Justiça navega à vista para não (se) afundar… de vez

Os novos tribunais da Relação de Luanda e de Benguela, os primeiros do género em Angola, vão contar com um quadro de 19 juízes desembargadores cada um, segundo o concurso lançado pelo Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ).

De acordo com a resolução de 19 de Dezembro do CSMJ e que aprova o concurso para estas 38 vagas (no total) de juízes desembargadores, podem concorrer juízes de direito ou magistrados do Ministério Público com pelo menos cinco anos de serviço.

O juiz presidente do Tribunal Supremo de Angola e presidente do CSMJ, Rui Ferreira, disse em Setembro que a criação de Tribunais da Relação e de Comarca, a partir de 2019, vai “descongestionar a pressão e pendência processual” naquela instância superior.

“É uma das razões por que se estão a criar esses tribunais. Mais do que isso, vão descentralizar as instâncias de recurso, aproximando-as mais dos cidadãos e das comunidades”, indicou.

Actualmente, as decisões de primeira instância em Angola apenas podem ser alvo de recurso para o Supremo, quadro que será alterado com a implementação dos tribunais da Relação.

A nova organização judiciária de Angola, que prevê a abertura de 60 tribunais de Comarca e de cinco tribunais de Relação, deveria ter arrancado em 2018, mas tem sido condicionada pela crise financeira que afecta o país e que, como sempre, justifica todos os atrasos. Todos não é bem. Ainda agora, como ontem o Folha 8 noticiou, o Governo anunciou mais de 260 milhões de euros com a requalificação, nos próximos dois anos, da vila e do santuário da Muxima.

Segundo a lei orgânica sobre a organização e funcionamento dos tribunais de jurisdição comum, que entrou em vigor em 2 de Fevereiro de 2017, serão criados, numa fase inicial e experimental, os tribunais de comarca (primeira instância) das províncias de Luanda, Bengo, Cuanza Norte, Benguela e Huíla.

Na nova legislação, os tribunais de Comarca podem compreender o território de “um ou de vários municípios da mesma província judicial”, tendo jurisdição na respectiva área e que pode ser desdobrada em salas de competência especializada ou de pequenas causas e criminais, designando-se pelo nome do município sede.

Na prática, os 18 tribunais provinciais actuais, que julgam sobre todas as matérias, vão dar lugar – tal como os municipais – a 60 tribunais de comarca de competência genérica, de primeira instância.

Por exemplo, na capital deixará de existir o Tribunal Provincial de Luanda, passando a funcionar quatro de Comarca, em Luanda, Cacuaco, Viana e Belas.

Esta lei implica a criação de cinco regiões judiciais, com um tribunal de Relação próprio, abrangendo as províncias judiciais de Luanda (sede), Bengo e Cuanza Norte (Região I); Uíge (sede), Malanje, Zaire e Cabinda; (Região II); Benguela (sede), Bié, Cuanza Sul e Huambo (Região III); Huíla (Sede), Cuando Cubango, Cunene e Namibe (Região IV); e Lunda Sul (sede), Lunda Norte e Moxico (Região V).

Na reforma em curso mantêm-se as províncias judiciais, que correspondem à divisão político-administrativa do país, e o Tribunal Supremo como última instância de recurso da jurisdição comum.

Esta reorganização prevê igualmente a independência financeira dos tribunais, o que obrigará à criação de unidades de gestão para cada uma das 18 províncias.

Noutros tempos a reforma era…

A reforma da justiça e do direito previa, em 2013, três níveis de circunscrições judiciárias, designadas Regiões Judiciais, Províncias Judiciais e Comarca, em detrimento do modelo então em vigor que previa um tribunal provincial e outro municipal.

Esta informação foi avançada 14 de Maio de 2013, em Luanda pelo então coordenador da Comissão de Reforma da Justiça e do Direito, Raúl Araújo, quando procedia à apresentação do ante-projecto de lei sobre a Organização e Funcionamento dos Tribunais de Jurisdição Comum, explicando as Regiões Judiciais correspondiam a Norte, Luanda, Leste, Centro e Sul.

A Região Norte, prosseguiu, com sede em Cabinda, teria como Províncias judiciais Cabinda, Uíge e Zaire. Luanda, com sede na capital do país, englobaria Luanda, Bengo e Kuanza Norte, enquanto a Leste, com sede na Lunda Sul, integrará a Lunda Sul, Lunda Norte, Malanje e Moxico.

Já a Região Centro, com sede em Benguela, abarcaria as províncias de Benguela, Kuanza Sul, Huambo e Bié, para a Sul, com sede na Huíla, aglutinar as províncias Huíla, Namibe, Cunene e Kuando Kubango.

Segundo aferiu, as Províncias Judiciais correspondiam à divisão político-administrativa, à delimitação da jurisdição territorial dos juízes provinciais e à circunscrição da competência territorial da Unidade de Gestão Provincial dos Tribunais da Jurisdição Comum.

Já as Comarcãs, referiu, num total de 60, teriam a possibilidade de desdobramento em salas de competência especializada ou de pequenas causas e irá ocupar-se de um ou vários municípios.

Teve-se em conta, segundo Raúl Araújo, que do ponto de vista de racionalização de meios humanos é excelente, pois poderiam concentrar os magistrados num órgão apetrechado de meios técnicos, prevendo maior proximidade e resposta aos desafios que existem actualmente.

A proposta previa que os tribunais com outra designação estejam espalhados por todo o país não apenas nas sedes das capitais e que decidam sobre todas as matérias, quer da área cível, crime, administrativo, trabalho e família.

Destacou também que, tendo os tribunais nos municípios, os cidadãos mais rapidamente poderão ver os seus problemas resolvidos, uma vez que encontrarão junto dos mesmos o Ministério Público, procuradores, polícia e advogados.

Relativamente ao número de advogados, ainda insignificante para a extensão do país, disse (2013) que na proposta a ser apresentada estaria acautelado um melhor acesso ao direito e à justiça e a colocação de advogados em todo o território nacional.

Quanto às principais inovações, com a reforma, Raúl Araújo disse que iria haver flexibilização da estrutura judiciária, de modo a responder aos diferentes “países judiciários”, um aprofundamento da articulação do sistema judiciário com outras instituições conexas e da qualidade e segurança jurídicas.

No tocante à gestão dos tribunais, informou que haveria um aprofundamento da autonomia administrativa e financeira, o reforço da sua capacidade de gestão e a promoção da avaliação do desempenho funcional do sistema de justiça.

Recorde-se que este projecto judiciário iria ser apresentado, de forma experimental, em várias fases, num período que se estenderia até 2020.

Durante essa fase, referiu Raúl Araújo, haveria a definição de um plano de gestão da mudança, a implementar previamente ao início da experimentação, a monitorização e avaliação da reforma previamente, e o alargamento a outras circunscrições do país.

Assim sendo, frisou, a primeira fase abrangeria as províncias de Luanda, Bengo, Kwanza Norte, Benguela e Huíla e a posterior outro conjunto de províncias entre 2015 a 2018, e só se aplicaria em todo país em 2020.

Nesta esteira, revelou, o período de tempo até 2020, servirá para conciliar o novo sistema e o então existente, uma vez que a Lei 18/88 sobre o Sistema Unificado de Justiça previa a existência de um tribunal em cada município, mas existia já uma proposta elaborada para sua alteração, presentemente remetida à Assembleia Nacional, para análise e discussão.

Em relação à reforma judicial, Raúl Araújo era de opinião que esta devia corresponder à necessidade do país, enquanto Estado Democrático de Direito, que pressupõe um sistema justiça mais próximo dos cidadãos, respondendo melhor a procura de soluções para os seus problemas.

Folha 8 com Lusa

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