Mamãs zungueiras, nossas heroínas da sobrevivência

O Fórum de Mulheres Jornalistas para Igualdade do Género (FMJIG) em Angola considerou hoje que o mercado informal no país, envolvendo sobretudo mulheres, está “cada vez mais violento”, anunciando ciclos de formação para inclusão financeira.

A constatação foi apresentada hoje pela coordenadora do FMJIG, Josefa Lamberga, no âmbito de um seminário Apoio a Projectos de Negócio de Mulheres Empreendedoras, realizado em Luanda, em parceria com o Banco Postal de Angola, garantindo a aposta neste domínio para inverter a situação.

“O mundo informal é violento. Falando da nossa prática no país, particularmente em Luanda, as mulheres do mercado informal são mártires, são vítimas, são tudo. É verdade que pode haver alguma controvérsia sobre o direito ou não de vender neste ou naquele local”, disse.

O cenário da venda informal em Angola, que congrega um grande número de mulheres que buscam o sustento dos filhos, tem sido criticado nos mais variados círculos, sobretudo pela forma “agressiva” como muitos agentes da fiscalização combatem a prática.

No entender de Josefa Lamberga, para se inverter o actual estado de coisas, as mulheres vendedoras ambulantes ou que actuam no mercado informal, também conhecidas como “zungueiras”, precisam de formação no domínio da gestão de pequenos negócios.

“E partimos para este debate de formação e de compreensão. Pedimos ajuda ao Banco Postal, que está muito ligado a pequenos negócios, ao mercado informal e precisamos desta formação para ajudarmos as nossas parceiras do mercado informal”, explicou.

Segundo a coordenadora do fórum, a inclusão da mulher no mundo económico é um dos desafios que esta plataforma se propõe enfrentar, porque, sustentou, as mulheres continuam a ter “pouco acesso” ao mercado do trabalho.

“Porque as mulheres, embora sejam as que mais trabalham, embora tenham duplicidade de horas de trabalho, ainda são as mais mal pagas, têm dificuldades em aceder aos empréstimos. Tudo isto leva a que elas constituam as mais pobres da sociedade, a todos os níveis”, fundamentou.

O seminário sobre Apoio a Projectos de Negócio de Mulheres Empreendedoras, organizado hoje em Luanda, surge no quadro da materialização da integração da economia informal na formal, através de acções de inclusão financeira e do desenvolvimento socioeconómico de Angola.

E o Banco Postal… aposta

O Banco Postal de Angola disponibilizou mais de 200 milhões de kwanzas (654.000 euros) para microcrédito, sobretudo no sector informal, e pretende apostar na literacia financeira como pilar do crescimento de clientes, foi hoje anunciado em Luanda.

O universo de acções e o plano estratégico daquele banco angolano foram avançados hoje pelo director-geral da Unidade de Comércio e Empresários, Virgílio Mendes, afirmando que o Banco Postal tem disponível um orçamento global de 900 milhões de kwanzas (2,95 milhões de euros) para este efeito.

Falando à margem do seminário sobre Apoio a Projectos de Negócio de Mulheres Empreendedoras, o responsável bancário referiu que as acções da unidade estão alinhadas com os propósitos do Estado angolano.

“Neste momento, temos uma carteira de microcrédito que ascende a 200 milhões de kwanzas para um orçamento de 900 milhões que temos disponíveis. Claro que o microcrédito é um grande desafio, muito pelo factor da capacidade de gestão de negócios de cada um dos clientes”, disse.

Xikila Money, Comércio & Empresários e Corporate & Personal são as três unidades de negócios do Banco Postal de Angola, que opera no mercado financeiro angolano há quase dois anos, com a direcção a assinalar a literacia financeira como pilar para alargar a base de clientes.

Segundo Virgílio Mendes, as acções da Unidade de Comércio e Empresários estão igualmente centradas na reconversão do mercado informal para formal, uma das metas do executivo angolano no Plano de Desenvolvimento Nacional 2018-2022.

“Sabemos que existe uma massa crítica que circula no comércio informal, mas que tem um grande desafio que tem de determinar o que é o comércio legal e ilegal, que está à margem dos nossos objectivos”, disse.

“Tanto o Estado angolano como nós percebemos que há imensa margem de negócios no sector informal e estamos a fazer a nossa parte, a dar o nosso contributo”, garantiu.

Recordou que a partir do momento que é feito um contrato de financiamento com um comerciante do sector informal, “automaticamente já existe um imposto de selo sobre o contrato, o que quer dizer que este comerciante está já a contribuir para a receita fiscal do Estado”.

Zungueiras para sobreviver

A forte presença de mulheres na economia informal de Angola, consequência da luta pela sobrevivência e não apenas, como diz a versão do regime, pelo seu baixo nível de escolaridade, é um dos principais desafios a ultrapassar para a integração feminina no sector produtivo.

Um estudo divulgado em 28 de Abril de 2015, realizado durante nove meses com financiamento da Embaixada da Noruega em Angola e o Programa para o Desenvolvimento das Nações Unidas (PNUD), o estudo “Integração da Mulher Angolana nos Processos Produtivos: O Percurso no Gozo dos Direitos Económicos e Sociais” – realizado pelo Centro de Estudos e Investigação Científica (CEIC) da Universidade Católica de Angola – envolveu a inquirição de 120 mulheres zungueiras (vendedoras ambulantes), moambeiras (importadoras de mercadorias do estrangeiro) e empregadas domésticas, bem como 19 mulheres com cargos de liderança.

O coordenador do departamento de ciências sociais do CEIC, Nelson Pestana, disse na altura à agência Lusa que o estudo procurou analisar em que medida existe uma integração efectiva da mulher não apenas na política, no sector social, mas também no tecido produtivo.

Segundo o investigador, o sistema de género existente em Angola é ainda baseado numa forte desigualdade entre os sexos feminino e masculino, suportado pela definição de papéis específicos para homens e para mulheres.

“Tem a ver também com uma realidade muito presente e que é efectivamente promotora também de desigualdade não só de género, mas também social, que é a pobreza, que tem também a ver com o perfil da nossa população, caracterizada por um baixo nível de escolaridade”, disse Nelson Pestana.

“Porque normalmente as pessoas com menos escolaridade têm menos acesso ao trabalho, geralmente são as mulheres, e por isso elas normalmente encontram emprego ou pelo menos uma actividade geradora de rendimento no informal e não no formal”, resumiu.

Para o docente universitário, existem várias políticas governamentais cingidas à questão do género, mas frisou a indisponibilidade de meios necessários para a sua materialização.

“Como quem tem o poder são homens, dominados por essa ideologia patriarcal não põem à disposição dessas políticas os meios necessários e enquanto essas políticas não se realizarem vão servir apenas como justificação moral e não como instrumentos de mudança social”, sublinhou.

Recorde-se que, em Setembro de 2014, o então governador de Luanda, Graciano Domingos, reconheceu a necessidade de se acabar com o comércio informal, para uma melhor organização da economia na província.

O objectivo era acabar com a concorrência desleal entre as pessoas que praticam o comércio, explicou o governante em conferência de imprensa, realizada no Governo Provincial de Luanda.

Para o então governador, o problema da venda informal em Luanda tinha a ver com a organização económica. “Na nossa perspectiva de governação, estaremos virados para a organização económica da província de Luanda. Muitos produtos que se vendem nas ruas atentam contra a saúde pública”, afirmou.

Segundo o dirigente, a concorrência desleal verifica-se quando quem tem um talho paga imposto para vender os seus bens, enquanto outros que comercializam o mesmo produto na rua, abstém-se do pagamento dos emolumentos.

Graciano Domingos disse que a reorganização da económica da província passa também pela responsabilização das pessoas.

“Se em determinado local é proibido vender, então não se vende e, para que isso aconteça, será necessário reforçar a produção de normas que se destinam a punir certos comportamentos, recorrer a profissionais para dialogar e educar a população para deixarem de vender na rua”, referiu.

O governador era de opinião que municípios muito populosos, tal como Viana e Cazenga, devem possuir fontes formais de abastecimento das pessoas, como os super e hipermercados.

Neste sentido, chamou a atenção dos empresários para contribuir para o abastecimento das populações. “Caso contrário, não havendo locais formais de abastecimento em quantidade, as pessoas vão continuar a abastecer-se nas ruas”, alertou o governador sobre o assunto.

Quanto à participação dos munícipes nas decisões da administração nos termos da lei sobre a organização e funcionamento dos órgãos de administração local, a província realiza os conselhos de auscultação e concertação social.

Para o responsável, estes conselhos deviam transformar-se em verdadeiros locais de discussão dos problemas ao nível dos municípios e das comunas.

“Temos de fazer com que o cidadão se interesse pela participação em todo o processo de preparação dos programas de investimentos públicos”, esclareceu.

Graciano Domingos disse que o que sucedida era que as administrações escolhiam as prioridades e mesmo consultando a população, esta consulta não era profunda o suficiente.

“Queremos que na preparação dos programas municipais a população possa também fornecer ideias sobre quais sãos as prioridades que devem estar em primeiro lugar”, disse.

Folha 8 com Lusa

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