentos já tornados públicos durante o julgamento.

“Para além do que agora se afirma, não pode a Sonangol, E.P. deixar de repudiar a forma como um Tribunal, ainda que de um país terceiro, vem colocar em causa o afirmado por esta empresa em comunicado público, e ainda mais em documentos oficiais seus, nomeadamente quando, em momento algum, tal Tribunal (ou qualquer outra autoridade portuguesa) questionou esta empresa sobre os pontos que agora levanta na sua decisão”, critica a petrolífera estatal angolana.

Há uma semana, o ex-procurador do Ministério Público de Portugal, Orlando Figueira, foi condenado a seis anos e oito meses de prisão e o advogado Paulo Amaral Blanco a quatro anos e quatro meses de prisão com pena suspensa no âmbito do processo Fizz.

Os juízes deram como provado que o ex-magistrado do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) cometeu corrupção passiva qualificada, branqueamento de capitais, violação do segredo de justiça e falsificação de documentos, condenando-o ainda na proibição de exercer funções na magistratura durante cinco anos.

Para os juízes, durante o julgamento ficou claro que o ex-presidente da Sonangol e ex-vice-Presidente de Angola Manuel Vicente era detentor das empresas Portmill Limited e Portmill Lda, mostrando estranheza pelo facto de Orlando Figueira não ter investigado a proveniência de 3,8 milhões de euros para a compra de um apartamento no condomínio Estoril-Sol.

Na origem deste processo estão alegados pagamentos de Manuel Vicente, em cerca de 760 mil euros, e a oferta de emprego a Orlando Figueira para ir trabalhar com assessor jurídico do Banco Privado Atlântico, em Angola, em contrapartida pelo arquivamento de inquéritos em que o antigo presidente da Sonangol era visado, designadamente na aquisição daquele imóvel.

O processo-crime de Manuel Vicente foi separado do resto da operação Fizz e foi enviado para o arquivo morto de Angola.

No comunicado agora divulgado, entre outra argumentação já apontada anteriormente, a Sonangol insiste que “não é verdade” que a empresa “tenha qualquer espécie de relação, directa ou indirecta, com a Primagest – Sociedade Gestora, jamais tendo exercido qualquer espécie de controlo sobre a mesma”, o mesmo acontecendo com as sociedades Berkeley – Gestão e Serviços e Leadervalue – Consultoria Investimentos, e no Grupo Empresarial COBA, ou que “seja ou tenha sido accionista” do então Banco Privado Atlântico Europa, hoje denominado Banco Atlântico Europa.

“Credibilizar documentação pessoal de advogados e terceiros sobre a Sonangol, E.P. em detrimento do que esta empresa afirma é demonstração de desrespeito a que o Tribunal parece ter votado esta empresa, não cumprindo sequer o contraditório”, acusa ainda a petrolífera angolana.

Operação Transparência ou Fizz?

A associação de Manuel Vicente à empresa Primagest surgiu após uma pesquisa no Google, segundo um inspector da Polícia Judiciária (PJ) de Portugal.

Bruno Miguel Gomes explicou que a investigação, “que nem foi complicada”, começou com uma denúncia anónima contra o ex-procurador Orlando Figueira e que começou pela análise de documentos bancários e fluxos financeiros.

Na fase inicial, confessou o inspector que no processo Banif trabalhou com o ex-procurador do Ministério Público, até achou que a denúncia não teria fundamento, mas após a análise dos dados bancários, nomeadamente de transferências de dinheiro, convenceu-se que haveria uma ligação.

“Analisámos os processos que foram tramitados por Orlando Figueira e um encaixava perfeitamente nas datas, transferências de dinheiro, etc.”, referiu o inspector-chefe.

“Vimos que tinha uma quantidade de dinheiro depositado que não lhe vinha do trabalho e onde encontrámos a motivação foi no arquivamento do processo relacionado com Manuel Vicente (Portmill)”, acrescentou.

Nessa altura, adiantou, a PJ recorreu a fontes abertas, nomeadamente no Google, e os inspectores ficaram convencidos que havia uma ligação entre a Primagest, empresa que alegadamente pagou a Orlando Figueira, e a Sonangol, petrolífera da qual Manuel Vicente tinha sido presidente.

Nas buscas a casa de Orlando Figueira, em Fevereiro de 2015, a polícia encontrou o contrato de trabalho assinado com a Primagest e um envelope do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) com 22 documentos do processo Portmill, relacionado com a compra de apartamentos no Estoril por Manuel Vicente e que tinha sido arquivado por Orlando Figueira.

As declarações do polícia chegaram a enfurecer Orlando Figueira que se levantou e quis intervir, tendo sido chamado à atenção pelo juiz.

No entender da PJ e da acusação, a Primagest foi a empresa-veículo para o branqueamento de capitais, um dos crimes pelos quais os três arguidos são acusados, que chegou mesmo a ser alvo de buscas, tal como a sua representante Angélica Conchinha.

O inspector argumentou ainda que, na sua experiência, os pactos societários normalmente não reflectem as empresas que são instrumentos de branqueamento de capitais.

Sendo assim, explicou, chegaram lá pelo beneficiário (Orlando Figueira) e por várias notícias que estavam na internet.

Orlando Figueira lamentou que “se tenha detido uma pessoa durante dois anos” com base em fontes abertas, como notícias e pesquisas no Google.

O advogado Rui Patrício, que defendeu o empresário Armindo Pires (tido pelo Ministério Público como o ‘testa de ferro’ de negócios de Manuel Vicente), falou de “uma personagem chamada Google” que fez as ligações, referindo que “é fácil encontrar coisas certas, coisas erradas” e, “nos últimos dias, até pessoas com responsabilidade a dizerem disparates”, acrescentou, sem concretizar.

Pelos vistos a culpa de tudo isto é de um motor de busca, o Google. Também poderia ser dos jornais, mas isso não daria para fazer um espectáculo de pura diversão. O Google não escreve notícias, mas isso pouco importa para todos aqueles que querem, apenas e só, assassinar o mensageiro…

Em Março de 2015, a Comissão Parlamentar portuguesa de Inquérito à gestão do BES solicitou a Paulo Morais que lhes enviasse os nomes dos beneficiários com créditos do BESA. O então vice-presidente da associação cívica Transparência e Integridade (hoje Presidente da Frente Cívica) fez chegar aos deputados vários exemplares do Folha 8.

Os parlamentares portugueses foram aos arames. Em matéria de informação sobre o regime do MPLA nem sequer usam o Google. Só costumam ler o Pravda, o Boletim Oficial, do regime.

E assim aconteceu. Os deputados receberam o “Anexo 1 (lista de documentos), anexo 2 (lista de beneficiários), anexo 3 (USB drive)”. Ao verificaram o conteúdo, os parlamentares portugueses – sobejamente habituados a que outros trabalhem por eles – entraram em pânico e manifestaram o seu incomodo. Alguém estava a passar-lhes – mui justamente, acrescente-se – um atestado de menoridade intelectual.

Também desta vez esperavam que que a papinha estivesse toda feita e que, por isso, fosse apenas necessário sorrir e – de vez em quando – dar um ar sério do estilo de quem muito labuta na matéria. Como acontece na maioria das comissões de inquérito, é fácil e barato brilhar à custa do trabalho dos outros. Até mesmo do Google, acrescente-se.

Paulo Morais trocou-lhes as voltas e, implicitamente, disse-lhes que se queriam as bolotas tinham de trepar. Se os deputados da nação lusa ficaram entalados ao verificar que a lista de beneficiários não estava assinada, como pretendiam, pelos próprios visados, entraram em pânico por Paulo Morais lhes dizer que parte desses nomes foi revelada pelo Folha 8.

Por outras palavras, Paulo Morais disse-lhes que eram incompetentes, mandriões e imbecis. Isto porque, se os nomes eram públicos a partir do momento em que foram revelados pelo Folha 8, o que andaram a fazer os deputados dessa comissão de inquérito?

Que chatice para quem, na Assembleia da República, só lê o Pravda do regime angolano ou, se preferirem, o Boletim Oficial. Perante esta demonstração da sua incompetência, os deputados atiraram a pedra e esconderam a mão. Passaram a sua indignação, parafraseando António Barreto (um dos mais prestigiados cientistas sociais de Portugal), aos ex-assessores agora chamados de “Press officers e Media consultants”, os tais que “falam todos os dias com os administradores, directores e jornalistas das televisões, das rádios e dos jornais e escrevem notícias com todos os requisitos profissionais, de modo a facilitar a vida aos jornalistas”.

“Press officers e Media consultants” que, citando ainda António Barreto, “mentem de vez em quando, exageram quase sempre, organizam fugas de imprensa quando convém, protestam contra as fugas de imprensa quando fica bem, recompensam, com informação, os que se conformam, castigam, com silêncio, os que prevaricaram. São as fontes. Que inundam ou secam.”

É claro que tantos os deputados, com excepção dos do Bloco de Esquerda, como os “Press officers e Media consultants“ podem estar descansados. Temiam que com a passagem de José Eduardo dos Santos de bestial a besta o perigo estivesse ali logo na próxima esquina. Mas não está. João Lourenço, também nesta matéria, segue os ensinamentos do anterior “escolhido de Deus”. A manjedoura do regime do MPLA continua à disposição.

“A estupefacção e o incómodo dos deputados deve resultar do facto de muitos destes nomes já serem públicos e terem sido ignorados pela Comissão Parlamentar de Inquérito ao BES”, disse na altura Paulo Morais, acrescentando que “os deputados nem sequer os conheciam ou, se os conheciam (o que se esperaria), porque não confrontaram os administradores do BES com esta informação?”

Folha 8 com Lusa

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