O Governo do MPLA vai, segundo diz, preparar até Setembro um cronograma para regularização dos pagamentos em atraso às empresas portuguesas, essencialmente de construção, de centenas de milhões de euros, anunciou hoje o secretário de Estado da Internacionalização de Portugal. Em 2015 o então ministro da Economia de Portugal, Pires de Lima (foto), falava de um Observatório de Investimento entre Portugal e Angola…
Eurico Brilhante Dias falava hoje aos jornalistas no balanço dos dois dias de visita oficial a Angola, em que participou na 34.ª edição da Feira Internacional de Luanda, tendo mantido reuniões de trabalho ainda com membros do Governo angolano e no Banco Nacional de Angola (BNA), além de contactos com empresários portugueses.
Em cima da mesa das reuniões esteve a preparação da visita a Luanda do primeiro-ministro português, António Costa, a 17 e 18 de Setembro, bem como as preocupações de empresários e trabalhadores expatriados com os atrasos no recebimento de pagamentos e na transferência de divisas ou salários para o exterior, devido à crise financeira, económica e cambial angolana, que se arrasta desde 2014.
Questionado pela agência Lusa sobre a possibilidade de as empresas terem de negociar, reduzindo os valores em dívida ao Estado angolano, Eurico Brilhante Dias sublinhou que o Governo português não se coloca “no meio” das negociações da República de Angola com as empresas privadas. Por outras palavras, o Governo de Lisboa coloca-se onde o MPLA quiser.
“As empresas portuguesas têm legitimamente a vontade, a necessidade e a expectativa de receber uma parte substantiva daquilo que foi a sua emissão de factura. Agora, compreendemos que cada caso é um caso e nós não vamos impor, e muito menos estaremos a ir para além das nossas competências, uma solução única para todas as empresas. Umas aceitarão determinadas condições, outras não”, disse o secretário de Estado.
Sem quantificar, admitiu que em causa estão pagamentos em atraso “na casa das várias dezenas de mil milhões de kwanzas”, equivalente a centenas de milhões de euros, tendo em conta que, além da regularização, ainda é necessária a disponibilização de divisas, para transferência para o exterior.
Eurico Brilhante Dias acrescentou que existe o compromisso do BNA, nos valores de maior montante a transferir para Portugal, de um “acompanhamento personalizado de cada caso” e empresa, bem como a proposta de um cronograma de regularização”, por parte das autoridades angolanas.
“Compreendendo as circunstâncias difíceis por que passou a economia angolana em 2015, 2016 e 2017, que há uma prioridade fundamental, que é a manter a actividade económica a funcionar e que até à vinda do senhor primeiro-ministro a Luanda vamos ter a possibilidade de ter um quadro fiel, mas acima de tudo um cronograma, uma metodologia de regularização. Esse foi o pedido que fizemos junto das autoridades angolanas e que tivemos, eu diria, bastante aceitação e uma anuência”, anunciou o governante português.
Em paralelo, explicou, vai decorrer um processo de certificação da dívida entre os ministérios sectoriais de Angola, que contrataram as empresas portuguesas, e o Ministério das Finanças angolano.
“É um processo que, devo dizer, até excedeu as nossas perspectivas iniciais. O valor certificado já vai além do valor com que eu parti de Lisboa. Esperamos que nos próximos dois meses [visita do primeiro-ministro], e para futuro, esse processo possa ser acelerado e termos de facto uma certificação da larga maioria da dívida. Hoje, eu diria que estaremos entre 20 a 25% de certificação, e portanto temos um caminho a fazer e é esse caminho que as autoridades angolanas se propõem fazer com as empresas portuguesas”, disse.
Sobre transferências de pequenas e médias empresas, bem como de salários de trabalhadores portugueses expatriados para Portugal, reconheceu que “apesar de tudo há uma regularização dos atrasados, que já começou”.
“Um processo que gostaríamos todos que fosse mais rápido, mas que está em execução”, sublinhou Eurico Brilhante Dias.
Sem quantificar, anunciou que nas transferências em atraso referentes ao período entre 2013 e 2017, “os dados que foram reportados pela banca comercial ao BNA foram sujeitos à avaliação e autorização de transferência”.
Os valores de divisas a transferir este ano já passam a ser feitos com recurso ao modelo de leilões, realizados pelo banco central, aos quais concorrem os bancos comerciais.
“Trago a expectativa de que o ano de 2018 seja um ano melhor para os portugueses, do ponto de visto do acesso a divisas para eles próprios, também junto da economia portuguesa, muitos deles regularizarem as suas dívidas junto da banca portuguesa e de fornecedores”, concluiu.
O observatório de Pires de Lima
Em Abril de 2015, o então ministro da Economia de Portugal, António Pires de Lima, anunciou para Junho desse ano a criação do Observatório de Investimento entre Portugal e Angola, afirmando que os portugueses com projectos ou investimentos no mercado angolano beneficiarão do “olhar clínico” da nova entidade.
“Todos os portugueses que tenham projectos de investimento em Angola ou investimentos em curso em Angola serão alvo de uma atenção, de um olhar clínico por parte desse observatório, que terá a sua primeira reunião no dia 22 de Junho”, em Luanda, adiantou António Pires de Lima.
O ministro foi questionado sobre a criação do Observatório na sequência da visita à fábrica de Brenes da Sovena, depois de o presidente da empresa portuguesa, António Simões, ter referido que espera “voltar a ter negócios em Angola”.
Em Outubro de 2014, António Simões afirmou que estava a preparar um projecto industrial em Angola, aguardando a autorização das autoridades competentes para “voltar a ter operação industrial em Angola”.
Além disso, adiantou então que uma primeira fase de desenvolvimento da fábrica, que se destina ao embalamento de óleos, o investimento previsto era de 8 a 10 milhões de euros, mas “será significativamente maior” se se completasse todo o projecto.
Questionado sobre se este assunto seria abordado pelo Observatório do Investimento, Pires de Lima deu aquela resposta, afirmando desconhecer os detalhes da operação da Sovena em África e frisando apenas que “crescer em Angola implica persistência e capitais pacientes” e “que essa é seguramente uma competência que a Sovena tem de sobra”.
A criação do observatório tinha sido anunciada em Dezembro de 2014 pelo então ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Rui Machete, afirmando na altura que estavam a ser ultimados acordos nas áreas da economia e do comércio e que o observatório tem como objectivo “a acompanhar a evolução dos projectos dos angolanos em Portugal e dos portugueses em Angola”, procurando “promover fluxos de investimento reforçados”.
“Eu creio que é muito bom que os empresários angolanos apostem em Portugal. Creio também que é muito importante que os empresários portugueses possam continuar a apostar e a investir em Angola”, acrescentou o então ministro da Economia português.
Também o primeiro-ministro português da altura, Pedro Passos Coelho, recordou que o mercado angolano é o quarto principal destino de exportações de Portugal, e o número um fora da União Europeia.
“E a relação, de resto, com Angola é muito especial, como todos sabem”, afirmou o primeiro-ministro, na declaração à rádio angolana.
Nesse ano os números da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP) apontavam para que mais de 9.000 empresas de Portugal exportavam para Angola e cerca de 2.000, angolanas, eram participadas por capital português.
“Basicamente o Observatório visaria monitorizar aquilo que são os investimentos e o comportamento das empresas, angolanas e portuguesas, para as ajudar a desenvolver melhor os seus negócios e prevenir alguns erros que eventualmente ocorrem”, disse ainda Rui Machete.
Estas medidas, segundo explicou o governante português, visavam “continuar a impulsionar as relações” entre Portugal e Angola, que começam a “adquirir um grau de complexidade”.
António Pires de Lima disse ainda que o seu Governo estava “a acompanhar de perto” a situação das empresas portuguesas em Angola para minimizar o efeito da restrição às exportações para este país.
Pires de Lima sublinhou que os números das exportações “são muito positivos” independentemente das dificuldades das empresas portuguesas em Angola e que o Governo “está a acompanhar de perto, para minimizar o impacto que se vive neste momento num país que ainda têm uma economia muito dependente do petróleo”.
“Em 2015, apesar de algumas situações mais complexas que precisam de ser acompanhadas pelo Governo, como Angola, estou convicto de que a economia portuguesa vai crescer mais ainda”, reforçou, notando que a evolução do euro também ajuda esta dinâmica de exportações.
Folha 8 com Lusa