Mais de mil angolanos denunciaram no dia 16 de Maio uma alegada “burla” da empresa brasileira “Build Angola”, em investimentos superiores a 240 milhões de dólares (203 milhões de euros), para a construção de residências, em que passados dez anos “nenhuma foi entregue”.
A situação foi relatada nesse dia por um dos coordenadores da comissão de lesados, Hélio Silvestre, que atribuiu culpas à antiga Agência de Investimento Privado (ANIP) de Angola, pelo facto de “certificar uma empresa que não era idónea”, lamentando por isso o “silêncio das autoridades”.
“Somos no total 1.160 pessoas lesadas. Estamos a falar em mais de 240 milhões de dólares, que as pessoas investiram neste projecto. A situação é preocupante. Nós já reportamos, na altura, o assunto à antiga direcção da Procuradoria, ao antigo Presidente da República e nada”, disse.
Os projectos imobiliários, sob tutela da “Build Angola”, para a construção de condomínios residenciais nas províncias de Luanda e Bengo, tiveram uma massiva divulgação em 2008, o que despertou a adesão de cidadãos para a concretização do sonho da casa própria.
Sonhos que, segundo Hélio Silvestre, foram transformados, dez anos depois, em autênticos pesadelos, afirmando tratar-se de um “caso de burla e com a conivência da extinta ANIP”, afirmando mesmo que “estão à sua sorte”, pois a “justiça para esse caso está de férias”.
“É por isso que voltamos a escrever para o novo Presidente da República, para a Procuradoria-Geral da República, para a Provedoria de Justiça e para a Assembleia Nacional, sobretudo a quinta comissão, para que nos acudam e ajudem a resolver o caso”, apontou.
“Nossa Vila, Bem Morar, Nosso Lar, Quintas do Rio Bengo e Copacabana” são alguns dos nomes dos condomínios promovidos na época, por figuras públicas angolanas e brasileiras, mas que passados dez anos, explicou Hélio Silvestre, alguns dos espaços publicitados estão “vedados e outros sem qualquer construção”.
O grupo de lesados estava esperançado que o caso conhecesse agora algum avanço, com a existência de um novo Procurador-Geral da República, depois de terem já ouvido “alguns pronunciamentos em acompanharem o caso”, pese embora ainda não tivessem, à data, sido ouvidos.
Os lesados do projecto habitacional “Build Angola”, que resultou em burla, apresentaram hoje um processo civil em tribunal contra os promotores daquele empreendimento na tentativa de reaver os 230 milhões de dólares (196,5 milhões de euros) investidos.
Segundo o coordenador da “Comissão dos Lesados pela Build Angola”, Hélio Silvestre, o processo deu entrada na Procuradoria-Geral da República (PGR), em que 237 compradores, metade deles com o pagamento feito na totalidade, apresentaram outros tantos contratos de aquisição de residências e lojas, para que o órgão de justiça acuse os promotores de burla e que o tribunal os responsabilize civilmente.
A pretensão dos lesados é receber as casas ou recuperar o dinheiro investido para obtenção de moradias.
Hélio Silvestre indicou que a PGR, após a recepção dos documentos, informou que já constituiu uma comissão para trabalhar num caso que renasceu após 10 anos adormecido e sem qualquer esperança.
Entre os acusados por burla, estão várias empresas e cidadãos brasileiros e angolanos, ressalvou Hélio Silvestre, que, porém, se escusou a nomear.
“Há muitos angolanos envolvidos nisso e nós mencionamos os nomes das pessoas e as empresas nos documentos entregues hoje à PGR. A Procuradoria vai pronunciar-se em devido tempo sobre isso”, disse o lesado.
Embora o processo só agora tenha sido oficialmente formalizado junto da PGR, oito anos depois de várias tentativas sem respostas, o Hélio Silvestre disse ser desejo dos lesados que recebam as casas por eles compradas.
“Esta é a solução que esperamos que a PGR encontre”, acentuou, acrescentando que, se esta possibilidade for posta de lado, estão abertos a negociações.
A entrega oficial do processo acontece um mês depois de a PGR ter tornado público um comunicado, em que anunciou que decidiu instaurar acções judiciais em defesa dos cidadãos que fizeram o pagamento total ou parcial de moradias nos projectos “Bem Morar”, “Quintas do Rio Bengo”, “Copacabana Palace”, “Nossa Vila”, “The One” e “Vila Gonga”, sob responsabilidade da imobiliária brasileira “Build”.
A intervenção da PGR deve-se ao facto de as moradias não terem sido edificadas ou, tendo ocorrido, não foram legalizadas a favor dos promitentes compradores.
Os imóveis, segundo o comunicado da PGR, foram publicitados e vendidos ainda em maqueta, no âmbito de vários projectos imobiliários, cujos promotores são cidadãos brasileiros, que se encontram em fuga.
Trata-se de António Paulo de Azevedo Sodré, Paulo Henriques Freitas Marinho, João Gualberto Conrado Júnior, Ricardo Boer Bemete, Rodrigo António Iazi e Manuel Sarina Júnior, que, em Angola, criaram a “Build Angola”, que, na verdade, nunca existiu, segundo a PGR.
O documento explica que, em 2012, os cidadãos lesados apresentaram uma queixa-crime à PGR, que, por esta razão, instaurou 29 processos por ter notado indícios da prática de crime de associação de malfeitores, burla por defraudação e branqueamento de capitais.
No entanto, acrescentou a PGR, as infracções denunciadas foram amnistiadas pela Lei nº 11/2016 de 12 de Agosto, levando ao arquivamento dos autos, sem prejuízo da eventual responsabilidade civil por perdas e danos.
A PGR, nos termos da Constituição angolana, decidiu, porém, instaurar acções civis em defesa dos interesses colectivos e difusos em causa, lê-se no documento.
O projecto da construtora brasileira foi profusamente publicitado em Angola, tendo o brasileiro Pelé, o “Rei do Futebol”, dado rosto à campanha publicitária.
Folha 8 com Lusa