O ministro da Defesa de Portugal, Azeredo Lopes, está – segundo o jornal Público – a preparar uma visita, dentro de duas semanas, a Angola. O governo socialista de António Costa deposita grandes esperanças nesta deslocação. E tem razões para isso. Azeredo Lopes é, desde há muito, um amigo do regime e certamente João Lourenço sabe disso.
Por Norberto Hossi
Aliás, no dia 6 de Março de 2017, já o Folha 8 dizia “Apostem em Azeredo Lopes”. Falhada a missão do perito dos peritos portugueses, Santos Silva, as esperanças de nova onda de bajulação residem em Azeredo Lopes, também velho e querido amigo do regime. Ou melhor, de quem estiver no comando do regime. Ontem era José Eduardo dos Santos, hoje é João Lourenço. Recorde-se que, na sua qualidade de observador, o actual ministro da Defesa de Portugal foi um dos mais efusivos defensores da lisura das eleições de 2012.
Recordamo-nos, por exemplo, de que na sua qualidade de presidente da ERC – Entidade Reguladora para a Comunicação Social (entre 2006 e 2011) de Portugal, Azeredo Lopes foi um dos oradores internacionais do seminário sobre comunicação e cidadania, que decorreu no Centro de Formação de Jornalistas (Cefojor), em Angola.
“Insere-se no quadro de relações de cooperação técnica que tem a ver com a criação de mecanismos de regulação. Angola tem uma nova Constituição e está gradualmente a dotar-se de mecanismos mais modernos de regulação e justifica-se até pela proximidade dos nossos textos jurídicos”, afirmou à Lusa o então presidente da ERC.
Azeredo Lopes explicou que “a comunicação social evoluiu muito [em Angola], o que exige mecanismos técnicos mais específicos”.
Essa coisa que em Portugal se chama ERC (que é uma entidade que ajuda – e foi esse o ensinamento que Azeredo Lopes trouxe a Angola – a fingir que os escravos são livres) resolveu em tempos enviar um questionário para as principais empresas de media para saber quem eram os proprietários dos órgãos de informação.
Para a ERC de então é, ou era, importante saber quem são os donos dos jornalistas. Achamos bem. Impossível será, com certeza, saber quem são os donos dos donos dos jornalistas, embora seja aí que reside o cerne da questão. Mas como em Portugal e em Angola o que conta é o supérfluo e não o essencial, lá vamos continuar na velha estratégia de todos a monte e fé em “Deus”. “Deus” que, no nosso caso e na altura, era o mesmo há 38 anos…
Em caso de falta de resposta, a ERC podia aplicar uma contra-ordenação, já que a actualização desta informação é obrigatória por lei. Então se é obrigatória… há necessidade de fazer um inquérito?
Pois. Já sabemos. É obrigatório por lei mas, como em muitas outras coisas, a lei só vale para os pilha-galinhas e não para os que roubam os próprios aviários.
É, ou era, a primeira vez que a ERC ia exercer esta competência, no momento em que os socialistas insistentemente perguntavam quem eram os proprietários do semanário Sol. Proprietários do ponto de vista legal já que, na verdade, os donos poderão ser outros.
Supostamente os grupos de comunicação social teriam de prestar informações sobre a estrutura accionista e os meios que detêm. Como se isso fosse, de facto, resolver alguma coisa.
Segundo um comunicado da ERC de 22 de Fevereiro de 2010, a informação destinava-se a “completar e a actualizar a base de dados de registos” da entidade reguladora. É à ERC que compete fazer o registo dos órgãos de informação quando estes são criados e, nesse processo, é pedida a identificação dos órgãos sociais e a relação nominativa dos accionistas com indicação do número de acções que possuem.
À luz dos estatutos da ERC, é permitido realizar auditorias e exames nos órgãos de informação e aplicar uma contra-ordenação em caso de recusa de informação. O que até então não aconteceu, como reconheceu Estrela Serrano, membro do Conselho Regulador da ERC.
Certamente que nenhuma empresa se recusou a dizer quem eram os donos. Desde logo porque não são obrigadas a dizer o que realmente importaria, ou seja, quem são os donos dos donos. Ao prestarem a informação vão sossegar as almas famintas dos que apenas querem mostrar serviço, não mostrando coisa alguma.
Tal como recentemente em Angola, o essencial da questão estava no facto de em Portugal o Estatuto do Jornalista, aprovado exclusivamente pelo Partido Socialista, representar a página mais negra na história do Jornalismo do pós-25 de Abril de 1974. Um Estatuto que não criou condições para uma efectiva autonomia editorial e independência dos Jornalistas, antes as agravou, assassinando a posição destes profissionais face ao poder das empresas.
O essencial da questão estava no facto de em Portugal a concentração da propriedade dos meios de informação estar na origem de um clube restrito de grupos económicos que controla todas as grandes publicações, as televisões e as principais rádios e que não representa apenas o domínio da capacidade de recolher, tratar e difundir informação e um enorme poder de intervenção no espaço público.
O essencial da questão está no facto de em Portugal tal concentração representar o controlo do mercado do trabalho dos jornalistas e outros trabalhadores, estabelecendo e impondo as regras sobre quem entra, quem permanece e quem sai das empresas, que é como quem diz da profissão.
Mas, é claro, a ERC e organismos similares existem para transformar o essencial em supérfluo e o supérfluo no essencial. Este é, de facto, o grande ensinamento que Azeredo Lopes nos veio cá dar, embora tenha sido uma forma de vir ensinar o padre nosso ao vigário.
2012 – observadores à medida e por medida
Como todos já sabiam há muito tempo, as eleições de 2012 em Angola foram novamente um exemplo de democraticidade, eficiência e transparência. Aliás, nem outra coisa era de esperar do partido, o MPLA, no poder desde 1975.
Isso mesmo foi confirmado por dois sipaios, perdão, observadores portugueses elogiaram o processo eleitoral: Elísio de Oliveira e Azeredo Lopes.
Essa era uma certeza adquirida nos areópagos políticos dos parceiros e sócios do regime angolano a ponto, ao contrário de 2008, a União Europeia ter reduzido o número dos seus observadores eleitorais de 100 (então chefiados pela italiana Luísa Morgantini que foi considerada pelo regime como persona non grata) para… 2 (dois).
Tal como em 2008, a missão da CPLP voltou a ser chefiada pelo moçambicano Leonardo Simão. E o que viu agora o líder da missão de observadores da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa?
O que viu não se sabe porque ele, como político inteligente que é, não conta. Mas sabe-se o que já disse. Desde logo a “enorme evolução” na organização das eleições… apesar de “algumas falhas”. Falhas pequenas, muito pequenas, obviamente.
“O processo eleitoral decorreu num ambiente de tranquilidade, serenidade, com um grau de organização bastante elevado”, embora com algumas falhas aqui e acolá”, afirmou o chefe da missão dos observadores da CPLP, que – certamente perante a pequenez do país – deslocou um importante contingente de 10 (dez) técnicos para testemunhar o processo eleitoral.
Segundo Leonardo Simão, ex-ministro dos Negócios Estrangeiros de Moçambique e na altura director da Fundação Joaquim Chissano (e, portanto, por dentro das necessidades do regime do MPLA e da sua capacidade política, económica e militar), a missão da CPLP detectou as excepções que acabam por confirmar a democraticidade, transparência e eficácia das eleições.
A provar a atenção dos 10 (dez) técnicos da CPLP, Leonardo Simão vai ao pormenor de contar que numa situação em Viana, nos arredores de Luanda, os membros de algumas mesas não apareceram, devido a uma avaria num autocarro.
É claro que não detectaram, tal como Azeredo Lopes, muitas outras irregularidades, como sejam a dos mortos votarem e a de muitos vivos não constarem dos cadernos eleitorais.
Leonardo Simão cometeu, apesar de não querer – legitimamente – cuspir no prato de quem lhe deu comida, alguns lapsos. Falou da ausência de delegados de lista em algumas mesas de voto, disse que os partidos não receberam financiamento atempado para recrutar e formar pessoas e afectá-las a mais de 25 mil postos de votação em todo o país.
Leonardo Simão referiu-se também à aprovação tardia da lei eleitoral, em Dezembro, e à impugnação, entretanto, da presidente da Comissão Nacional Eleitoral (CNE). “O tempo material para a preparação das eleições foi bastante curto”, considerou, lembrando que uma votação como esta “leva dois anos a preparar”. Deveria levar…
Apesar das acusações de irregularidades do principal partido da oposição, e da dura resposta do MPLA, no poder desde 1975, Leonardo Simão disse ter testemunhado “um ambiente mais distendido” em relação a 2008, quando “havia uma certa tensão no ar e uma certa incerteza sobre o que ia acontecer”.
E se em 2008 havia alguma incerteza, em 2012 tudo ficou claro. O regime continuava igual ao que sempre foi, a maioria dos angolanos continuava a passar fome, os ricos continuavam cada vez mais ricos, Portugal continuava o seu processo de bajulação e o MPLA retribuía com a defesa e apoio ao seu protectorado (luso, lusitano, lusófono) do sul da Europa.
Com um tão vasto currículo autenticado, sob compromisso de honra, pelo MPLA, acreditamos que com a vinda deste conhecido sipaio, perdão, ministro da Defesa, Portugal vai somar alguns pontos na cotação junto de João Lourenço. Serão suficientes para ligar à máquina a moribunda parceria estratégica? Não. Não serão. Mas que dará um gozo especial (quase um orgasmo) aos dirigentes do MPLA, isso dará.