Pedir, negociar e esbanjar
a bem do interesse público

As obras públicas adjudicadas em Angola desde 2013, mas que devido à crise foram paralisadas ou adiadas, vão ser renegociadas, com novas condições, por decisão do Governo. É caso para dizer que no (re)negociar é que está o ganho? Talvez. Como sempre aconteceu desde há muito, vamos esperar… sentados.

A informação consta de um despacho presidencial de 2 de Abril, em que o Presidente João Lourenço, autoriza o ministro da Construção e Obras Públicas a avaliar os contratos de empreitada, fiscalização e consultoria de obras públicas celebrados de 2013 a 2017 “que estejam paralisados devido a alterações de circunstâncias imprevisíveis não imputáveis aos contraentes”.

“Havendo necessidade de se proceder à renegociação dos prazos previstos em tais contratos, por forma a evitar custos adicionais e a manter o equilíbrio financeiro, por razões de interesse público”, justifica ainda o documento.

Num processo em que deve participar o Ministério das Finanças, o despacho presidencial estipula que o ministro da Construção e Obras Públicas, Manuel Tavares de Almeida, deverá “renegociar os prazos” para a execução dos contratos e “tendo em atenção os recursos financeiros cabimentados”.

“O ministro da Construção e Obras Públicas deve notificar os proprietários ou usuários dos edifícios que se encontram em perigo de ruína ou desabamento sobre medidas emergentes que se imponha adoptar”, lê-se ainda no mesmo despacho, a propósito das empreitadas que ficaram por concluir, devido à crise financeira e económica que o país vive, em função da queda da cotação do barril de petróleo.

Alguém ainda se lembra que, o ano passado, o Governo contratou, por 105 milhões de euros, empresas de consultoria para fiscalizar mais de meia centena de obras públicas a realizar no país, grande parte destas financiadas pela Linha de Crédito da China?

A informação resulta de 56 documentos governamentais, na forma de despachos presidenciais com data de Abril de 2017, autorizando a contratação de várias empresas para assegurarem a fiscalização de outras tantas empreitadas públicas.

São obras públicas que vão desde a expansão da rede de tratamento, armazenamento e abastecimento de água, à construção de linhas de transporte de electricidade e respectivas ligações a milhares de casas, em várias províncias.

Deste total, 35 contratos, com empresas de fiscalização e consultoria são feitos em moeda nacional, no valor global de 13.487 milhões de kwanzas (75,9 milhões de euros), enquanto 21 contratos são em moeda estrangeira, no valor de 29,5 milhões de dólares (27,5 milhões de euros).

O valor mais alto destes contratos de fiscalização é de 15,2 milhões de dólares (14,1 milhões de euros), relativo ao sistema associado ao Aproveitamento Hidroeléctrico de Laúca (Malanje), a maior barragem de Angola, e a ligação à província do Huambo, tendo sido adjudicado ao consórcio Códio/DAR Angola.

A fiscalização de empreitadas está prevista no legislação sobre contratação pública e desde o agravamento da crise provocada pela quebra nas receitas petrolíferas, o discurso interno do MPLA, partido no poder desde 1975, tem sido no sentido de apelar a “fazer mais com menos”.

Recordam-se também que o presidente do MPLA e então chefe de Estado, José Eduardo dos Santos, anunciou em Fevereiro de 2017, numa reunião do partido, um programa de inaugurações de obras públicas em vários sectores durante esse ano?

“Em todas as províncias estão em curso acções que visam aumentar o abastecimento de água e energia, a melhorar o ensino, a saúde e a habitação, e a reparar e construir mais estradas e a desenvolver a agricultura e outros sectores produtivos. Estas acções permitirão concluir muitos empreendimentos este ano e por essa razão estamos a preparar um programa de inaugurações”, afirmou, na ocasião, o chefe de Estado.

Só no domínio da produção de electricidade, estavam previstas para 2017 as inaugurações da nova barragem de Laúca e do reforço de potência e alteamento da barragem de Cambambe, bem como da central de ciclo combinado do Soyo, três obras com um custo superior a 5,5 mil milhões de euros.

Exemplos para todos os gostos

Vejamos. Em Janeiro de 2015 a construção de novas estradas e de equipamentos da área social previstos para esse ano foi suspensa devido, disse o regime, à crise financeira que o país atravessava com a quebra das receitas petrolíferas.

A posição foi transmitida em Luanda pelo ministro da Construção, Waldemar Pires Alexandre, num encontro com empreiteiros nacionais e estrangeiros, para abordar a situação. Segundo o ministro, o Governo definiu como prioritários para esse ano projectos financiados por iniciativas privadas.

“As nossas prioridades vão incidir concretamente nos projectos financiados com recursos assegurados”, disse o governante, recordando que o Presidente da República de então, José Eduardo dos Santos, no seu discurso de fim de ano avisou que alguns projectos seriam adiados.

O titular da pasta da Construção sublinhou que os projectos de construção de estradas e de construção de equipamentos sociais, que não identificou quais, fazem parte das restrições.

Em Outubro de 2014, o chefe de Estado anunciou que a quebra nas receitas petrolíferas da exportação do petróleo levaria ao adiamento da meta de construção de 63 mil salas de aulas, inicialmente apontada para três anos.

O ministro da Construção adiantou que os projectos que deverão ter o suporte da componente dos recursos ordenados do Tesouro, vão aguardar até que se mobilizem recursos necessários à sua implementação.

“Mas podemos ainda contar com a criatividade e o empreendedorismo no nosso sector, no sentido de podermos alocar recursos provenientes da iniciativa privada, através de financiamentos quer externos ou internos, para o suporte desta actividade”, acrescentou Waldemar Pires Alexandre.

O governante sublinhou que na hierarquia de prioridades, os projectos da área social mantinham-se à frente da lista.

E por falar em estradas…

O Governo contratou em Fevereiro de 2016 obras no valor de 1,2 mil milhões de euros para reformular a conhecida marginal da Corimba, a sul de Luanda, segundo despacho presidencial de 25 de Janeiro. Dinheiro não faltava, apesar da dita crise.

Ou seja, faltava (como continua a faltar) na saúde, na educação e em todos os sectores que visem beneficiar o Povo.

No mesmo despacho, que autoriza os contratos de empreitada, refere-se que o Governo “está comprometido na reabilitação dos problemas actuais de congestionamento de circulação nos acessos à cidade Luanda”, sendo precisamente a marginal da Corimba um dos pontos críticos.

Em causa estava a implementação do Projecto Marginal da Corimba – aprovado nesse despacho -, que “deve garantir a sua reabilitação, além da valorização e melhor preservação da zona costeira” e “uma significativa melhoria das acessibilidades” a Luanda.

“Permitindo um rápido acesso ao centro da cidade e facilidade de escoamento do tráfego rodoviário”, lê-se.

Este projecto prevê duas empreitadas, igualmente aprovadas pelo despacho de José Eduardo dos Santos, que ascendem a 1,3 mil milhões de dólares (mais de 1,2 mil milhões de euros) e que serão incluídas, por decisão do Governo, na Programação Anual de Investimentos do Programa de Investimentos Públicos.

O primeiro contrato diz respeito às dragagens, reclamação de terra e protecção da costa, a realizar pelo consórcio formado pelas empresas Urbeinveste Projetos Imobiliários, que como não poderia deixar de ser pertence à empresária Isabel dos Santos, e Van Oord Dredging and Marine Contrators. Esta empreitada ascende a 615,2 milhões de dólares (567 milhões de euros).

A segunda obra era a construção propriamente dita, de reabilitação e acessibilidades, a realizar em consórcio pelas empresas Landscape e China Road and Bridge Corporation Angola, por 690,1 milhões de dólares (636 milhões de euros).

O despacho referia ainda que o ministro das Finanças, Armando Manuel, devia “assegurar os recursos financeiros necessários à execução dos referidos contratos”, estando “autorizado” o pagamento inicial de até 15% do valor das empreitadas “com recurso às reservas do Tesouro”.

Para retirar pressão ao transporte rodoviário em Luanda, província com 6,5 milhões de habitantes, o Governo angolano está a criar corredores específicos para autocarros, e reforçando a oferta de transporte público através de linhas de catamarãs até ao centro da capital. Estava também prevista a implementação do Metro Ligeiro de Superfície da marginal da Corimba.

Folha 8 com Lusa

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