Duas reuniões, em Abril e Maio deste ano, vão analisar a realização de um congresso extraordinário sobre a transição (ou não) política da presidência do MPLA, hoje anunciado pelo líder do partido no poder em Angola desde 1975, José Eduardo dos Santos.
O presidente MPLA e ex-chefe de Estado angolano durante 38 anos anunciou hoje a realização de um congresso extraordinário para “resolver” a liderança no partido, a convocar para Dezembro deste ano ou Abril de 2019.
O comunicado final da 5.ª sessão ordinária do Comité Central (CC), na qual foi feito o anúncio, refere que foi decidida a realização de uma reflexão do Bureau Político sobre a “oportunidade de realização de um congresso extraordinário do partido e sobre a transição política ao nível da presidência do MPLA”.
“O Comité Central decidiu, em conformidade, o seguinte: realizar a referida reunião de reflexão do Bureau Político, no mês de Abril de 2018, para consequentemente o Comité Central realizar uma reunião extraordinária sobre a matéria em questão, no princípio de Maio do corrente ano”, refere o comunicado saído do encontro, cujo término estava previsto para as 16:00, mas se prolongou até perto das 19 horas.
Segundo o secretário para a Informação do Bureau Político, Norberto Garcia, “a referida reflexão tem como fim único o fortalecimento do MPLA e o reforço da sua coesão interna, privilegiando sempre os interesses do partido e da nação angolana”.
A reunião aconteceu numa altura em que vários militantes criticam abertamente a alegada bicefalia no partido no poder em Angola desde 1975, entre João Lourenço, vice-presidente do partido e chefe de Estado desde Setembro, e José Eduardo dos Santos, que lidera o MPLA desde 1979.
Durante a intervenção, José Eduardo dos Santos, que foi chefe de Estado em Angola durante 38 anos e não concorreu às eleições gerais de Agosto passado, propondo João Lourenço como candidato, recordou que se comprometeu a envolver-se “pessoalmente” no grupo de trabalho que ao longo de 2018 vai “preparar a estratégia” do MPLA para as primeiras eleições autárquicas no país.
“Assim, recomendo, por ser mais prudente, que a realização do congresso extraordinário do partido, que vai resolver a liderança do MPLA, seja em Dezembro de 2018 ou Abril de 2019”, disse, sem adiantar mais pormenores sobre este processo.
No início de Janeiro, João Lourenço e José Eduardo dos Santos tiveram, à margem da 15.ª reunião ordinária do secretariado do Bureau Político do MPLA, um encontro em que – segundo a informação divulgada pelo próprio partido – “o ambiente foi da mais alta camaradagem, em que aquelas das mais importantes figuras da nação angolana transmitiram muita serenidade”.
“A mesma que o povo angolano precisa para que, na sua ingente caminhada para um futuro promissor, de paz, de progresso social e de desenvolvimento, consiga melhorar o que está bem e corrigir o que está mal em Angola. Isso, realmente, vai acontecer, com o MPLA e o camarada João Lourenço no leme, depois de o “arquitecto da Paz’, Presidente José Eduardo dos Santos, ter pacificado o país, reconciliado os angolanos e ter lançado as bases para o desenvolvimento de Angola”, assegurou na altura o partido.
Importa recordar que, apesar de deixar o Palácio Presidencial, José Eduardo dos Santos foi reeleito em 2016 (com os votos de muitos dos que agora o diabolizam, caso de João Lourenço) presidente do MPLA, partido que suporta o Governo, e tem mandato até 2021.
O Presidente da República de Angola, João Lourenço, disse em Janeiro que não sente crispação com o ex-chefe de Estado, mas aguarda que este cumpra o compromisso anteriormente assumido, de deixar a vida política activa (nunca falou em deixar a liderança do partido) em 2018.
“Só a ele compete dizer se o fará, se vai cumprir com esse compromisso. Quando isso vai acontecer, só a ele compete dizer”, disse o Presidente da República, que falava nos jardins do Palácio Presidencial, em Luanda, na sua primeira (a periodicidade prevista é anual) conferência de imprensa com mais de uma centena de jornalistas de órgãos nacionais e estrangeiros, quando passaram 100 dias após ter chegado à liderança no Governo.
Questionado sobre a alegada tensão que mantém com o presidente do MPLA, o chefe de Estado negou qualquer problema: “Não sinto essa crispação nas nossas relações”, afirmou João Lourenço.
Acrescentou que mantém “relações normais de trabalho” com o presidente do partido, negando qualquer bicefalia na governação em Angola, até porque “nada está acima da Constituição”, ambos trabalhando em “campos distintos” e com “cada um a cumprir o seu papel”.
Aqui chegados, falta só saber se a “anestesia” ministrada a José Eduardo dos Santos é de efeito prolongado ou se, pelo contrário, a todo o momento o presidente do MPLA e ex-Presidente da República durante 38 anos pode “acordar” e dizer – como reivindicam os seus mais próximos colaboradores – “chega!”. Na verdade, a passividade do presidente do MPLA não se coaduna com a sua forma de ser, embora se enquadre na estratégia que praticou ao longo de décadas: atacar quando o “inimigo” dá a vitória como segura e irreversível.
Recorde-se que o general António José Maria (férreo aliado de Dos Santos), afastado do Serviço de Inteligência e de Segurança Militar, terá já dito a José Eduardo dos Santos estar pronto para a “guerra” (no sentido bélico do termo), pedindo “instruções” sobre o que pretende o ex-presidente da República.
José Maria passou muito tempo, sobretudo a partir do momento em que Eduardo dos Santos disse que não seria candidato do MPLA às eleições e se aventou que o candidato seria João Lourenço, a reunir informações, dados, documentos, testemunhos (no país e no estrangeiro) sobre o actual Presidente da República.
“O Serviço de Inteligência e de Segurança Militar esteve em exclusivo a trabalhar, por ordem do general Zé Maria, numa espécie de Paradise papers of João Lourenço”, contou ao Folha uma fonte ligada ao general.
O Bureau Político do MPLA ainda está com a “espinha” chamada agora de João Lourenço atravessada na garganta. Mas certo é, igualmente, que quando se perde o Poder a maioria dos acólitos saltam a barricada. Apesar da propaganda oficial, o cenário de implosão no partido e, por inerência, no país, continua em cima da mesa.
E se muitos dos supostamente indefectíveis apoiantes de José Eduardo dos Santos estão a dar o salto para o “exército” de João Lourenço, também é verdade que por cada exoneração, por cada acusação, por cada insinuação que faça, o Presidente da República aumenta o número de amigos, mesmo que sejam só de ocasião, do Presidente do MPLA.
O general José Maria é dos que considera que as decisões em catadupa que estão a ser tomadas pelo Presidente da República, João Lourenço, são uma caça às bruxas no MPLA e uma lavagem da sua imagem, “quase parecendo que JLo nada tem a ver com o MPLA e que só agora chegou à política angolana”.
Mais do que o conteúdo dos pronunciamentos e das decisões já tomadas, o núcleo duro do MPLA que, curiosamente, conseguiu adquirir a simpatia e o respeito de militantes considerados moderados, contesta a avidez e o “ataque kamikaze” que relembra a “tese marxista de que o importante não é a sociedade que se quer construir mas, apenas, a que se quer destruir”, diz uma outra fonte do F8.
João Lourenço tem, de facto, demonstrado que quer, pode manda, mesmo que isso mais não seja do que a passagem de um atestado de incompetência do anterior executivo ao qual, aliás, pertenceu enquanto ministro da Defesa e como alto dirigente do próprio MPLA.
A interpretação de que João Lourenço só responde perante a Constituição, que solenemente jurou cumprir, esbarra e colide nas regras partidárias que fizeram jurisprudência nos últimos 38 anos e que dizem que todas essas decisões de Estado não podem contrariar a soberana orientação do partido.
Recorde-se o que disse Dino Matross, que agora já se encostou a João Lourenço, sem meias palavras: “O Presidente da República subordina-se ao presidente do partido”, e compete ao presidente do partido “propor e submeter, ao pronunciamento do Bureau Político, a composição orgânica e nominal do Executivo”.
Folha 8 com Lusa