A Polícia que, como na “gerência” de José Eduardo dos Santos, voltou a deixar de ser de Angola para ser do MPLA, reprimiu hoje a manifestação de ex-trabalhadores da extinta Brigada Especial de Limpeza (BEL), afecta à Casa de Segurança do Presidente da República, que tencionava chegar ao Palácio Presidencial para “exigir o pagamento completo” das indemnizações. Continuamos com a democracia coxa de… pai e mãe. Terá José Eduardo dos Santos regressado ao trono? Pela acção da polícia parece que… sim!
Concentrados na manhã de hoje nas imediações do Centro de Imprensa Aníbal de Melo (CIAM), no centro de Luanda, os mais de 200 manifestantes, em representação dos 1.841 trabalhadores da BEL, com palavras de ordem como “Queremos o Nosso Dinheiro”, percorreram inicialmente parte da extensão da rua Rainha Jinga.
À entrada da avenida do 1.º Congresso, ainda no centro de Luanda, os manifestantes da BEL, entidade criada em 2002 pelo então Presidente José Eduardo dos Santos, foram confrontados por efectivos da Polícia Nacional do MPLA e, entre “ameaças e ânimos alterados”, conseguiram transpor a barreira.
A segunda barreira policial, a escassos metros da rua de acesso ao Palácio Presidencial, já não conseguiram transpor.
No local, efectivos da Polícia de Ordem Pública foram reforçados pela Polícia de Intervenção Rápida e, no meio de um grande cordão policial, ocuparam as duas faixas de rodagem da avenida, não permitindo aos manifestantes materializar os seus propósitos.
“Casa Militar, queremos o nosso dinheiro. Depositem o mesmo na conta do tribunal antes do dia 30 deste mês. Oito anos é muito. Estamos cansados de promessas. Pedimos encarecidamente a sua excelência, o Presidente da República, para pôr fim à situação”, lia-se num cartaz gigante empunhado pelos manifestantes.
Trata-se da segunda vez que, este ano, os trabalhadores da BEL são impedidos pela Polícia de se manifestarem, depois de terem tentado protestar, pelas mesmas razões, a 9 de Julho último, em que exigiram o pagamento das indemnizações até 30 do mesmo mês, na sequência de uma decisão nesse sentido tomada pelo Tribunal Provincial de Luanda, em 2010.
Hoje, mesmo com um “comunicado de manifestação”, que deu entrada a 10 deste mês no Governo da Província de Luanda, os antigos trabalhadores da BEL manifestaram-se indignados com o aparato policial que interditou a via em mais de meia hora.
Os trabalhadores dizem que a Casa de Segurança deveria disponibilizar indemnizações de 8.296 milhões de kwanzas (23,7 milhões euros), mas um novo mapa apresentado pela entidade patronal prevê apenas o pagamento de 312 milhões de kwanzas (890 mil euros) para todo o pessoal.
O Largo do Monumento do Soldado de Desconhecido foi o local onde a Polícia, já com o auxílio da polícia canina, concentrou os manifestantes, perante o “descontentamento” de Xavier Joaquim Neto, 63 anos, que disse estar nesta condição há oito anos.
“A nossa marcha foi impedida por falta de consenso porque, ‘como o jindungo só dói no olho do outro e a nós não’, esta é a razão por que já clamamos por esta indemnização há bastante tempo. Não percebemos esses impedimentos e estamos sem receber o nosso dinheiro até à presente data”, disse.
Manuel Bapolo Saprinho, da comissão organizadora da marcha, lamentou o “silêncio das autoridades”, afirmando que os 1.841 trabalhadores nesta condição pretendem falar com o Presidente João Lourenço, porque o assunto está a ser tratado “no meio de muito mentira”.
“O que queremos, neste momento, é falar ou com o chefe de Estado ou com o chefe da Casa de Segurança do Presidente da República, porque o pagamento que estão a dar aos colegas é uma mentira”, disse.
Segundo o manifestante, de acordo com as contas feitas pelo tribunal, cada ex-trabalhador da extinta BEL da Casa de Segurança do Presidente deveria, “no mínimo, receber três milhões de kwanzas (8.570 euros). Não percebemos como nos dão apenas 100 mil kwanzas (285 euros)”.
A indignação por a Polícia do MPLA ter travado a marcha foi também exteriorizada por César Didissa de 55 anos, referindo que, apesar do impedimento, a mensagem foi passada às autoridades.
“A opinião nacional e internacional já sabe o que se está a passar. Neste país não há justiça. A justiça é só para a classe dominante e para os pobres ela não existe. Estamos a lutar pelo nosso direito, porque o tribunal deu-nos um parecer favorável”, realçou.
Já Francisco de Castro, outro manifestante, recordou que o tribunal de Luanda julgou a favor dos trabalhadores para o pagamento de um montante de mais de 8.000 milhões de kwanzas.
“Colocamos o processo em tribunal e foi julgado a nosso favor. Desde então, tivemos abordagens com as autoridades, mas usaram a falsidade para pagar o valor a seu bel-prazer”, lamentou.
A BEL, integrada por antigos militares das Forças Armadas Populares de Libertação de Angola (FAPLA) e da Unidade de Guarda Presidencial (UGP), foi extinta em 2010, tendo José Eduardo dos Santos tentado reactivá-la em Agosto de 2017, no mês em que se realizaram as eleições presidenciais que levaram João Lourenço ao poder, mas a ideia nunca chegou a avançar.
Mudou o supérfluo mas manteve-se o “essencial”
Recorde-se que duas dezenas de perigosos e letais jovens activistas manifestaram-se no passado dia 27 de Maio, na Praça da Independência, exigindo respostas para o massacre de milhares de angolanos, em 27 de Maio de 1977, protesto travado poucos minutos depois pela Polícia, pela mesma polícia que hoje impediu a manifestação. A democracia, a liberdade e as leis “made in MPLA” impostas por João Lourenço (lembram-se quem é?) a isso obrigam.
O protesto aconteceu quando os activistas angolanos surgiram, a correr, para ocupar a Praça da Independência, com cartazes e palavras de ordem sobre o 41.º aniversário dos acontecimentos do 27 de Maio.
“Vamos entrar, vamos entrar no largo”, gritaram os activistas, armados com arsenais bélicos de calibre letal (cartazes) enquanto ocorriam na direcção do interior da praça, já sob vigilância policial.
Em poucos minutos, dezenas de agentes da Polícia Nacional, incluindo equipas cinotécnicas, acorreram ao local, retirando os activistas.
A manifestação foi explicada por Manuel “Nito Alves”, um dos organizadores, do auto designado Movimento Revolucionário de Angola, como uma “homenagem a todos aqueles que perderam as suas vidas em sacrifício da verdade, da liberdade e em nome do país”.
Estes jovens activistas, conhecidos como “révus”, reclamam o dia 27 de Maio como de “Reflexão e Tolerância Nacional” e, além do esclarecimento de tudo o que se passou em 1977, reivindicam igualmente a construção de um memorial às vítimas.
A manifestação fora convocada para um dia sensível em Angola, já que se cumpriam 41 anos sobre o 27 de Maio de 1977 (segundo se crê, no calendário do MPLA – mesmo no de João Lourenço – o mês de Maio não tem nenhum dia 27…), descrito como uma tentativa de golpe de Estado por “fraccionistas” do próprio MPLA, então já no poder do país recém-independente, contra o Presidente Agostinho Neto e o “bureau político” do partido.
Esta foi a primeira manifestação evocativa dos acontecimentos do 27 de Maio, desde que João Lourenço assumiu o cargo de Presidente da República de Angola.
Segundo vários relatos, vários milhares terão morrido naquele dia e seguintes, em 1977, na resposta do regime angolano, nomeadamente os dirigentes Nito Alves, então ministro da Administração Interna, José Van-Dúnem, e a sua mulher, Sita Valles.
A Amnistia Internacional estimou em cerca de 30 mil as vítimas mortais na repressão que se seguiu contra os “fraccionistas” ou “Nitistas”, como eram conhecidos então. No entanto, diversos historiados admitem que esse montante mossa chegar às 80 mil.
A preocupação de Neto e dos seus era, pois, o poder. E pelo poder fariam tudo. Exactamente o que fez José Eduardo dos Santos durante 38 anos. Exactamente o que está a fazer hoje João Lourenço.
“O que mais nos preocupa não é o grito dos violentos, nem dos corruptos, nem dos desonestos, nem dos sem carácter, nem dos sem moral. O que mais nos preocupa é o silêncio dos bons”, disse Martin Luther King. Hoje, com a repressão aos ex-trabalhadores da extinta Brigada Especial de Limpeza, verificou-se um, mais um, angustiante berreiro…
Folha 8 com Lusa