Um jornalismo mais sério, baseado no patriotismo, na ética e na deontológica profissional, é o que o ministério da Comunicação Social pretende para Angola. A tese (adaptada do tempo de partido único) é do secretário de Estado do sector, Celso Malavoloneke.
Por Orlando Castro
Convenhamos, desde logo, que só a própria existência de um ministério da Comunicação Social é reveladora da enormíssima distância a que estamos das democracias e dos Estados de Direito.
Segundo o Artigo 89 alínea c) da Constituição, Angola tem uma “economia de mercado, na base dos princípios e valores da sã concorrência, da moralidade e da ética, previstos e assegurados por lei”. E uma economia como esta não se coaduna com a existência de um Ministério que quer formatar o que a comunicação social diz. Esse era o diapasão da economia planificada que o MPLA aprendeu e do qual, mesmo maquilhando-se, não se consegue separar.
Quem é o secretário de Estado, ou o ministro, ou o próprio Titular do Poder Executivo para nos vir dar lições do que é um “jornalismo mais sério, baseado no patriotismo, na ética e na deontológica profissional”?
Mas afinal, para além dos leitores, ouvintes e telespectadores, bem como dos eventuais órgãos da classe, quem é que define o que é “jornalismo sério”, quem é que avalia o “patriotismo” dos jornalistas, ou a sua ética e deontologia? Ou, com outros protagonistas e roupagens diferentes, estamos a voltar (se é que já de lá saímos) ao tempo em que patriotismo, ética e deontologia eram sinónimos exclusivos de MPLA?
Esta peregrina ideia de Celso Malavoloneke foi manifestada hoje, na cidade do Huambo, na abertura do seminário dirigido aos jornalistas das províncias do Huambo, Bié, Benguela, Cuanza Sul e Cuando Cubango.
Para alcançar tal desiderato, Celso Malavoloneke informou que o Ministério da Comunicação Social vai prestar uma atenção especial na formação e qualificação dos jornalistas, para que estes estejam aptos para corresponder às expectativas do Governo.
Como se vê o gato escondeu o rabo mas deixou o corpo todo de fora. Então vamos qualificar os jornalistas para que eles, atente-se, “estejam aptos para corresponder às expectativas do Governo”? Ou seja, serão formatados para serem não jornalistas mas meros propagandistas ao serviço do Governo, não defraudando as encomendas e as “ordens superiores” que devem veicular.
Celso Malavoloneke lembrou que o Presidente da República, João Lourenço, no seu primeiro discurso de tomada de posse, orientou para que se prestasse uma atenção especial à Comunicação Social e aos jornalistas, para que, no decurso da sua actividade, pautem a sua actividade pela ética, deontologia, verdade e patriotismo. E fez bem em lembrar. É que ministros e secretários de Estado também recebem “ordens superiores” e, por isso, não se podem esquecer das louvaminhas que o Presidente exige.
Aos servidores públicos, segundo Celso Malavoleneke, o Chefe de Estado recomendou para estarem abertos e preparados para a crítica veiculada pelos órgãos de Comunicação Social, estabelecendo, deste modo, um novo paradigma sobre a forma de fazer jornalismo em Angola.
Sejam implementadas as teses do ministro João Melo, que ao fim e ao cabo pouco diferem das anteriores, a não ser na embalagem, e os servidores públicos podem estar descansados que não haverá lugar a críticas da Comunicação Social.
Nós por cá, correndo o risco de nos acontecer o mesmo que a Jan Kuciak, um repórter eslovaco de 27 anos conhecido pelo seu trabalho sobre corrupção e fraude fiscal e que foi, conjuntamente com a namorada, assassinado a tiro, vamos continuar a (tentar) dar voz a quem a não tem.
Vamos, em síntese, estar apenas preocupados com as pessoas a quem devemos prestar conta: os leitores. Se calhar, citando Celso Malavoloneke, não seremos tão patrióticos como o Governo deseja. Para nós, se o Jornalista não procura saber o que se passa é um imbecil. Se sabe o que se passa e se cala é um criminoso. Daí a nossa oposição total aos imbecis e criminosos.