Onde estão os milhões (e as viaturas) doados à ASCOFA?

Ex-militares das Forças Armadas Populares de Libertação de Angola (FAPLA), antigo exército do MPLA e que esteve na base da formação das Forças Armadas de Angola, acusaram hoje a Associação de Apoio aos Combatentes da ex-FAPLA (ASCOFA) de ter desviado cinco milhões de dólares (4,3 milhões de euros). Será isso possível, logo num país há 43 anos liderado pelo MPLA e que ocupa os primeiros lugares dos países mais… corruptos?

Aacusação, em que se inclui também o desvio de mais de 200 viaturas, foi manifestada na sede da associação, em Luanda, por dezenas de ex-militares que se concentraram nas instalações da ASCOFA, exigindo explicações sobre o destino dos meios rolantes e financeiros e ainda demissão da direcção da instituição.

Segundo os ex-militares do antigo exército do MPLA (no poder desde 1975), a actual direcção da ASCOFA, que não realiza qualquer assembleia para renovação de mandatos, deu “destino incerto a vários apoios” prestados pelo Estado.

“A nossa reclamação prende-se com a má gestão da ASCOFA, sobretudo na pessoa do presidente de direcção. A ASCOFA foi fundada em 2011 e nunca tivemos assembleia de renovação de mandato”, lamentou Caetano Marcolino, aos jornalistas.

O membro da Associação de Apoio aos Combatentes da ex-FAPLA lembrou que a ASCOFA tem um estatuto de utilidade pública e que os meios e outros apoios dados pelo Estado “nunca tiveram reflexo na vida dos associados”.

Entre esses apoios, explicou, estão 200 viaturas “desaparecidas”, 73 delas oferecidas pelo ex-Presidente de Angola José Eduardo dos Santos “para ajudar as cooperativas dos associados a escoar os produtos do campo para a cidade”.

“Contámos apenas 21 na associação. As outras 72 estão desaparecidas”, sustentou, referindo que idêntico cenário aconteceu com uma cooperativa de táxis associada à ASCOFA.

De acordo com Caetano Marcolino, ao todo eram 100 as viaturas disponibilizadas aos associados para o serviço personalizado de táxi, mas tal serviço funcionou apenas em ano.

“Funcionou apenas um ano e, com muitas falhas. Houve um descalabro por desordem da direcção da ASCOFA, com negócios paralelos, e outras foram desviadas. Por isso, remetemos já uma queixa-crime junto do tribunal”, explicou.

As acusações sobre o descaminho de verbas e de viaturas foram também reiteradas por Raul Santos, coronel reformado, que afirmou que a direcção da associação “mentiu ao Estado, ao MPLA e ao presidente do partido” que governa Angola.

“Se a direcção diz que não recebia nada do Estado, não sei qual foi o destino dos cinco milhões de dólares que o ex-Presidente da República pôs à disposição para aquisição de meios da ASCOFA”, acrescentou.

Por sua vez, Aníbal de Sá e Silva, outro associado da ASCOFA, referiu que foi um dos contemplados para o serviço de táxi, salientando que, formalmente, recebeu as chaves da viatura, mas que nunca a teve à disposição.

“Eu também fui um dos beneficiários dessas viaturas, mas não a cheguei receber. Foram entregues a pessoas estranhas”, declarou.

A direcção da ASCOFA disse que irá esclarecer o assunto numa conferência de imprensa, em princípio na próxima quarta-feira.

As teses de Eduardo dos Santos

No dia 29 de Dezembro de 2014, o então Presidente da República, líder do MPLA e chefe do Governo, José Eduardo dos Santos, considerou a promoção, pelo Estado, do diálogo aberto e construtivo entre todos os cidadãos, elemento essencial, com vista a aprofundar a reconciliação nacional e a ampliar os espaços de convívio e de debate útil de ideias e de projectos capazes de aumentar o seu bem-estar e confiança no futuro.

Das duas uma. Ou Eduardo dos Santos não sabia o que dizia ou não dizia o que sabia. Dizer que tudo deve ser feito “para neutralizar as causas da intolerância política” e o recurso à violência que é apontado pela oposição, é o mesmo que passar a si próprio um atestado de matumbez, ou não fosse ele o principal responsável por essa situação.

“O Governo continuará a dar passos firmes nesse sentido, ao mesmo tempo que tudo fará para neutralizar as causas da intolerância política e em especial o recurso à violência”, afirmou então na Mensagem de Ano Novo.

Eduardo dos Santos acrescentou que os diferendos e contradições deviam ser resolvidos por via do diálogo e da discussão, no respeito da Lei. Saberia o “querido líder” que chamar a oposição, política e social, para apenas ouvir o MPLA é monólogo e não diálogo? Saberia que dar conhecimento de decisões já tomadas é tudo menos negociar?

Para o então Presidente “era indispensável que todos, sem excepção, respeitem a Constituição da República e que as forças políticas, em particular, não violem o princípio constitucional segundo o qual o acesso ao poder político se faz através de eleições periódicas, cujos resultados, desde que confirmados pelo Tribunal Constitucional, devem ser aceites sem contestação”.

Pois é. Saberá o “escolhido de Deus” que foi ele próprio, por acção ou inacção, por desrespeito dos seus súbditos, o principal responsável pelo desrespeito pela Constituição? Saberá que o seu partido se rege por uma outra Constituição? Saberá que no país que dirigiu durante 38 anos há angolanos de primeira (os do MPLA) e de segunda, todos os outros?

O então Presidente da República disse mesmo que há angolanos que vivem com muito pouco ou quase nada? Estaria a falar de Isabel dos Santos, Manuel Vicente, Leopoldino Fragoso do Nascimento “Dino”, Manuel Vieira Dias “Kopelipa”, José Pedro de Morais, Higino Carneiro, Orlando Veloso, José Leitão da Costa e Silva, José Carlos de Castro Paiva, Aguinaldo Jaime, António França “Ndalu”, Kundy Paihama, Carlos Feijó, António Pitra Neto, Frederico Cardoso, Fernando Dias dos Santos Nandó ou de Paulo Kassoma?

Eduardo dos Santos destacou também que as políticas públicas do país nos diversos domínios foram concebidas para dar respostas claras às necessidades destas franjas da população, designadamente o aumento do investimento público e privado nos sectores que geram mais empregos; destinando mais recursos para a agricultura familiar, especialmente para a mulher rural e para as cooperativas dependentes da ASCOFA e da ASPAR, associações de ex-combatentes.

A facilidade de acesso ao crédito para as micro, pequenas e médias empresas; o aumento de número de centros de formação técnico-profissional; bem como a adopção de medidas mais eficazes para garantir o primeiro emprego dos jovens e o acesso à habitação, são, de igual modo, políticas públicas do país mencionadas (é mesmo para rir!) pelo ex-Presidente José Eduardo dos Santos, concebidas para dar respostas claras às necessidades da população.

“Em suma, essas políticas vão contribuir para se combater a pobreza e para se reduzir as desigualdades sociais”, asseverou o “querido líder”, certamente depois uma lauta refeição.

Folha 8 com Lusa

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