Ex- e actuais… ministros
estão no mundo do crime

O director-geral do Serviço de Investigação Criminal (SIC) de Angola, Eugénio Pedro Alexandre, admitiu que os casos relacionados com crimes de natureza económica estão a aumentar no país, envolvendo ministros, ex-ministros e gestores públicos. Tudo normal, portanto.

Segundo o comissário chefe do SIC, Eugénio Pedro Alexandre, que falava à margem da 1.ª Conferência Internacional sobre Fraudes e Delitos Económicos em Angola, que decorre no Centro de Convenções de Talatona, os crimes económicos passam por peculato, branqueamento de capitais, burla por defraudação, fraude financeira, fuga ao fisco, contrabando, especulação, venda e garimpo de diamantes.

Eugénio Alexandre, citado pelo órgão oficial do Governo, o Jornal de Angola, explicou que o SIC está a investigar vários processos relacionados com crimes de peculato e branqueamento de capitais que envolvem gestores públicos, e acrescentou que nos processos que envolvem ministros e ex-ministros, que não apontou. As investigações, acrescentou, estão a ser realizadas pela Procuradoria-Geral da República (PGR) angolana e não pelo SIC.

Então não são apenas ex-ministros. Também há actuais ministros. A “coisa” promete. Ou será que, como no passado recente (os últimos 43 anos) a montanha vai parir uns ratinhos de plástico “made un China”?

Segundo Eugénio Alexandre, têm sido investigados diariamente “muitos indícios de crimes económicos”, cujos respectivos processos são encaminhados para o Ministério Público, alguns dos quais já julgados pelos diversos tribunais espalhados pelo país.

Apesar de haver um aumento do número de processos relacionados com crimes económicos, Eugénio Alexandre afirmou que o SIC tem pessoal competente e tecnicamente preparado para lidar com os vários casos, mas defende o aumento do número de quadros para melhor se responder à pressão.

O director do SIC indicou que, nos casos em que há necessidade de se localizar uma pessoa, para que possa prestar declarações sobre um determinado crime e que este se encontre no exterior do país, a instituição e a Polícia Nacional activam a colaboração que existe com a Organização Internacional de Polícia Criminal (Interpol) para facilitar a localização do visado.

“As pessoas pensam que estão escondidas, mas temos formas de as localizar, ainda que seja nosso dever respeitar a legislação internacional, em termos de detenção e repatriamento”, disse.

O director-geral do SIC considerou ainda que, apesar do papel dos distintos órgãos de regulação e fiscalização previsto na Lei do Branqueamento de Capitais e Financiamento do Terrorismo, aprovada em 2011, cabe às empresas adoptarem medidas de controlo interno.

Para tal, têm de promover uma “aliança em prol de um mercado mais ético e confiável”, dando substância a uma estratégia de auto-regulação, que coloque em prática as normas de governança implantadas pelas empresas, desde os códigos de ética, às auditorias internas, canais de denúncia e protecção dos interesses e administração eficaz dos riscos inerentes e de prevenção do crime.

No mesmo encontro, o superintendente-chefe Cristiano Francisco, oficial superior do SIC, realçou que a apetência pelo lucro fácil “é um dos factores que faz com que muitos cidadãos optem pela prática de crimes económicos”.

“Alguns gestores públicos pensaram que podiam continuar a cometer crimes económicos e a viverem impunes”, frisou.

As autoridades judiciais angolanas têm em mãos vários casos mais mediáticos, como as prisões preventivas de José Filomeno dos Santos, filho do ex-presidente José Eduardo dos Santos, ligado a uma alegada má gestão do Fundo Soberano de Angola, do ex-ministro dos Transportes Augusto da Silva Tomás, por alegado desvio de fundos, e de outros altos funcionários envolvidos na gestão de entidades públicas.

Antigas promessas de justiça

Em Fevereiro de 2014, uma delegação chefiada pelo então ministro da Justiça e dos Direitos Humanos, Rui Mangueira, apresentou em Paris, ao Grupo de Acção Financeira Internacional (GAFI) o pacote legislativo relativo ao branqueamento de capitais aprovado a 28 de Janeiro pela Assembleia Nacional.

Tal como hoje, nesse dia o MPLA (em nome de Angola) escreveu mais uma brilhante página do anedotário nacional, com tradução em diversas línguas.

A delegação angolana era de peso: vice-governador do Banco Nacional de Angola, Ricardo Viegas de Abreu (hoje ministro dos Transportes), directora da Unidade de Informação Financeira, Francisca Brito, Director Nacional de Política de Justiça do Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos, Itiandro Simões. Todos juntos e a uma só voz garantiram, para gáudio do humor internacional, que a lavagem de dinheiro tinha os dias contados.

Dando prova da razoabilidade das suas acções, o GAFI avaliou com a parcimónia peculiar às regras de bem receber convidados a Lei da Criminalização das Infracções Subjacentes ao Branqueamento de Capitais e a Lei Reguladora das Revistas, Buscas e Apreensões.

“Após ter sido realizada a última avaliação do Grupo de Acção Financeira Internacional, no passado mês de Outubro, no âmbito do Programa de Acção Relativo ao Branqueamento de Capitais, Angola comprometeu-se em aprovar também a Lei da Criminalização das Infracções Subjacentes ao Branqueamento de Capitais e a Lei Reguladora das Revistas, Buscas e Apreensões”, revelou na altura o comunicado do Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos.

E se o governo se comprometeu… cumpriu. Ou seja, já temos lei. Não era uma lei para ser cumprida, mas era uma lei. Dessa forma sempre se pode dizer que o país tem, de jure, uma lei. De facto não a ia cumprir, mas isso é uma questão marginal. Além do mais, ter este tipo de leis deu ao regime (continua a dar) um ar sério e um vislumbre de democracia e Estado de Direito que é muito considerado nos areópagos internacionais.

Criado em 1999, o GAFI é um organismo intergovernamental que tem por objectivo conceber e promover, ao nível nacional e internacional, estratégias contra o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo, sendo reconhecido internacionalmente como a entidade que define os padrões nesta matéria.

É claro que, mesmo que sejam remotas as hipóteses de acabar com o branqueamento de capitais, a lei não tinha efeitos retroactivos. Será que os investimentos que têm sido feitos em Portugal, sobretudo pela família presidencial, Manuel Vicente, general Kopelipa etc. configuram actos de branqueamento de capitais porque os seus titulares não podem e não têm como explicar os biliões de dólares que ali são investidos? De maneira alguma. Desde logo porque há excepções à lei que eram determinadas por quem podia, José Eduardo dos Santos, e que agora são determinadas por quem pode, João Lourenço.

A metodologia do regime angolano, embora mais sofisticada e pessoal, tem a sua génese nos mestres portugueses. Basta recordar que o Estado português (seja lá o que isso for), pela via dos seus escravos, assumiu as fraudes e crimes contíguos de banqueiros e outros políticos no caso BPN e, depois de uma vasta operação de branqueamento, voltou a vendê-lo aos privados amigos que, provavelmente, o compraram com o dinheiro roubado ao… BPN. Tudo em família, portanto.

Por outras palavras, Portugal nacionalizou os prejuízos e privatizou os lucros. E para isso, reconheça-se, não é preciso andar três anos a tirar uma licenciatura. Basta ser vigarista.

“A corrupção nos países em desenvolvimento entrava tudo, cria pobreza, cria miséria, impede as leis de concorrência de mercado, prejudica as empresas, aumenta os custos das empresas e os bens e serviços tornam-se mais caros”, afirmu por diversas vezes a procuradora portuguesa Maria José Morgado, defendendo que “o Estado tem que ter mecanismos dissuasores, mas não pode ser um Estado polícia nem totalitário, as instituições é que têm que funcionar, nomeadamente na prioridade das prioridades que é o combate à fraude fiscal associada à corrupção e ao branqueamento de capitais. E isso tem de funcionar sistematicamente, de forma a produzir resultados”.

A ser verdade esta tese que, contudo, não é aplicada em Portugal, alguém está a ver funcionar na prática no nosso país? É claro que não. As leis podem ser transpostas para o nosso ordenamento jurídico, mas daí até serem postas em prática vai uma distância abissal.

Por cá existe e continuará a existir uma total irresponsabilidade dos eleitos face aos eleitores, e as promessas de combate à corrupção são contornadas por quem está no Poder (ontem uns, hoje outros) que permite o branqueamento de capitais e por declarações de rendimentos e de interesses que não existem.

Para acabar com esta realidade, admitindo numa mera discussão académica que somos um Estado de Direito e uma democracia, deveria exigir-se uma fiscalização da parte do Parlamento (também ele, infelizmente, alfobre da corrupção) aos registos de interesses de deputados, membros do Governo, chefes das Forças Armadas, dignitários de altos cargos públicos e Presidente da República.

Os angolanos são, na generalidade e em teoria, contra a corrupção e gangrenas adjacentes e contíguas. Mas, bem vistas as coisas, como é que se pode ser contra algo que, em sentido lato, já é uma “instituição” secular?

Ao nível simbólico, abstracto, teórico, efémero, toda a gente condena a corrupção. Mas será corrupção o facto de quando alguém se candidata a um emprego lhe perguntarem pelo cartão do MPLA? E quando dizem que “se fosse filiada no MPLA teria mais possibilidades”? Ou quando se abrem concursos para cumprir a lei e já se sabe à partida quem vai ocupar o lugar?

A nossa actual estrutura de poder é, basicamente, a estrutura de poder colonial. Ou seja, existem leis que só obrigam os pilha-galinhas mas mantém incólumes os donos do aviário. Basta ver os exemplos da actual Constituição da República, assim como as leis da probidade pública, património público, branqueamento de capitais ou o decreto presidencial do investimento público.

“O sentimento que nos fica é o de estarmos a ser cercados pela selvajaria, pela ausência de escrúpulos dos que enriquecem à custa de tudo e de todos. Dos que acumulam fortunas à custa da droga, do roubo, do branqueamento de dinheiro e do tráfico de armas. E o fazem, tantas vezes, sob o olhar passivo de quem devia garantir a ordem e punir a barbárie”, disse Mia Couto na cerimónia fúnebre em Honra do Jornalista moçambicano Carlos Cardoso, assassinado em 22 de Novembro de 2000. O sentimento, a realidade, aplicam-se que nem uma luva ao nosso país. Infelizmente.

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