E Ele foi o último a saber?

Luís Fernando, um dos secretários do Presidente de Angola, lançou agora o que chama de livro/reportagem sobre o primeiro ano de mandato de João Lourenço à frente do país, obra que – diz o autor – só foi do conhecimento do chefe de Estado angolano depois de concluída.

Em Setembro do ano passado, Luís Fernando já tinha publicado “Angola: Memórias da transição política. De José Eduardo dos Santos a João Lourenço” (Volumes I e II).

O livro, “que é uma espécie de reportagem”, do secretário para os Assuntos de Comunicação Institucional e Imprensa do chefe de Estado angolano, e intitula-se “Notícias do Palácio – O Primeiro Ano de Mandato do Presidente João Lourenço”.

“Não [o Presidente não soube]. Formalmente não, porque achei que não tinha nada de especial. Obviamente, se nos propuséssemos a ir a fundo sobre questões de natureza reservada, lá dentro, estaria em consulta permanente com o senhor Presidente, ‘isto pode sair, isto não pode’. Não é o caso”, disse o autor à Lusa.

Antes, ao comentar sobre o livro na cerimónia de lançamento no Memorial António Agostinho Neto, o autor contou que, na passada quinta-feira, interrompeu o trabalho de João Lourenço na Presidência da República “por uns instantes” para lhe entregar uma cópia do livro.

“‘Mas tu escreveste um livro sobre mim? Parabéns. Não li, mas dou-te os parabéns’, foi a resposta que tive de João Lourenço, que continuou depois a trabalhar”, relatou Luís Fernando.

“Não li, mas dou-te os parabéns”, terá dito – segundo o autor – o Presidente João Lourenço. Antes dissera: “Mas tu escreveste um livro sobre mim?”. Teria sido excelente se, na mesma frase, dissesse que não sabia da existência do livro mas que o tinha lido. Não era Luís Fernando?

“Bom, isto é uma reportagem elementar. Faço questão disso. Já disse que qualquer enviado especial [jornalista] que tenha acompanhado o Presidente da República nas suas muitas deslocações, tanto para o interior [do país] como para o estrangeiro, poderia ter escrito este livro. É informação pública, apenas trabalhada”, acrescentou Luís Fernando.

Segundo Luís Fernando, 57 anos, natural da aldeia de Tomessa, na província do Uíge, o livro tem como finalidade “fixar memórias, tão simples quanto isso”.

“É fixar memórias, pois é uma vertente que me tem interessado nos últimos tempos. Comecei com “Memórias da Transição” [De José Eduardo dos Santos a João Lourenço], em que acompanhei a campanha eleitoral. É um tipo de literatura com bastante aceitação, as pessoas querem saber e precisam de se documentar”, explicou.

Para o autor, que foi jornalista desde os 17 anos e que, após as eleições presidenciais de Agosto de 2017, foi convidado para o cargo por João Lourenço, os angolanos querem conhecer o que se passa dentro do Palácio Presidencial, na Cidade Alta, em Luanda.

“A ideia é abrir, em primeiro lugar, o Palácio às pessoas, aos angolanos. O Palácio representa o centro político do poder em Angola e, desde que o país se tornou independente [em 1975], ninguém sabe o que é o Palácio, as suas vertentes mais gerais, quem lá trabalha, o que se faz, como é o dia-a-dia”, explicou.

“Obviamente que não são questões que revelam segredos de Estado. São os acontecimentos públicos, que eu apenas trato, dando-lhe uma capa romanceada, se quiser, e é isto que eu conto. Conto as viagens, como se prepararam, quais as peripécias, etc.. Não é um livro extraordinário, é um livro normalíssimo”, referiu.

E por falar em memória

Novembro de 2008. A banca angolana de jornais ia passar a contar com um novo título, O País, que prometia ser “imparcial e rigoroso” no tratamento das notícias, A garantia foi dada no lançamento, em Luanda, pelo respectivo director, Luís Fernando.

“Imparcial e rigoroso”? Não estava mal. Aliás, perguntámos na altura, quem melhor do que o Luís Fernando, um jornalista que leva ao fanatismo o seu amor (ou seria outra coisa?) pelo MPLA, para dirigir um semanário “imparcial e rigoroso”? Sim, quem?

Numa cerimónia curta, realizada em Talatona, e em que esteve presente (como não poderia deixar de ser) o vice-ministro da Comunicação Social, Miguel Wadjimbi, Luís Fernando prometeu “imparcialidade e rigor no tratamento da notícia”.

Aliás, a “imparcialidade e rigor” são a coluna vertebral do manual do MPLA, o único admissível num país (eu sei que há outros) que continua a confundir as esquinas da vida com a vida nas esquinas.

Luís Fernando, que já fora director do diário estatal, órgão oficial do MPLA, Jornal de Angola, destacou ainda o empenho da redacção, que integra jornalistas portugueses e angolanos, alguns destes recrutados noutros títulos da imprensa angolana.

Empenho é, aliás, coisa que não falta a todos aqueles que em Angola, como noutros países, precisam de se descalçar para contarem até 12. Empenho, subserviência e clientelismo que, mais uma vez, vai prostituir o Jornalismo e amamentar todos aqueles parasitas que, em vez de darem voz a quem a não tem (isso é que é Jornalismo), vão ampliar os latidos dos donos, dos chefes e similares. Isto foi escrito em Novembro de 2008.

“O semanário O País vai ser um jornal de referência na imprensa angolana”, garantiu Luís Fernando. Como então escrevemos, “cá estamos, sentados, para ver se, mais uma vez, referência não vai rimar com subserviência… e muitos dólares.” Rimou e de que maneira,

Memórias… recentes

Pela mão de Luís Fernando, o Presidente João Lourenço implementou uma estratégia de maior aproximação com a comunicação social: uma “entrevista colectiva”. A periodicidade destes encontros seria semanal? Mensal? Semestral? Não. Anual. Como atestado de matumbez e menoridade intelectual passado aos jornalistas é genial.

O anúncio da entrevista colectiva, aberta a todos os órgãos de comunicação social nacionais e estrangeiros, foi feito pelo secretário para os Assuntos de Comunicação Institucional e de Imprensa do Presidente da República, Luís Fernando.

Na sua declaração, Luís Fernando referiu que as futuras entrevistas, que o chefe de Estado angolano prevê tenha uma periodicidade anual, têm o propósito de permitir que a agenda pública do Presidente da República tenha um melhor acompanhamento e atenção da imprensa. Com uma periodicidade anual não está mal…

Nem Paul Joseph Goebbels, Ministro alemão da Propaganda na Alemanha Nazi entre 1933 e 1945, teria uma ideia tão… brilhante, tão exacta do que o MPLA pensa dos jornalistas.

“É nosso propósito, e dentro de um estilo arejado, próximo e de grande inclusão, que o Presidente da República imprime para o seu mandato, estabelecermos essa ponte humanizada entre os que fazemos vida profissional e servimos a pátria no interior das paredes e salões do palácio presidencial e todos vós que para lá destes limites dão o melhor à profissão jornalística e à missão de informar o grande público sobre os actos da governação”, disse Luís Fernando.

A entrada para o “Guinness Book”, secção de anedotas, foi directa. É que, para além da calendarização anual, a justificação poética do secretário para os Assuntos de Comunicação Institucional e de Imprensa do Presidente da República mostra o elevado nível intelectual e pragmático dos assessores de João Lourenço. Algo ao estilo de “para quem é (jornalistas) farelo basta”.

Segundo aquele responsável, é decisão do Presidente angolano conceder, no mínimo, uma “entrevista colectiva” por ano, com a participação dos jornalistas acreditados ou não junto do Palácio Presidencial, juntamente com os correspondentes de imprensa dos diferentes meios internacionais em missão no território da República de Angola.

A primeira destas “entrevistas colectivas” passou já a ser considerada com um marco na história de Angola, nomeadamente por ser a mais elementar forma de tratar os jornalistas abaixo de cão (com o natural respeito por estes)… com dor de dentes.

É verdade que a decisão contrasta com a praticamente ausência de entrevistas concedidas pelo anterior chefe de Estado, José Eduardo dos Santos, que esteve 38 anos no poder. Mas também contrastaria se fosse feita apenas uma por mandato ou por década.

Na altura, Luís Fernando reiterou que esta “entrevista colectiva” seria “aberta a todos os jornalistas sem distinção e que dela queiram participar, tanto os residentes em Angola, quer os que pretendem viajar a Luanda para esse propósito”. Assinale-se a descoberta da pólvora (seca): “Aberta a todos os jornalistas sem distinção”. Isto é, sem cartão (visível) do MPLA.

“A entrevista é aberta, ou seja, os senhores jornalistas terão a oportunidade de conversar com o senhor Presidente da República sobre os mais variados assuntos, enquadrados, naturalmente, dentro do interesse que eles possam suscitar na opinião pública”, referiu.

Consta que, por uma questão de logística e tendo em vista os seus próximos livros, Luís Fernando está já a receber as inscrições para as “entrevistas colectivas” com João Lourenço que terão lugar na próxima década…

Folha 8 com Lusa

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