O Presidente angolano, João Lourenço, perspectivou hoje aumentos nas tarifas de electricidade e na água, com a progressiva retirada dos subsídios estatais, e alertou que “não é vergonha nenhuma” que cidadãos nacionais assumam ter fortunas no exterior, desde que sejam repatriadas.
João Lourenço discursava hoje na Assembleia Nacional, em Luanda, no âmbito da discussão e votação na generalidade da proposta de lei do Orçamento Geral do Estado (OGE) para 2018, a primeira vez que um chefe de Estado vai ao Parlamento para participar no debate, deslocação que não estava inicialmente prevista.
“Entendi, neste primeiro ano do meu mandato, excepcionalmente fazê-lo [início da discussão do OGE] pessoalmente, como sinal de aproximação de dois poderes que embora distintos, com papéis diferentes, estão obrigados a trabalhar para um fim comum, o de melhor servir Angola e os angolanos”, justificou João Lourenço, perante os deputados.
Ao mesmo tempo que passou em revista a situação macroeconómica do país e as consequências da crise provocada pela quebra nas receitas com a exportação de petróleo, desculpa que continua a ser um excelente álibi para a congénita incompetência de quem dirige o país há 42 anos, o chefe de Estado alertou que o país “encontra-se em situação económica e financeira desafiante”, devido à “grande dependência” das vendas de crude ao exterior.
Essa “grande dependência”, acrescente-se, tem muito a ver com a incapacidade dos governos do MPLA, aos quais João Lourenço também pertenceu, em diversificar a economia como sempre foi sugerido pelos especialistas internacionais e reivindicado pela sociedade civil angolana, sem nenhum sucesso.
“Contamos com a iniciativa de todos, mas sobretudo dos filhos da terra, e encorajamos a todos quantos têm avultados recursos no exterior a trazê-los de volta para financiar projectos que, com certeza, tratarão emprego e maior oferta de bens e de serviços”, desafiou João Lourenço, aludindo à proposta do Governo para regularização e repatriamento de depósitos acima de 100.000 dólares em contas no exterior do país, não declarados em Angola, e que afasta responsabilidades criminais, durante os primeiros seis meses após a aprovação da legislação.
“Não é vergonha assumir que se tem fortunas lá fora. Vergonha é continuar a esconder algo que pode contribuir para minimizar o sofrimento de milhares de compatriotas nossos”, sublinhou João Lourenço, perante as palmas dos deputados.
Provavelmente se não fossem essas fortunas (quase todas de altos dirigentes do MPLA) estarem fora do país, não haveria crise, o preço do petróleo não teria caído, a economia estaria diversificada e muitas das megalómanas obras, construídas à imagem de um regime totalitário, teria sido substituídas por mais postos de saúde, por mais escolas.
Segundo o Banco Nacional de Angola, pelo menos 30 mil milhões de dólares (cerca de 25 mil milhões de euros) com origem em Angola estão depositados no exterior do país. Deve ser verdade. O BNA (desde sempre e como outros organismos e entidades uma sucursal das teses oficiais do regime) sabe com certeza do que fala.
João Lourenço avançou que em 2018 vai continuar o programa de “redução dos subsídios” do Estado, com “destaque” para os sectores da energia eléctrica e distribuição de água, mas também nos transportes rodoviários, ferroviários e marítimos, anunciando uma “revisão das tarifas” que salvaguarde as classes mais baixas, que também deverão beneficiar da baixa nos preços de produtos essenciais.
É isso aí. As classes mais baixas deverão, poderão, talvez um dia, eventualmente, beneficiar de uma redução nos produtos essenciais. Embevecidos, os nossos 20 milhões de pobres (com simples chegada de João Lourenço ao poder devem hoje ser apenas 2 milhões, ou menos…) agradecem e devoram a mandioca ou o farelo que – como dizia Kundy Paihama – é um bom alimento porque “os porcos comem farelo e não morrem”.
João Lourenço garantiu ainda que o Estado, através do OGE, vai incentivar o desenvolvimento do sector industrial privado, para diversificar as exportações e apoiar especificamente o sector agrícola, com uma linha de crédito para importação de insumos.
Na componente económica, João Lourenço defendeu como prioridade a criação, este ano, do estatuto do “Investidor estrangeiro”, com um regime de vistos e autorização de residência facilitado, para promover a captação de investimento privado.
“Temos boas razões para acreditar que o OGE proposto, tal como está configurado, vai levar as finanças públicas a bom porto”, enfatizou João Lourenço.
Recorde-se que o Governo angolano pretende cortar em 25%, equivalente a 275 milhões de euros, os subsídios que atribui às empresas públicas para manutenção dos preços aos consumidores, em serviços como transporte e energia, que deverão aumentar este ano, mas com “uma abordagem de salvaguarda das camadas mais pobres da população”.
O Parlamento angolano inicia hoje, com a votação, na generalidade, a discussão da proposta de lei do OGE para 2018, o primeiro do executivo liderado por João Lourenço, que prevê um irreal mas simpático crescimento económico de 4,9%.
As contas do Estado para 2018 prevêem um défice de 697,4 mil milhões de kwanzas (3.500 milhões de euros), equivalente a 2,9% do Produto Interno Bruto (PIB), traduzindo-se no quinto ano consecutivo de ‘buraco’ nas contas nacionais. Estima despesas e receitas de 9,658 biliões de kwanzas (48.300 milhões de euros) e um crescimento económico de 4,9% do PIB.
A votação final da proposta está prevista para 15 de Fevereiro, no Parlamento.
Folha 8 com Lusa