MPLA continua a querer
a limpeza étnica no país

A “notícia” é de hoje e foi publicada no órgão oficial do MPLA, o chamado Jornal de Angola. Diz: “Um total de 100 cadetes das Forças Armadas Angolanas (FAA) da academia do Lobito, província de Benguela, realizaram durante dois dias junto do memorial à vitória da Batalha do Cuito Cuanavale, várias sessões de estudos sobre o sistema de defesa utilizado pelas Forças Armadas Populares de Libertação de Angola (FAPLA), que travou a invasão do exército sul-africano”.

Por Orlando Castro

E acrescenta: «No local, os finalistas do curso de infantaria, tanques, engenharia e de inteligência operativa, analisaram ao pormenor o avanço das extintas FAPLA contra as antigas bases da UNITA em Mavinga e Jamba, com o objectivo de identificar possíveis falhas ou erros que eventualmente resultaram no fracasso na tomada de assalto às posições dos guerrilheiros do “galo negro”».

Fixemos alguns pontos fundamentais desta estranha forma de reconciliação que o regime do MPLA diz querer mas que, na prática, abomina. Para o MPLA a reconciliação deveria passar pela eliminação pura e simples de todos os vestígios da UNITA: “Memorial à vitória da Batalha do Cuito Cuanavale” (a vitória não foi das FAPLA, foi ao contrário), “invasão do exército sul-africano” (os sul-africanos ajudaram a UNITA como os cubanos e russos ajudaram as FAPLA).

No dia 4 de Fevereiro de 2016 o então ministro da Defesa Nacional, general João Lourenço (sim, é o mesmo que hoje é Presidente da República), afirmou em Menongue que entre as batalhas ocorridas no país, a do Cuito Cuanavale, na província do Cuando Cubango, foi a maior de todas, porque marcou o ponto de viragem do conflito em Angola e em toda a África Austral.

Se, na altura como hoje, João Lourenço parasse por aqui, estaria perto da verdade. Mas não. Como está no ADN do regime/MPLA, João Lourenço continuou a propagar a mentira oficial, continuando a acreditar que dizendo vezes sem conta uma mentira ela se tornará verdade. Mas não é assim.

João Lourenço, que discursava no acto central do 55º aniversário do início da luta armada de libertação nacional, afirmou que a batalha do Cuito Cuanavale foi a maior de todas ocorridas no país, porque vergou o regime do Apartheid da África do Sul e abriu o caminho à liberdade dos povos da África do Sul e da Namíbia.

“Aqui, nesta província, foram escritas páginas gloriosas da história recente de África, de que nos devemos todos orgulhar e transmitir às gerações vindouras”, sublinhou João Lourenço, defendendo ser importante recordar e exaltar o rico passado de Angola (a do MPLA) de resistência, de luta e de vitórias.

Se recorrermos ao pasquim do regime (Jornal de Angola), o “imponente edifício de aproximadamente 35 metros de altura, sob a forma de pirâmide, erguido de raiz logo à entrada da sede municipal do Cuito Cuanavale, com a denominação de “Monumento Histórico”, é sem margem de dúvidas a maior dádiva do Governo angolano para honrar a memória de todos aqueles que lutaram para defender aquela localidade da ocupação sul-africana”.

Não sabemos, embora eles saibam, onde é que o regime do MPLA (por sinal no poder desde 1975) quer chegar ao construir monumentos que enaltecem o contributo dos angolanos que consideram de primeira (todos os que são do MPLA) e, é claro, amesquinham todos os outros.

Importa, contudo, desmistificar as teses oficiais do regime que não têm suporte histórico, militar, social ou qualquer outro. Apenas têm um objectivo: idolatrar uma mentira na esperança de que ele, um dia, seja vista como verdade.

De acordo com o Pravda do MPLA, “logo à entrada do pátio do monumento histórico, o visitante tem como cartão de visita uma gigantesca estátua de dois soldados, sendo um combatente das ex-FAPLA e outro cubano, com os punhos erguidos em sinal de vitória no fim dos combates da já conhecida, nos quatro cantos do mundo, “Batalha do Cuito Cuanavale”, que se desenrolou no dia 23 de Março de 1988”.

Não está mal. A (re)conciliação nacional não se solidifica glorificando apenas e só os angolanos de primeira (MPLA/FAPLA) e os seus amigos, os cubanos. Mas, também é verdade, que o regime angolano de João Lourenço está-se nas tintas para os angolanos de segunda (afectos à UNITA). Até um dia, como é óbvio.

Diz o Pravda, repetindo até à exaustão as ordens superiores agora de João Lourenço, que a batalha do Cuito Cuanavale terminou “com uma retumbante vitória das FAPLA e das FARC (Forças Armadas Revolucionárias de Cuba)”.

Importa por isso, ontem como hoje e amanhã, perceber o que leva o MPLA de João Lourenço a continuar a enaltecer esta batalha como se a vitória fosse do regime.

Visivelmente o regime continua a ter medo da verdade e aposta na criação de focos de tensão na sociedade angolana, eventualmente com o objectivo de levar acabo uma das suas especialidades: a purga.

Sabendo que a UNITA considera ter vencido essa batalha, idolatrá-la como se fosse uma vitória das forças do MPLA, russas e cubanas visa provocar, para além da verdade, a UNITA.

Além disso começa a ser hábito do MPLA, tentar adaptar a História às suas necessidades. Se alterar a História resultou parcialmente no passado, com a globalização e os trabalhos científicos que vão surgindo, não funciona. O regime ainda não aprendeu. Continua a seguir a máxima nazi (e por alguma tem no Ministério da Propaganda um dos seus melhores especialistas – João Goebbels Melo) de que se insistir mil vezes numa mentira ela pode ser vista como uma verdade. Mas não funciona.

A batalha do Cuito Cuanavale

A batalha do Cuito Cuanavale começou em Setembro de 1987, com uma ofensiva das forças coligadas FAPLA/russos/cubanos tentando chegar à Jamba. Um exército poderosamente armado, com centenas de blindados e tanques pesados, artilharia auto-transportada e outra, apoiado por helicópteros e aviões avançaram a partir de Menongue.

Depois da batalha, o General França Ndalu, veio dizer a um jornalista que o objectivo não era esse, mas sim cortar o apoio logístico à UNITA. O que é visivelmente uma desculpa, porque o apoio logístico era feito de sul e do leste para a Jamba e nunca entre o Cuito Cuanavale e o rio Lomba.

Pela frente a coligação comunista encontrou a artilharia e a infantaria da UNITA (FALA), organizada em batalhões regulares e de guerrilha, apoiados por artilharia pesada das forças sul-africanas. Com o avolumar da ofensiva, a África do Sul coloca na batalha mais infantaria, blindados e helicópteros.

A batalha durou mais ou menos seis meses. As forças FAPLA/russos/cubanos, com dezenas de milhares de homens na ofensiva, não conseguiram passar do Cuito Cuanavale.

Segundo os analistas imparciais, as perdas dos dois lados foram as seguintes:

Do lado UNITA/África do Sul – 230 militares da UNITA, 31 sul-africanos, 3 tanques, 5 veículos, 3 aviões de observação.

Do lado FAPLA/russos/cubanos – 4600 homens (dos quais não se sabe quantos foram russos, cubanos ou soldados das FAPLA, mas segundo os arquivos russos, já consultáveis, as perdas russas nesta batalha poderão ultrapassar a centena), 94 tanques, 100 veículos e 9 Migs.

A batalha acabou em Março de 1988 com a retirada das forças FAPLA/russos/cubanos para Menongue.

As consequências foram diversas. O exército cubano aceita retirar-se de Angola. A África do Sul aceita que a Namíbia ascenda à independência, desde que os seus interesses económicos não sejam tocados, que a Namíbia continuou dentro da união aduaneira com a RAS e que o porto de Walbis Bay (o único da Namíbia) continuou a ser administrado pela RAS. O MPLA aceita finalmente entrar em negociações com a UNITA (o que viria a acontecer em Portugal), aceita o pluripartidarismo, aceita as eleições.

E a UNITA, o que teve de ceder? Nada. Os seus bastiões continuaram intocados, nenhuma linha logística foi tocada, o seu exército não teve perdas em homens e material significativas.

Mais ou menos um ano mais tarde, e já na mesa das negociações, o MPLA tentará uma segunda ofensiva, de novo com milhares de homens, tanques, veículos, helicópteros e aviões. Foi a chamada operação “Ultimo Assalto”, e mais uma vez foi derrotado, desta vez sem os sul-africanos estarem presentes.

Em resumo, e como muito bem sabe João Lourenço, se houve vencedores, não foram as forças do MPLA e os seus aliados.

Então o que comemora o MPLA? Nada a não ser o que a sua propaganda inventa.

Apologia encapotada do poder absoluto

Todo o mundo sabe que com o poder absoluto que tem nas mãos (será em breve também o presidente do MPLA e Titular do Poder Executivo), João Lourenço é um potencial ditador, na linha do seu mestre e criador José Eduardo dos Santos. E, como também todos sabem, se o poder corrompe, o poder absoluto corrompe absolutamente.

Só em ditadura, mesmo que legitimada pelos votos comprados a um povo que quase sempre pensa com a barriga (vazia) e não com a cabeça, é possível o MPLA estar tantos anos no poder. Em qualquer estado de direito democrático tal não seria possível. Mas isso tem alguma importância? Claro que não.

Aliás, e Angola não foge infelizmente à regra, África é um alfobre constante e habitual de conflitos armados porque a falta de democraticidade e de equidade social obriga a que a alternância política seja conquistada pela linguagem das armas. Há obviamente outras razões, mas quando se julga que eleições são só por si sinónimo de democracia está-se a caminhar para a ditadura.

Com o MPLA passou-se exactamente isso. A guerra legitimou tudo o que se consegue imaginar de mau. Permitiu ao partido que está no poder desde a independência perpetuar-se no poder, tal como como permitiu que a UNITA dissesse que essa era (e pelo que se vai vendo até parece que teve razão) a única via para mudar de dono do país.

E quando, por manifesta ingenuidade e não menos manifesta simplicidade, o Povo dá sinais de querer alterar este (mau) estado de coisas, o regime acena logo com o espectro da guerra. “Isso não”, dizem os angolanos de tão sacrificado por dezenas de anos de guerra. E, mal por mal, preferem a barriga vazia do que os tiros. Mas até isso tem limites.

Também a comunidade internacional vem logo a terreiro para, sem cuidar da veracidade das teses do regime, dizer que não permitirá o regresso à guerra. E como é que o faz? Simples. Apoiando sempre e sempre quem está no poder.

É claro que, é sempre assim nas ditaduras, o povo foi sempre e continua a ser (as eleições não alteraram a génese da ditadura, apenas a maquilharam) carne para canhão. Seja na guerra ou na paz, o Povo continua a ser o escravo.

Desde 2002, o MPLA tem conseguido fingir que democratiza o país e, mais do que isso, conseguiu (embora não por mérito seu mas, isso sim, por demérito da UNITA) domesticar completamente todos aqueles que lhe poderiam fazer frente.

Tudo isto é possível com alguma facilidade quando se é dono de um país rico e, dessa forma, se consegue tudo o que se quer. E quando aparecem pessoas que não estão à venda mas incomodam e ameaçam o trono, há sempre forma de as fazer chocar com uma bala.

Acresce, e nisso os angolanos não são diferentes de outros povos sujeitos à vontade dos ditadores, que continua válida a tese de que “se não consegues vencê-los junta-te a eles”. Não admira por isso que João Lourenço tenha cada vez mais fiéis seguidores, sejam militares, políticos, empresários e até supostos jornalistas.

É claro que, enquanto isso, o Povo continua a ser gerado com fome, a nascer com fome, e a morrer pouco depois… com fome. E a fome, a miséria, as doenças, as assimetrias sociais são chagas imputáveis ao Poder. E quem está no poder desde 1975?

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