ONU terá de perceber que refugiados são uma mina

As Nações Unidas expressaram hoje preocupação sobre a alegada saída forçada de Angola de cerca de 200.000 cidadãos da vizinha República Democrática do Congo (RD Congo) nas duas últimas semanas, admitindo que a situação pode gerar uma crise humanitária. Esta preocupação é música de qualidade para os ouvidos do Governo de João Lourenço. Os refugiados são uma excelente fonte de… mais financiamentos.

A agência da ONU para os refugiados salientou que não está claramente apurado de quem partiu a ordem para que os congoleses, trabalhadores na indústria mineira, abandonassem Angola.

A ONU diz que as expulsões em massa são contrárias às obrigações da Carta Africana e exorta os Governos de Angola e da RD Congo a trabalharem juntos para garantirem um “movimento populacional” seguro.

Elementos das Nações Unidas recolheram alguns relatos de violência em Angola, enquanto agentes de segurança reforçavam a ordem que estabelecia o prazo de 15 de Outubro para a saída dos congoleses.

Na segunda-feira, o Governo da RD Congo revelou que está a realizar “investigações” sobre esta expulsão em massa, sob acusações de violência, “alegações sérias”, de acordo com Kinshasa.

“As alegações são muito graves. O Governo reagirá oficialmente nos próximos dias”, declarou à agência France-Presse o porta-voz do executivo congolês, Lambert Mende, em reacção a uma operação contra imigração clandestina de Luanda, que obrigou os congoleses a deixarem Angola.

Há relatos de expulsões violentas, até mesmo mortes de congoleses, que Angola nega, falando de retornos “voluntários”.

A RD Congo e Angola partilham 2.500 quilómetros de fronteira terrestre, a mais longa em África.

Na semana passada, a polícia angolana avisou que quaisquer actos de xenofobia contra cidadãos da RD Congo serão duramente punidos, depois de agressões registadas num mercado de Saurimo, na província da Lunda Sul.

Em declarações à Imprensa, a propósito das agressões de angolanos a cidadãos da RD Congo no mercado “Portão do Leste”, conhecido localmente por “Candembe”, em Saurimo, o comandante em exercício da Polícia Nacional na Lunda Sul assegurou que os órgãos de Defesa e Segurança da Província não permitirão que tal facto volte a acontecer, sob pena de os autores serem responsabilizados criminalmente.

“O cidadão angolano residente nesta província que se aproveitar da Operação Transparência e optar pela xenofobia ou sabotagem aos estabelecimentos dos congoleses residentes nesta região, mesmo aqueles que se encontram em situação ilegal, sentirá a mão pesada da Polícia Nacional”, avisou o subcomissário João Ângelo.

Na sexta-feira, vários cidadãos angolanos, alguns dos quais detidos pela Polícia Nacional, protagonizaram actos de violência contra cidadãos congoleses que comercializam produtos diversos no Candembe, saqueando diversos bens seus.

O aviso surge numa altura em que está em curso a “Operação Transparência”, iniciada a 25 de Setembro nas províncias de Malanje, Lunda Norte, Lunda Sul, Moxico, Bié, Uíge e Zaire, destinada a impedir actos sistemáticos de violação das fronteiras do país e da entrada e exploração ilegal de diamantes.

A operação envolve efectivos da Polícia de Guarda Fronteiras, do Serviço de Investigação Criminal e do Serviço de Migração e Estrangeiros, entre outros órgãos afectos ao Ministério do Interior.

Angola, o quinto maior produtor de diamantes do mundo, lançou esta operação nas últimas semanas para afastar dezenas de milhares de pessoas envolvidas na extracção de pedras preciosas no Noroeste do país, com o objectivo de atrair mais investimento privado e sem que os investidores tenham de enfrentar esta luta pelo sobrevivência de garimpeiros ilegais, muitos deles também angolanos.

Para além de empresários estrangeiros interessados em sacar os diamantes, a estratégia do Governo poderá também dar uma saída lucrativa a generais, ex-generais e políticos ligados a José Eduardo dos Santos, ostracizados pelos novos dirigentes mas cujo silêncio e passividade social e política interessa garantir a curto e médio prazos.

Do mesmo modo, a ONU terá de abrir, e muito, os cordões à bolsa (sem pagamento de juros e sem petróleo em troca) se quiser que Angola “assimile”, integre ou mantenha em “Stand by” estes milhares de cidadãos congoleses. Do ponto de vista do Governo angolano, a questão pode ter o rótulo de “humanitária”, mas o conteúdo é apenas de “dólares”.

Já no dia 26 de Junho de 2017, Angola previa que até ao fim desse ano precisava de uma ajuda de 82,6 milhões de euros para apoiar refugiados da RD Congo.

A informação foi feita nesse dia num encontro promovido pelo Governo angolano para o reforço do apelo inter-agências das Nações Unidas para os refugiados da região do Kasai.

Na sua intervenção, o então ministro da Assistência e Reinserção Social, Gonçalves Muanduma, referiu que Angola até então acolhera mais de 31.320 refugiados e disponibilizou 1,6 mil milhões de kwanzas (8,8 milhões de euros).

Segundo o ministro, a crise económica e financeira que Angola atravessa afecta a população da região em que se encontram os refugiados e são motivo de preocupação “porque também carece de apoio”.

“Neste contexto, compreender-se-á que o Governo angolano não pode assumir individualmente os encargos financeiros decorrentes do apoio aos refugiados congoleses que chegam quotidianamente”, disse Gonçalves Muanduma.

Nesse sentido, além da solicitação feita pelas Nações Unidas de contribuições no valor de 65,5 milhões de dólares, Angola previa gastos para os próximos seis meses estimados em 82,2 milhões de euros para “continua a fazer a sua parte”.

Folha 8 com Lusa

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