Muda o “querido líder” mas
o culto ao chefe continua!

A expressão “culto à personalidade” foi usado pela primeira vez em 1956 por Nikita Khrushchov durante o XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética. Continua, contudo, a ter férreos seguidores um pouco porto o lado. Da Coreia do Norte à Guiné Equatorial, sem esquecer a Angola do… MPLA. E viva (pois claro!) João Lourenço que até vai falar, em Nova Iorque, na 73ª Sessão da Assembleia-Geral das Nações Unidas, com o trunfo de até um dos seus ex-ministro (Augusto da Silva Tomás) ter sido preso…

Khrushchov assumiu o posto de secretário-geral deste partido após a morte de Joseph Stalin, assumindo a liderança da URSS até 1964 e promovendo as reformas que começariam a desmontar a estrutura rígida de centralização política e económicas do Estado totalitário stalinista.

Após o pronunciamento de Khrushchov, o termo passou a ser usado para referir-se à estratégia política – comum a regimes autoritários – de exacerbada exaltação dos líderes de Estado, especialmente os ditadores.

O conceito de culto à personalidade remete a uma forma de propaganda que eleva a figura de líderes políticos a dimensões quase religiosas. Os discursos desse tipo de propaganda procura promover de forma exagerada os méritos e qualidades dos líderes em questão, ocultando sempre quaisquer críticas ou defeitos que possam fazer parte de sua personalidade e história.

O culto à personalidade parte da concepção equivocada de que a história não é feita pela sociedade em si, mas unicamente pelas acções de grandes figuras capazes de manifestar a vontade geral. Essa concepção não é um erro acidental, mas uma forma estratégica de legitimar a dominação exercida pelo líder, pré-justificando suas acções e criando uma atmosfera de adoração e medo.

Sobretudo durante o século XX, o uso do culto à personalidade como estratégia de poder pode ser observada em diferentes partes do mundo. A exaltação das figuras de Joseph Stalin e Adolf Hitler – ambos líderes de regimes totalitários – foi marcante durante o tempo em que ocuparam o poder.

A cada um deles correspondia uma estética única de propaganda política responsável por representar e difundir as suas ideologias e programas de Estado. Benito Mussolini, em Itália e Mao Tsé-Tung, na China, também são exemplos de líderes carismáticos que adoptaram – com considerável sucesso – a estratégia do culto à personalidade.

Do ponto de vista material, o culto à personalidade expressa-se de diversas formas. Na China, por exemplo, até hoje encontramos painéis gigantes retratando o rosto de Mao Tsé-Tung em locais públicos estratégicos. Em Espanha, a figura do ditador Francisco Franco era exaltada através da repetição de cantos, hinos e poesias que falavam sobre suas supostas virtudes e feitos históricos em defesa do povo espanhol.

Na Alemanha nazi o culto à personalidade de Hitler expressava-se também através de gestos, rituais e comprimentos que hoje são conhecidos por todos nós – como o braço estendido e a saudação Heil Hitler!.

Os últimos anos do stalinismo foram marcados por projectos megalomaníacos de construção de monumentos e estátuas gigantescas por todo o território de influência soviética – hoje pontos de visita que atraem turistas interessados na história da Guerra Fria. Em todos estes casos, os meios de comunicação auxiliam na construção dessas narrativas extremamente tendenciosas, traçando um perfil heróico desses sujeitos.

Usualmente, a queda de regimes ditatoriais que fazem uso do culto à personalidade é marcada por cenas históricas de depredação e queima desses símbolos. Um desses episódios foi p derrube das estátuas de Saddam Hussein no Iraque. Hoje, a Coreia do Norte é talvez o país onde se encontra mais presente o culto à personalidade do chefe de Estado, Kim Jong-un.

Ainda que mais relevante em regimes ditatoriais, o culto à personalidade também está presente em regimes democráticos, ficando evidente no tratamento que a imprensa dá a algumas figuras durante cenários políticos em que as disputas por poder se acirrar.

Este texto é da autoria de Camila Betoni, mestre em Sociologia pela UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil).

E em Angola como é?

Vejamos agora a mesma questão na perspectiva e realidade de Angola.

Um exemplo. Março de 2016. As Forças Armadas Angolanas foram exortadas, no Huambo, a “revestir-se” (o termo é da Angop) de alto sentido de fidelidade patriótica que o conduz a nunca trair o juramento prestado à Bandeira Nacional e os interesses superiores da Nação. Hoje, tal como ontem, importa manter na ribalta a “educação patriótica”, seguindo as metodologias das ditaduras.

A exortação veio do então Chefe do Estado-Maior General adjunto das FAA para Educação Patriótica, general Egídio de Sousa Santos “Disciplina”, quando falava na abertura do 16º seminário metodológico dos órgãos de Educação Patriótica das FAA, que decorreu sob o lema “Pelo reforço da organização e disciplina – revitalizemos o trabalho de educação patriótica das FAA”.

O general lembrou aos militares que ao abandonarem a unidade onde estiverem colocados ou a farda a si atribuída por imperativo do compromisso assumido com à Pátria, cometem acto de deserção, susceptível de constituir crime militar, por ser infiel ao seu juramento.

“O militar que age desta forma não é um patriota que esteja realmente comprometido com a defesa dos mais altos interesses da Nação angolana e nem é digno de ser considerado um bom cidadão, capaz de contribuir com o seu esforço na defesa da independência nacional, da integridade do solo pátrio, nem tão pouco no desenvolvimento económico-social do país e do bem-estar da população”, asseverou o general nesta lição de patriotismo.

Incorrem no mesmo crime, segundo Egídio de Sousa Santos, os indivíduos que colaboram com este tipo de militares, facilitando a sua colocação noutras unidades, sem a prévia anuência do comandante da unidade de origem, visto que a instituição castrense existe para cuidar do homem em todas as suas dimensões, designadamente física, espiritual, moral e humana.

Neste sentido, o responsável militar orientou os órgãos de Educação Patriótica a trabalhar, de forma conjunta com os de Educação Jurídica, para elevar os sentimentos de patriotismo, civismo, liberdade e de justiça.

O general afirmou que os órgãos de Educação Patriótica são importantes ferramentas para que o efectivo tenha um comportamento baseado no cumprimento da missão na estrita observância consciente das normas e regulamentos militares.

“Esta coordenação entre os órgãos patrióticos e jurídicos das FAA deve ser comparada aos fármacos combinados no organismo humano, quando se pretende combater determinadas enfermidades, de modo a que os oficiais, sargentos e praças compreendam e aceitem a observância das normas da vida castrense que em nenhuma outra instituição social se podem exigir”, disse.

Participam no seminário, comandantes adjuntos para Educação Patriótica dos três ramos das FAA (Exército, a Força Aérea e Marinha de Guerra), chefes das direcções de educação patriótica, das repartições da direcção principal desta área e comandantes adjuntos das unidades de subordinação central.

Desde a barriga da mãe

Perante a necessidade patriótica, talvez fosse aconselhável instituir, com força de lei, a obrigatoriedade da educação patriótica começar logo quando as nossas crianças ainda estão na barriga da mãe.

Por alguma razão a Organização Nacional de Pioneiros Agostinho Neto almeja apostar na educação patriótica, cívica e moral das crianças angolanas, sendo estas o futuro do país. Na Coreia do Norte o sistema é o mesmo e funciona. Portanto…

Em tempos, curiosamente também no Huambo, a então secretária nacional para a organização de quadros da OPA, Maria Luísa, disse que a continuidade do processo de desenvolvimento de Angola passa, necessariamente, por uma boa educação das crianças em todas as vertentes.

E educação tem de ser “patriótica”? Pelos vistos, sim. Não basta ser educação. Maria Luísa realçou ainda que a família desempenha um papel preponderante na educação patriótica, moral e cívica dos menores, para melhor se integrarem na sociedade. Apelou também às crianças para se dedicarem à formação académica, com vista a participarem, no futuro, activamente no processo de desenvolvimento do país.

Oficialmente o objectivo desta massiva campanha de patriotismo tem como objectivo elevar o espírito patriótico dos menores, bem como dar a conhecer os benefícios da independência. Tal e qual como nos tempos da militância marxista-leninista do pós-independência (11 de Novembro de 1975), o regime do MPLA continua a reeducar o povo tendo em vista e militância política e patriótica… no MPLA.

De facto, tanto a militância política como a patriótica são sinónimos de MPLA. E a educação patriótica começa ainda dentro da barriga da mãe. Ou até antes, se for possível. Basta ver, mas sobretudo não esquecer, que o regime mantém, entre outras, a estrutura dos chamados Pioneiros, uma organização similar à Mocidade Portuguesa dos tempos de um outro António. Não António Agostinho Neto mas António de Oliveira Salazar.

Num Estado de Direito, que Angola diz – pelo menos diz – querer ser, não faz sentido a existência de organismos, entidades ou acções que apenas visam a lavagem ao cérebro e a dependência perante quem está no poder desde 1975, o MPLA. Dependência essa que, como todas as outras, apenas tem como objectivo o amor cego e canino ao MPLA, como se este partido fosse ainda o único, como se MPLA e pátria fossem sinónimos.

Por norma os trabalhos de lavagem cerebral dos putos e dos jovens incide sempre sobre os “princípios fundamentais e bases ideológica do MPLA”, os “discurso do Presidente José Eduardo dos Santos”, os “princípios fundamentais de organização e funcionamento da MPLA” e “o papel da juventude na conquista da independência Nacional e na preservação das vitórias do povo angolano”.

Nem no regime de Salazar se fazia um tão canino culto do regime e do presidente como o faz o MPLA, só faltando (e já esteve mais longe) dizer que existe Deus no Céu e o MPLA na terra. Não nos esqueçamos, por exemplo, que o regime tem comandantes militares cuja exclusiva função é a Educação Patriótica.

Tantos anos depois da independência, 16 depois da paz, a estrutura militar e civil do regime continua a trabalhar à imagem e semelhança dos Khmer Vermelhos de Pol Pot. Nos anais da história do regime, tal como na do anedotário nacional, consta uma intervenção, Setembro de 2009, em que o substituto do comandante da Região Militar Norte para Educação Patriótica do MPLA, Coronel Zeferino Sekunanguela, enaltecia, no Uíge, o contributo do primeiro presidente de Angola, António Agostinho Neto na luta de libertação nacional. O oficial superior da tal “Educação Patriótica”, que falava na palestra sobre “Vida e obra de Doutor Agostinho Neto”, disse que Neto foi o Fundador do movimento nacionalista, da Nação angolana e contribuiu para a luta de libertação nacional.

Assim sendo, “Educação Patriótica” é sinónimo do culto das personalidades afectas ao regime do MPLA, banindo da História de Angola qualquer outra figura que não se enquadre na cartilha do partido que, cada vez mais, não só se confunde com o país como obriga o país a confundir-se consigo.

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One Thought to “Muda o “querido líder” mas
o culto ao chefe continua!”

  1. nini lencastre

    estava a ver que o artigo, muito bom e esclarecedor, não iria mencionar o caso brando de salazar…e se por ventura fosse integralnente redigido pela Dr.ª Camila ao qual forneceu a primeira parte tenho um plpite que nem sequer chegaria a tugar em qq assunto relacionado com Portugal…
    falem de Portugal, para dizer bem ou mal, mas falem pq ignorar sem dúvida q é a pior coisa q se pode fazer a alguém ou a algo começo a entender.
    o brasil com a sua dimensão continental está-se borrifando para portugal…

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