Processos de Vicente e do
27 de Maio ficarão juntos

O chefe do Estado do MPLA disse que Luanda ainda aguarda o envio do processo judicial envolvendo, na altura dos factos, o Presidente da Sonangol, Manuel Vicente, por Portugal, mas assume aguardar a visita do primeiro-ministro.

Por Orlando Castro

João Lourenço espera, por isso, que António Costa aproveite para devolver também todos os processos que envolvem personalidades angolanas. Abre, contudo, uma excepção: se houver processos que envolvam figuras que não sejam do MPLA, então esses podem ser julgados em Lisboa.

Bem que o governo português poderia, com extrema facilidade, fazer aprovar uma lei que determine que as autoridades policiais e judiciais portuguesas não podem investigar e muito menos julgar qualquer cidadão pertencente ao regime do MPLA. Para sempre.

A posição foi expressa pelo Presidente e Titular do Poder Executivo angolano numa entrevista emitida pela Euronews, no âmbito da visita oficial de João Lourenço a França, entre 28 e 30 de Maio, e antes de visitar a Bélgica, entre 4 e 5 de Junho.

“As relações com Portugal vão bem. Estamos ansiosos em receber o primeiro-ministro, António Costa, em Luanda. A nível dos ministros das Relações Exteriores, os dois países estão a acertar datas, e isso vai acontecer a todo o momento”, afirmou João Lourenço.

O desanuviamento das relações entre Angola e Portugal surgiu após o Tribunal da Relação de Lisboa ter decidido, servilmente e sob “sugestão” (ou algo mais) do poder político, enviar o processo que envolve o então Presidente da Sonangol e depois ex-vice-Presidente angolano, Manuel Vicente, para ser colocado no arquivo morto do MPLA.

O Governo angolano exigia o cumprimento dos acordos internacionais e o envio do processo para suposto julgamento em Luanda, pretensão que mais de cinco meses depois do início do julgamento, em Lisboa, teve o aval do tribunal que aceitou dar guarida à pretensão portuguesa de dar à política o que é, ou deveria ser, da justiça.

“Eu dizia, na minha primeira grande entrevista, no início do corrente ano, que nós não pretendemos lavar, digamos, a imagem do engenheiro Manuel Vicente, se é que ela está suja. A acusação de que ele praticou um crime, tem a presunção de inocência, tão logo recebamos o processo de Portugal as entidades competentes da Justiça vão prosseguir com o processo”, disse ainda, nesta entrevista, o chefe de Estado angolano.

Aliás, como faz parte do ADN do MPLA, o governo de João Lourenço já tem reservado um espaço no seu arquivo morto para lá colocar o processo de Manuel Vicente. Ficará, aliás, perto do “processo” relativo ao massacre de milhares de angolanos cometido pelo MPLA no 27 de Maio de 1977.

Durante a visita a Paris, João Lourenço, manifestou, no Palácio do Eliseu, o interesse de Angola em ser membro da Organização Internacional da Francofonia e recebeu o apoio do seu homólogo francês, Emmanuel Macron. Para o Presidente angolano, pode mesmo seguir-se um pedido idêntico à Commonwealth, comunidade que junta os países anglófonos.

No caso da Francofonia ou da Commonwealth é compreensível a tese de João Lourenço. O MPLA quer que Angola pertença a organizações que não chateiem, que façam o que o regime mais gosta: bajulem, aceitem a corrupção e estejam nas tintas para os 20 milhões de angolanos pobres. Simples.

“A exemplo do que se passa com Moçambique, que está ali encravado entre países anglófonos (…) e acabou por aderir à Commonwealth, também Angola está cercada, não por países lusófonos, mas por países francófonos e anglófonos. Portanto, não se admirem que estejamos a pedir agora a adesão à francofonia e que daqui a uns dias estejamos a pedir também a adesão à Commonwealth”, apontou.

Não. Não nos admiramos. Aliás só nos poderíamos admirar se a Angola do MPLA fosse um Estado de Direito. Como não é, tudo é possível. Num estado esclavagista é mesmo assim. Meia dúzia de senhores feudais mandam nos escravos e estes obedecem, limitando-se a ter panos ruins, peixe podre, fuba podre e a levar porrada quando refilam.

A modéstia do MPLA

O MPLA tem oficialmente 60 anos, mas na verdade são muitos mais. Quando um dia os arautos do regime de João Lourenço escreverem a real história do partido veremos, sem margens para dúvidas, que Diogo Cão já era militante do MPLA.

Assim sendo, Angola é só do MPLA.

Ficaremos igualmente a saber (se a história não demorar muito tempo a ser escrita) que, ao contrário do que se propagava, José Eduardo dos Santos não era o “escolhido de Deus” porque esse é o lugar de quem manda. E quem manda agora é João Lourenço.

“É preciso trabalharmos buscando objectivos muito concretos, trabalhando de forma colegial, porque sozinho ninguém alcança vitórias. Aqui não há milagreiros, como dizem os brasileiros”, disse em tempos João Lourenço. Isto é, colegialmente todos mandam mas que decide é ele.

João Lourenço procura sempre que fala dar a entender que o MPLA precisava de trabalhar. É uma tese que fica bem. Até dá a ideia de que Angola é o que não é: um Estado de Direito democrático.

O MPLA teve a confiança dos eleitores, até mesmo dos que já tinham morrido mas que, para o caso, foram eleitoralmente ressuscitados. Também teve o apoio daqueles que não foram votar mas cujo voto, por uma questão de educação patriótica, apareceu na urna.

A maioria do povo, os jovens revolucionários que pagaram com a vida, uns, barbaramente assassinados, Cassule, Kamulingue e Ganga e outros, 15+2 e ainda (muitos) outros pelas províncias, injustamente encarcerados nas fedorentas masmorras do reino, nunca tiveram, nem agora têm, dúvidas de que seja qual for o Presidente, o MPLA é o mesmo. Não há (embora o MPLA diga o contrário) jacarés vegetarianos.

O MPLA, seja com José Eduardo dos Santos, João Lourenço ou outro qualquer Kangamba, quer superar os 500 anos de colonização portuguesa em Angola, mostrando a todo o custo que “o MPLA é Angola e que Angola é o MPLA”.

O MPLA é, contudo, um partido medroso, cada vez mais medroso, que se pavoneia, por ter o controlo da máquina do Estado, que lhe permite escancarar os cofres públicos e de lá sacar (roubar) dinheiro para a sua maquiavélica empreitada e substituir, por exemplo, Isabel dos Santos por Carlos Saturnino foi apenas uma forma de tapar o sol com uma peneira.

O MPLA de José Eduardo dos Santos, tal como o governo do MPLA liderado por João Lourenço, não está, nunca esteve, preparado para viver em democracia e, por essa via, aceitar mudanças, aceitar as regras basilares de um Estado de Direito. Todas as nomeações de João Lourenço tiveram em conta, para além da subserviência, a imprescindibilidade de serem quadros do MPLA.

O MPLA não se imagina, nem está preparado para viver, pacificamente, na oposição. Eles, voluntária ou involuntariamente, demonstraram porque delapidam os órgãos do Estado que dirigem ou dirigiram, sem que disso resulte consequências de índole criminal. Agem dolosamente, porque encaminham o dinheiro público para o partido no poder.

Lourenço e os direitos humanos

João Lourenço recusou no dia 17 de Setembro de 2015 as acusações sobre violação dos direitos humanos no país. E se então como ministro da Defesa era isso o que pensava, agora como presidente da República mantém essa posição.

Na altura, João Lourenço recordou que os angolanos sentiram essas violações durante 500 anos de colonialismo português. Não precisava, nem precisa, de ir tão longe. Bastava-lhe recordar – se não fosse cobarde – o 27 de Maio de… 1977.

“Nós, que ao longo de séculos, viemos lutando contra a violação dos direitos humanos, vocês aceitam que hoje nos queiram acusar de estarmos a violar os direitos humanos? Não, porque temos plena consciência que os que nos acusam não têm moral para nos vir dar aulas sobre esta matéria, que muito bem conhecemos”, apontou João Lourenço.

Será que nós, angolanos como João Lourenço, também podemos afirmar que ao MPLA falta moral para atirar pedras aos outros quando tem no seu registo, no seu ADN, tudo o que fez no 27 de Maio de 1977, mas não só? O MPLA acha que não temos esse direito. Mas nós achamos que temos.

“Violação dos direitos humanos foi o colonialismo. Violação dos direitos humanos foi a escravatura que durou não escassos dias, nem meses, nem anos, mas sim séculos eternos. Isso sim é que foi a verdadeira violação dos nossos direitos”, enfatizou o então ministro da Defesa, que discursava em representação do seu mentor Presidente, José Eduardo dos Santos. Esqueceu-se, igualmente, de lembrar que Portugal foi o primeiro país a abolir a escravatura que, contudo, regressou ao nosso país pela mão do MPLA em 11 de Novembro de 1975.

Pois é. E há 42 anos que os portugueses não mandam no nosso país. Então como estão as coisas, senhor presidente João Lourenço? É. Continuamos a ter escravos. Os colonialistas deixaram de ser os portugueses e passaram a ser os seus amigos e você próprio. O nosso povo (20 milhões de pobres) continua, ou se calhar nem isso, a ter panos ruins, peixe podre, fuba podre e a levar porrada quando refila.

Já agora, senhor presidente, como é que o governo do MPLA trata, internamente, os angolanos? Sabemos que são angolanos de segunda categoria, mas são angolanos. São refugiados, são migrantes na sua própria terra. Isso deveria envergonhá-lo.

Por isso mesmo, diz João Lourenço, basta ver as imagens dos refugiados que tentam cruzar as fronteiras europeias e a forma como são tratados para responder à pergunta “quem viola os direitos humanos”. “A resposta está nessas imagens”, atirou.

Nós, senhor presidente João Lourenço, também temos por cá muitas dessas imagens. Imagens com a sua Polícia a descarregar violência não sobre emigrantes mas sobre o seu próprio povo. E não temos mais imagens porque, ao contrário desses países europeus, o seu governo impedia os jornalistas de exercerem a sua função.

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