Em Davos, Durão Barroso, antigo primeiro-ministro português, ex-presidente da Comissão Europeia, ex-líder do PSD, esteve com João Lourenço. A conversa, previsivelmente, andou à volta do diferendo entre Angola e Portugal, supostamente por causa do processo a Manuel Vicente. Presente também esteve (pudera!) José Luís Arnaut, amigo do presidente angolano e colega de Barroso no Goldman Sachs, e ex-secretário-geral do PSD.
Em 2014, José Manuel Durão Barroso, camarada de primeira linha do MPLA e amigo íntimo do clã presidencial de José Eduardo dos Santos e, agora, também de João Lourenço. defendeu em Lisboa que Portugal deve assumir uma relação “descomplexada” com Angola, frisando que eventuais “sobressaltos” são normais.
Os “sobressaltos são próprios das relações íntimas. A relação é boa mas não é perfeita, tem de ser descomplexada e mais assumida” e que venha a corresponder aos interesses dos dois países, disse Durão Barroso, que intervinha numa conferência organizada pela Câmara de Comércio e Indústria Portugal — Angola, sem especificar casos.
Por outras palavras, o camarada Durão Barroso entende que – como sempre foi a sua tese – Portugal deverá continuar a política de subserviência e sabujice política (da qual ele é um dos mais eficazes defensores), pelo menos enquanto o MPLA estiver no poder o que, calcula-se, deverá acontecer nos próximos 30 anos.
“Em Portugal temos a tendência de ver Angola de uma perspectiva portuguesa, mas é interessante olhar para Angola de outra perspectiva. Olhar de fora”, sublinhou o rapazola Durão Barroso, acrescentando que as relações conheceram uma evolução nas últimas duas décadas.
Ou seja, Portugal deve olhar para Angola na única perspectiva válida, a do MPLA, sabendo que esta é (falta saber se continuará a ser) a torneira que mais alimenta o submundo de Lisboa, seja a nível das lavandarias ou de outros negócios.
Para Durão Barroso, Angola é hoje um “parceiro indispensável” da Europa nas questões do Golfo da Guiné e é essencial verificar que se trata de um país que “dá confiança” para conter a pirataria, o tráfico de droga e o terrorismo.
Mais. Dá confiança até para cortar cerce qualquer perspectiva de Primavera interna, o que é uma garantia férrea para os interesses de alguns portugueses, nomeadamente dos que vegetam na latrina do chamado arco de governo.
Segundo o ex-presidente da Comissão Europeia, a parceria tem sido “reclamada” pelos EUA, notando-se, afirmou, um incremento nas relações com Washington. E, como todos sabemos, apesar das investidas da ex-Administração Obama, José Eduardo dos Santos e a agora João Lourenço e os seus mais queridos súbditos continuam a achar que água portuguesa é a que lava mais branco.
“Angola tem uma das Forças Armadas mais importantes e experimentadas na África subsaariana”, disse o ex-presidente da Comissão Europeia, antigo chefe da diplomacia portuguesa, ex-primeiro-ministro e ex-militante do MRPP, reforçando o papel do país em posições no contexto regional.
Durão Barroso referia-se objectivamente ao terrorismo na Nigéria e ao avanço do radicalismo islâmico; “na falta de consolidação” da República Democrática do Congo, nas ameaças transfronteiriças mas, sobretudo, ao Golfo da Guiné, “com a ameaça real da pirataria”.
Angola tem tido também um papel relevante sobre as questões na Região dos Grandes Lagos, tendo também, frisou Barroso, “oferecido” Luanda como sede para a Comissão para o Golfo da Guiné.
Para Durão Barroso, Angola sendo membro da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC) tem resistido ao acordo de comércio livre com os Estados da região dando mais importância às ligações com Portugal, Brasil e China do que aos países vizinhos.
“Angola sabe que há uma posição dominante da África do Sul e não quer estar em segunda posição em relação à região para um dia integrar o ‘Economical Partnership Agreement’ numa posição de força”, considerou.
“Os africanos quando falam de Angola falam como um país especial. Joga a sua influência na região mas, ao mesmo tempo, não se quer deixar fechar em quadros sub-regionais”, reforçou o camarada Barroso.
Antigo secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, no início dos anos 1990, Durão Barroso recordou também os acordos de paz de Bicesse que conduziram à realização das primeiras eleições supostamente livres em Angola, em 1992.
Finalmente, Barroso diz estar confiante de que Angola privilegia três pilares fundamentais: o Estado de Direito “porque sem Estado de Direito não há confiança”; Educação “porque é a base de tudo” e a construção de infra-estruturas “porque são necessárias”, sobretudo para as relações com os países da região.
Sendo assim, sublinhou que Portugal — o maior investidor estrangeiro em Angola em áreas não petrolíferas — deve apostar também na ajuda à educação, “a todos os níveis escolares”; formação profissional, agricultura e sectores como água e saneamento.
Em Dezembro de 2008, a Voz da América teve acesso ao relatório da Missão de Observadores da União Europeia, chefiada por Luísa Morgantini, às “eleições” de Angola e verificou que, afinal, a farsa foi vista mas, certamente por ordens superiores, não foi oficialmente denunciada.
Interessante é ver que, mesmo obrigados a comer e a calar, os observadores europeus não deixaram de verificar que, por exemplo, uma província “apresentou uma participação eleitoral de 108%” e que “não foram utilizados os cadernos eleitorais para a verificação dos eleitores no dia das eleições e como tal, não houve mais salvaguarda contra os votos múltiplos além da tinta indelével, e nenhum meio para confirmar as inesperadamente elevadas taxas de participação eleitoral”.
A isto Durão Barroso chama um Estado de Direito.
O que disse de tudo isso o camarada Durão Barroso? Nada. Se fosse a UNITA a ganhar teria caído meio mundo e os arautos da democracia, de Durão Barroso a Paulo Portas, teriam reclamado a anulação das eleições. Como quem ganhou foi o eterno amigo MPLA, tudo está certo.
O relatório de Morgantini dizia, por exemplo, que a CNE “tomou decisões durante o período de eleições que demonstraram algum grau de parcialidade (…) sendo notória a falta de acesso dos representantes dos partidos políticos ao centro de apuramento central e a não acreditação de um número significante de observadores domésticos do maior grupo de observadores na capital”.
E então? Então nada! Foi (como foi em Agosto de 2017) uma aldrabice completa e com total cobertura da comunidade internacional, com Durão Barroso a dizer “porreiro, pá!”, certamente bem pago por alguma organização filantrópica do tipo Sonangol.
A Missão de Observação da União Europeia dizia ainda que “houve falta de transparência no apuramento dos resultados eleitorais, que não foi autorizada a presença de representantes dos partidos políticos nem de observadores para testemunhar a introdução dos resultados no sistema informático nacional e não foi realizado um apuramento manual em separado”, para além de “não terem sido publicados os resultados desagregados por mesa de voto e como tal não foi possível a verificação dos resultados”.
Em qualquer Estado de Direito críticas deste tipo, apesar de suaves e açucaradas, fariam com que as eleições fossem anuladas. Mas, tratando-se de um reino onde vale tudo, nada aconteceu. E não aconteceu porque tão criminoso é o que rouba como o que manda roubar. Ou seja, a União Europeia é tão criminosa quanto o MPLA, por muito que isso custe a Durão Barroso & Cª.
Segundo o relatório de Morgantini, “desde o período pré-eleitoral notou-se uma manifesta superioridade financeira e organizacional do MPLA em comparação com outras forças políticas”.
O relatório dizia: “A Missão europeia assistiu a repetidos casos de abuso dos benefícios do partido no poder durante a campanha, de igual modo, também se registaram casos de uso de recursos do Estado assim como o envolvimento de autoridades tradicionais e de funcionários públicos em actividades relacionadas com a campanha a favor do partido dirigente, situações que colocaram todas as outras organizações políticas em desvantagem”.
Tudo isto deveria ter sido suficiente para Durão Barroso & Cª pedirem a demissão, pedirem desculpa aos angolanos, pintarem-se de negro e irem viver para o Burkina Faso (se este país os aceitasse).