Do MPLA a João Lourenço
sem esquecer… Diogo Cão

O MPLA, o maior (por vontade própria seria o único) partido de Angola, diz que está a preparar uma transição política exemplar na sua liderança, na sequência da vontade manifestada pelo actual Presidente, José Eduardo dos Santos, de, apesar do seu mandato terminar apenas em 2021, abandonar a vida política activa no ano de 2018.

Por Orlando Castro

No dia 16 de Março de 2018, reunido em sessão ordinária, o Comité Central do MPLA mandatou o Bureau Político para proceder a uma reflexão sobre matérias inerentes ao processo de transição política da liderança do MPLA e, consequentemente, da possibilidade de realização de um Congresso Extraordinário”, escreve o partido no poder desde 1975 no seu site.

Continuemos. “A 25 de Maio, o Comité Central, órgão deliberativo máximo do MPLA no intervalo dos congressos, aprovou uma resolução sobre a realização do VI Congresso Extraordinário do MPLA, devendo o conclave acontecer na primeira quinzena do mês de Setembro, com o objectivo de proceder à eleição de um novo Presidente do MPLA”.

Então foi e é assim. Em 1979, José Eduardo dos Santos chegou à liderança do partido na sequência do desaparecimento físico António Agostinho Neto, então Presidente, e dois anos depois do maior massacre da nossa história, o 27 de Maio de 1977, em que Neto comandou a matança de milhares de angolanos do MPLA.

Quarenta e um anos depois ainda não é certo, segundo os historiadores acéfalos do MPLA, que o massacre do 27 de Maio tenha mesmo existido, tal como não existem certezas que a ter existido tenha sido em Angola e que o MPLA tenha alguma coisa a ver com o assunto.

Mas voltemos à aula de “educação patriótica” que o MPLA nos dá: “Neste momento, diferentemente do anterior, o partido prepara a passagem de testemunho entre o actual e o futuro presidente do MPLA, ambos vivos, facto inédito e histórico”.

José Eduardo dos Santos liderou o MPLA durante mais de 50% do tempo de existência do partido, tornando-o cada vez mais capaz de continuar a interpretar fielmente os legítimos anseios dos angolanos, facto que transforma esta transição num momento ímpar na trajectória do MPLA.

Essa de dizer que José Eduardo dos Santos liderou o MPLA mais de 50% do tempo da existência do partido peca por grave defeito… histórico. O MPLA tem bem mais do que 62 anos. Com algum rigor será possível falar de centenas de anos de existência.

A Wikipédia (com o risco que isso comporta) diz que o MPLA surgiu no fim dos anos 1950 da fusão de vários pequenos grupos anticoloniais, inclusive da célula de Luanda do Partido Comunista Português, agrupando as principais figuras do nacionalismo angolano, entre estudantes no exterior, sobretudo em Portugal – e lutadores contra o colonialismo que fugiam do interior de Angola.

Diz a Wikipédia que “o MPLA adoptou durante o seu primeiro congresso, realizado em 1977, a designação “MPLA-PT” (MPLA – Partido do Trabalho) e os seus estatutos passaram a incluir a designação de partido Marxista-Leninista. O entendimento foi, no entanto, que se procuraria pôr em prática o modelo marxista do “socialismo”, não o do “comunismo”. O MPLA-PT governou Angola em regime de partido único, inspirado pelos sistemas então vigentes na Europa do Leste. Quando Angola passou em 1991 para o sistema multipartidário, o MPLA abdicou do Marxismo-Leninismo e passou a ser um partido politicamente constituído próximo da social-democracia, pelo seu discurso, mas de fortes tendências neoliberais, pela sua prática”.

Em rigor, como certamente dirão os jovens arautos do regime, o MPLA deve ter bem mais do que 60 anos. Considerando tudo quanto o regime atribui ao MPLA, é bem possível que até Diogo Cão fosse já militante do partido. Aliás, se não fosse o MPLA Angola não existiria (por alguma coisa dizem que o “O MPLA é Angola e Angola é o MPLA”).

Na comemoração dos 60 anos, o regime mostrou aos que ainda tinham dúvidas, que o MPLA é (mesmo) Angola e que Angola é (mesmo) o MPLA. Tem sido assim desde 1975, mas ultimamente têm aparecido meia dúzia de pseudo-angolanos a dizer o contrário e, como muito bem determina o “querido líder”, é preciso pô-los na linha dos… jacarés. Foi por isso que escolheu João Lourenço, um general especialista em passar a mensagem de que os jacarés são vegetarianos.

Por isso todos (isto é como quem diz) continuam a dizer que “continuamos a ser coerentes e levamos à prática aquilo que prometemos: sermos responsáveis e sempre honestos no cumprimento dos compromissos que assumimos diante do povo angolano”.

Ou, ainda, que o MPLA “é um partido sério, de trabalho, que não foge às suas responsabilidade, aos momentos difíceis por que passa, sempre na certeza de que tem sabedoria, tem quadros capazes e força para realizar aquilo que recebe como orientações, como desejos expressos pela vontade de todos os cidadãos de Angola”.

Também continua válida a tese de que um “dos grandes problemas do MPLA é o de que tem boas ideias, bons projectos, bons programas, mas quando entra para a fase de implementação dos mesmos os resultados ficam muitas vezes longe do que se esperava”.

Quanto ao Povo, esse continua a morrer à fome. Mas ninguém nota. O que se nota é que tanto José Eduardo dos Santos como João Lourenço sabem que os militantes do MPLA (talvez cerca de 25 milhões) são não só matumbos como castrados, invertebrados e acéfalos.

Provavelmente para aliciar a meia dúzia de angolanos que ainda não são militantes, o MPLA diz que é preciso “disciplina, muita disciplina, força e respeito pelas orientações emanadas dos órgãos superiores, respeito na relação com o povo, com o cidadão, porque afinal nós estamos aqui muitas vezes em cargos de grande responsabilidade porque somos servidores, viemos para servir a nação, para servir o povo, e não aproveitarmos apenas os nossos cargos para nos servirmos”.

Partidos, democracia e… MPLA

A Os partidos políticos estão para as democracias (quando estas existem) como o sangue está para o corpo humano (quando este está vivo), razão pela qual o funcionamento organizado e com elevado sentido de Estado dos partidos constitui um ganho inestimável… nas democracias. Por força do MPLA nada disto se aplica a Angola.

Não há dúvidas de que urge enaltecer uma coexistência política pacífica, deste que os subalternos não ponham em dúvida a supremacia de quem está no poder. E quem está no poder desde 1975? O MPLA. E quem vai estar no poder 2075? O MPLA.

E nisto, os partidos políticos enquanto forças que lutam por meios democráticos (quando há democracia) para alcançar, exercer e manter o poder político devem dar exemplos claros, inequívocos e firmes de tolerância, convivência na diversidade, entre outros. Isto é, repita-se, quando se vive em democracia. Não é o caso de Angola.

Todos os sectores políticos (com excepção dos afectos ao poder) percebem melhor a importância da adopção das melhores práticas, baseadas essencialmente na tolerância, na aceitação da diferença e no pressuposto de que acima estão (ou deveriam estar) os interesses dos angolanos. De todos os angolanos. Essa deve ser, entre outros gestos, a mensagem que os partidos (fica na dúvida se o MPLA se pode incluir porque, cada vez mais, não é um partido mas sim uma seita) têm que passar para a sociedade angolana, sobretudo nesta altura em que Angola se encontra na fase de um dia chegar a uma democracia de facto e não apenas formal.

Temos um histórico, relativamente aos esforços para implementação do processo democrático “imposto”, segundo as palavras do próprio presidente do MPLA, que um dia permitirá a cada angolano encarar a democracia como uma conquista de todos, mau grado a alergia do partido no poder desde 1975. Não está a ser um processo fácil chegarmos aos níveis de coabitação política. O MPLA só aceita a democracia se continuar no poder. É simples.

A vida em democracia implica, ou deve implicar, sempre ajustes a todos os níveis. As autoridades angolanas (o MPLA desde a independência) abraçaram o repto da democracia (“imposta”, repita-se, segundo José Eduardo dos Santos) e, tal como reza a História, foram as primeiras a pôr em causa os fundamentos em que devia assentar o futuro do país.

Acreditamos que o alcance da paz, em 2002, que deveria ter contribuído para a retoma do processo democrático sempre defendido pela oposição, em todo o país, permitiu a todos os actores políticos fazer uma avaliação positiva das vantagens do jogo democrático, mau grado seja um sistema que não agrada ao MPLA cujo ADN só vê os tempos áureos do partido único.

As formações políticas, acompanhadas de todos os outros actores que, exceptuando a conquista do poder político, desempenham o papel cívico e interventivo de influência, constituem uma espécie de espinha dorsal da democracia, quando ele existe. E precisam de continuar a fazer prova das suas atribuições e responsabilidades na medida em que os partidos políticos representam a esperança de milhares de angolanos, sem esquecer que para quem manda… o MPLA é Angola e Angola é o MPLA.

Por isso é que a Constituição determina que os partidos devem, no âmbito das suas atribuições e fins, contribuir para a consolidação da nação angolana e da independência nacional, para a salvaguarda da integridade territorial, para o reforço da unidade nacional, para a protecção das liberdades fundamentais e dos direitos da pessoa humana, entre outros. Determinar, determina. Mas acima da Constituição está, tem estado sempre, a vontade não propriamente do MPLA mas do seu dono, José Eduardo dos Santos.

É preciso que as instituições do Estado (e não as do regime que, até agora, são uma e a mesma coisa) reforcem os mecanismos de sensibilização junto das populações para que estas, tal como no passado, estejam à altura dos desafios que o país volta a testemunhar.

Os objectivos que todos (isto é uma força de expressão) perseguimos para ver Angola crescer para que o bem-estar de todas as famílias seja uma realidade não são predicados de partidos, com excepção do MPLA, mas são metas de todos os angolanos. Acreditamos que a construção de uma sociedade livre, justa, democrática, solidária, de paz, igualdade e progresso social é uma meta de todos os partidos políticos, que o MPLA também aceitará embora impondo uma condição “sine qua non”: manter-se no poder. Simples.

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