O Governo angolano admite a possibilidade de uma auditoria à dívida pública, que ultrapassou em 2017 os 67% do Produto Interno Bruto (PIB) do país, conforme reclama a UNITA, maior partido da oposição.
A posição foi transmitida aos deputados pelo ministro de Estado e do Desenvolvimento Económico e Social, Manuel Nunes Júnior, durante a discussão da proposta de lei do Orçamento Geral do Estado (OGE) para 2018, na especialidade, na Assembleia Nacional.
“Em nome do rigor e da transparência da gestão pública, não nos opomos para que sejam accionados todos os elementos legais que assegurem a concretização deste princípio, incluindo auditorias”, disse Manuel Nunes Júnior.
Recordando que “ninguém pode ficar acima da lei”, o ministro explicou, ainda assim, que o Tribunal de Contas já pode, actualmente, ao preparar o seu parecer, fazer as averiguações necessárias sobre qualquer parte da gestão do país, incluindo a dívida pública.
“Portanto, não vemos que esse aspecto não possa ser implementado”, disse Manuel Nunes Júnior.
O grupo parlamentar da UNITA propôs a 18 de Janeiro a realização de uma auditoria urgente à dívida pública angolana, que pode ajudar a uma redução significativa desse volume.
A posição foi transmitida pelo líder da bancada parlamentar do partido, durante uma declaração política na Assembleia Nacional, após a aprovação, na generalidade, da proposta de lei do OGE para 2018.
“A auditoria permitirá a redução da dívida de forma significativa, tornaria o seu pagamento viável e não penalizaria os contribuintes. Esta questão pode também ser utilizada como um verdadeiro teste ao discurso oficial de combate à impunidade e à corrupção”, disse Adalberto da Costa Júnior.
O ministro das Finanças, Archer Mangueira, explicou no Parlamento que em 2018 o Estado vai precisar de contrair 1,128 biliões de kwanzas de dívida (cinco mil milhões de euros), enquanto necessidades líquidas, e que 4,153 biliões de kwanzas (18.650 milhões de euros) serão para pagar o serviço da dívida actual, respeitante a este ano.
Na prática, mais de 50% da despesa pública está direccionada para pagamento da dívida pública angolana, em 2018.
Adalberto da Costa Júnior questionou que “ganhos reais” trouxe esta dívida, onde foram aplicados os fundos, em que projectos e que mais-valia trouxe.
“Foram mesmo aplicados em projectos ou é esta uma fonte de desvios, que ano após ano, afundam mais as contas públicas, com consequência na qualidade de vida de cada angolano?”, questionou.
Para o político, o grau de sucesso ou insucesso do actual Governo vai depender “muito” da solução que vier a tomar “para o fardo da dívida pública”, cuja solução, considerou, não é a traçada pelo Governo no seu Plano de Estabilização Macroeconómica.
“Está mais do que comprovado de que a dívida pública deixou de ser um instrumento de captação de recursos para o Estado realizar investimentos, com reflexos na economia e sobre a vida das pessoas”, referiu.
Em caso de dúvida perguntem a Manuel Vicente
Embora nunca se saiba ao certo o que se passa em Angola, alguns especialistas arriscam dizer que dívida pública estará nos 70% do PIB. Outros sobem mais a fasquia. Os que estão mais perto da manjedoura do regime dizem que será inferior a 50%.
Num país que faz da ocultação de dados a sua melhor transparência financeira, será muito difícil – até mesmo para os técnicos do Fundo Monetário Internacional – saber a verdade, saber se não há contas públicas ocultas, sacos azuis e estratégias similares.
O FMI, baseando-se no que presume ser um esboço da realidade, arrisca dizer que dívida pública angolana já terá ultrapassado o limite de 60% do PIB previsto na lei do regime jurídico de emissão e gestão da dívida pública directa e indirecta. É claro que o regime não terá dificuldades em apresentar dados que situem a dívida abaixo do limite máximo. O FMI só tem que escolher o que quer. O resto é com o Governo. Se quer 60% terá 60%, se quer 50% terá 50%.
De vez em quando, como aconteceu em Maio de 2016, os representantes de entidades estatais da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) reúnem-se num fórum para debater a gestão da dívida pública. Que importância é que isso tem? Nenhuma. Desde logo porque meter a CPLP neste imbróglio é o mesmo que meter o rio Kwanza numa garra de Cuca. Mas que fica e soa bem, isso é verdade. Não é sério mas, com alguma ingenuidade, haverá quem pense que parece sério.
A alegada situação de ilegalidade da dívida pública não é admitida pelo executivo angolano, que diverge do FMI no entendimento sobre a dívida do Governo Central e dívida de empresas públicas. E faz bem em divergir. Quem sabe da matéria são os peritos do governo (são hoje como eram no reinado anterior de José Eduardo dos Santos) e não, como pensam, os do FMI. De facto o Fundo Monetário Internacional que não se arrogue em querer, pela via financeira, desestabilizar o país e exportar para Luanda qualquer semente de uma qualquer Primavera.
Dos cadeirões da Sonangol, o regime determina e explica como é que as contas devem e têm de ser feitas. Em caso de dúvida podem pedir ajuda ao mestre dos mestres, Manuel Vicente. Ao contrário do que quer o FMI, o Governo quer que tudo seja analisado à luz da dívida do Governo, que não é o mesmo do que a dívida pública. Percebe-se. As empresas públicas é que são o busílis da questão. Se estas não estiverem incluídas, tudo estará bem no reino.
O problema angolano prende-se com a necessidade de o Governo obter financiamento que compense a quebra, para metade, nas receitas da exportação de petróleo, recorrendo para tal à emissão de dívida para garantir o funcionamento do Estado e a concretização de projectos públicos, chegando a pagar juros em título de tesouro, a um ano, de 19%.
Uma dívida pública de 70% até não é nada de assustador. O problema reside no facto de o país só respirar, do ponto de vista económico, petróleo. E com a cotação do crude aos níveis que está, o “doente” pode morrer a qualquer momento, se não for da doença será da cura.
Só em 2015, já para compensar as quebras na receita fiscal petrolífera, o serviço da dívida pública angolana ascendeu a 18 mil milhões de dólares.
Os juros pagos pela dívida pública também não param de subir, algo que se a inflação mantiver a tendência actual, a caminho dos 30%, levará a taxas cada vez mais altas. É uma bola de neve. Em linguagem com sabor militar, o país corre o risco de ir vencendo batalhas mas acabando por perder a guerra.
Folha 8 com Lusa