Do que a corrupção gosta
é de planos e mais… planos

A organização não-governamental Associação Justiça, Paz e Democracia (APJD) pediu hoje a aprovação “urgente” de um Plano Nacional de Combate à Corrupção e Impunidade, que deve contar com o apoio de todos os agentes da sociedade.

O pedido consta das conclusões da 3ª Conferência sobre Transparência, Corrupção, Boa Governação e Cidadania em Angola, concluídos que foram os trabalhos que decorreram no Auditório Cónego Manuel das Neves, em Luanda.

O plano, refere-se nas conclusões, deve definir os princípios estruturantes a ser seguidos, objectivos concretos, metas a alcançar e com regras estruturais e transversais a todo o sector público, sociedade civil e cidadãos, pedindo-se sobretudo aos partidos político uma “mudança de mentalidade” para uma “cultura ética e anticorrupção”.

Entre as 12 recomendações, a associação angolana, em cuja conferência esteve presente a eurodeputada portuguesa Ana Gomes, do Partido Socialista (PS), pede a discussão e aprovação da “Lei da Ficha Limpa”, que reforce a ética e os impedimentos de candidatos a cargos electivos no Estado.

Nesse sentido, a APJD lembra ao Governo que solicite o apoio de instituições europeias, à luz da resolução aprovada pela União Europeia (UE) e pelas Nações Unidas, que apoiam Estados e Governos na recuperação de bens ou de activos financeiros transferidos ilegalmente para a Europa.

A APJD pede também à Procuradoria-Geral da República (PGR) angolana para que, no quadro das suas competências, investigue “todas as denúncias de corrupção que sejam fundadas”, com “independência e imparcialidade” e “sem atender a critérios de selectividade política”.

“A legislação específica sobre a prevenção e o combate à corrupção e ao branqueamento de capitais deve ser divulgada e acessível a todos, bem como devem ser aperfeiçoadas ou revistas todas as leis sobre a matéria, nomeadamente no que diz respeito às normas sobre conflitos de interesses.

Por isso, a Assembleia Nacional angolana deve aprovar nova legislação que reforce os mecanismos de controlo parlamentar sobre a gestão e despesas do erário público pelo executivo, através da criação de Comissões de Inquérito sobre alegados casos de corrupção e de enriquecimento ilícito.

Em “amplos debates”, escreve-se no documento, o tema da corrupção deve ser promovido um “consenso mínimo” sobre as opções políticas e legislativas para combater e punir os prevaricadores, em que os meios de comunicação social joguem um papel “importante”, expondo ou denunciado os casos na imprensa.

Por outro lado, a ONG angolana pede também a realização de acções que possam contribuir para o combate à corrupção, através de campanhas informativas sobre a transparência, de denúncias e de estudos de medição sobre as causas e impacto do fenómeno nos diversos sectores do Estado e da sociedade.

Quanto aos concursos públicos, a APJD defende que sejam realizados de forma “transparente”, nos termos da lei de contratação, em que deverão participar na discussão as instituições políticas e sociais, como escolas, família, igrejas, partidos políticos, organizações da sociedade civil e universidades.

“Todos devem ser agentes na promoção de uma cultura anticorrupção e de boa governação, a partir de acções concretas, como campanhas de educação éticas e cívicas, a elaboração de relatórios e pesquisas sobre os custos da corrupção e o seu impacto sobre a prestação de serviços sociais básicos e a protecção dos Direitos Humanos”, escreve a APJD.

Ensinar o Padre Nosso ao vigário

O s apelos da APDJ pouco mais são do que chover no molhado. Recorde-se que o secretário de Estado das Relações Exteriores, Téte António, afirmou, em Addis Abeba, Etiópia, em Janeiro deste ano, que Angola “está à altura” de combater o fenómeno da corrupção.

O combate à corrupção tem sido uma das teses do novo Executivo angolano, que se propõe acabar com a impunidade, a todos os níveis e em todos os sectores da sociedade. Até agora o Sol está, reconheça-se, a ser tapado com uma peneira.

Angola, segundo o “ranking” mundial da organização Transparência Internacional, publicado em Dezembro de 2016, está entre os 14 países com os maiores Índices de Percepção de Corrupção no mundo. A Somália é o 176º país da lista e tem a pior classificação em termos de transparência.

“Esse é o nosso discurso nacional actual. Se há um tema sobre o qual se está a reportar mais em Angola é a luta contra a corrupção. Isto, a nível continental, também é preciso fazer”, expressou Téte António.

Téte António entende que África não pode continuar com uma organização que depende muito de doadores externos, como acontece na Comissão de Paz e Segurança, que a seu ver pode “perder a sua soberania e independência”, por causa dos quase “90 por cento de doações” recebidas.

Os países africanos são considerados dos mais corruptos do mundo, um factor que contribui para o empobrecimento do continente e, é claro, para o enriquecimento das suas elites políticas e militares. Os esforços anticorrupção têm mostrado resultados mistos nos últimos anos, mas são essenciais para o desenvolvimento. Os governos precisam de combater a corrupção em vez de depender da ajuda externa.

Dos dez países considerados mais corruptos do mundo, seis estão na África Subsariana. O suborno, extorsão, troca de favores, clientelismo, apropriação e desvio de bens ou valores têm um custo anual de 150 mil milhões de dólares para os Estados de África, segundo estimativas da União Africana. Para comparar, os países desenvolvidos doaram 22,5 mil milhões de dólares em ajuda à África Subsariana em 2008, segundo a OCDE, o que leva a argumentos de que os governos africanos precisam de combater a corrupção em vez de depender da ajuda externa.

«A corrupção em África varia entre o alto nível político, numa escala de milhões de dólares, e o baixo nível, com subornos a autoridades e funcionários públicos. No primeiro caso, impõe um maior custo financeiro directo ao país, no segundo caso tem um efeito corrosivo sobre as instituições básicas e mina a confiança dos cidadãos no governo», refere a jornalista Stephanie Hanson na publicação Council on Foreign Relations.

Mais de metade dos cidadãos da África Oriental, por exemplo, pagam subornos para ter acesso a serviços públicos que deveriam estar livremente disponíveis, relata a organização Transparência Internacional, o que também aumenta os custos de fazer negócios, uma vez que há uma correlação entre a eficácia no combate à corrupção e o aumento de produtividade de um país. «Atacar a corrupção é a melhor maneira de atacar a pobreza», sintetiza Nuhu Ribadu, ex-presidente da EFCC, comissão anticorrupção nigeriana.

A abundância de recursos naturais, uma longa história de governos autocráticos, o não prestar de contas aos cidadãos e os conflitos e crises no continente têm criado grandes desafios à boa governação e à luta contra a corrupção em África, apesar dos progressos recentes em termos de democracia e direitos humanos em vários países.

«Os recursos naturais são cada vez mais tentadores para algumas elites africanas e empresas multinacionais. Também a assistência oficial ao desenvolvimento fornecida por agências nacionais e internacionais não está livre de abusos e corrupção. A prestação de serviços públicos é precária e os funcionários são frequentemente tão mal pagos, que recorrem à corrupção “insignificante” para sobreviver. Instituições que deveriam garantir o equilíbrio de poder dentro do sistema são muitas vezes limitadas pela falta de recursos e independência», resume a Transparência Internacional.

Negócios e política, política e negócios

Na maioria dos países africanos, como os angolanos sabem por dramática experiência própria, os governos não têm capacidade ou vontade em lidar eficazmente com a corrupção. Além disso, o nível de desenvolvimento e organização da sociedade civil também varia consideravelmente, embora tenda a tornar-se mais activa e preocupada com as questões de corrupção e boa governação.

«A sociedade civil e os meios de comunicação social livres podem levar a uma maior responsabilidade dos governos e à adopção de reformas nas áreas da governação e gestão dos recursos públicos, tornando-se os pilares da integridade nacional dos países», preconiza a TI.

Um exemplo dessas iniciativas é o da rede Corruption Hunter Network, que combate a corrupção em todo o mundo através de reuniões de apoio aos seus membros. Em África esta rede de promotores públicos deu ajuda directa e protecção a activistas como o nigeriano Nuhu Ribadu e o zambiano Maxwell Nkole na luta contra a corrupção nos seus países, embora este apoio nem sempre seja eficaz.

A corrupção endémica nos Estados africanos leva à revolta das populações. Rebeliões no Delta do Níger, na Nigéria, foram provocadas por reivindicações da comunidade local de 30 milhões de pessoas por não beneficiarem com a extracção petrolífera nas suas terras, cuja receita é desviada para funcionários governamentais.

A corrupção também corrói o processo político, com muitos políticos a interessarem-se por cargos e reeleição em função do acesso a dinheiros públicos e à imunidade. A compra de votos e a fraude eleitoral – como, mais uma vez , os angolanos sabem – «são formas mais fiáveis e fáceis de ganhar uma eleição do que tentar ganhar a aprovação dos eleitores pela boa governação», comprova Paul Collier, director do Centro de Estudos das Economias Africanas (CSAE).

Na última década, países como a Libéria, Ruanda e Tanzânia fizeram progressos na redução da corrupção e o Gana registou melhorias nas normas de boa governação e na transparência em actos governativos. Apesar de terem criado agências anticorrupção, a Nigéria, Quénia e África do Sul registaram escassos avanços. A ECA, comissão económica das Nações Unidas para a África, afirma que as comissões anticorrupção nacionais têm sido «muito ineficientes e ineficazes», em grande parte por causa do seu financiamento e supervisionamento pelo poder executivo. Sempre que incomodam o poder instalado estas agências são eliminadas, como aconteceu em 2009 com a Scorpions na África do Sul, ou os seus responsáveis são depostos ou forçados a sair do país, como se registou na Nigéria e Quénia.

Por outro lado, chefes de Estado africanos apoiam o financiamento oculto de líderes políticos de antigos países colonizadores. Robert Bourgi, ex-consultor do Governo francês para assuntos africanos, acusou o ex-chefe de Estado Jacques Chirac e o ex-primeiro-ministro Dominique de Villepin de terem recebido ilegalmente dinheiro e obras de arte dos presidentes do Senegal, Burkina Fasso, Costa do Marfim, Congo e Gabão. «Avalio em cerca de 20 milhões de dólares o valor total entregue», diz Robert Bourgi. Países europeus ignoram as actividades ilícitas e abusos de poder em África em troca de financiamentos partidários e acesso a matérias-primas.

Custos silenciosos

As estimativas dos custos da corrupção no continente africano não podem ser muito rigorosas, uma vez que a avaliação não é composta apenas pela soma de dinheiro perdido, mas também de desenvolvimento adiado e crescimento das desigualdades, que são menos fáceis de quantificar. Os 150 mil milhões de dólares anuais que os relatórios da União Africana estimam incluem custos directos e indirectos, o que representa 25 por cento do Produto Interno Bruto dos Estados de África e um aumento dos custos dos bens transaccionáveis em 20 por cento.

Quanto à eficácia da ajuda externa, o estudo «The Cost of Corruption», publicado na revista Euromoney, estimava que 30 mil milhões de dólares acabaram em contas bancárias no exterior. Pelo lado da arrecadação de receitas fiscais, o Banco Africano de Desenvolvimento calcula que a corrupção leva a uma perda de aproximadamente 50 por cento e estima que as famílias de baixo rendimento gastam de 2 a 3 por cento dos seus rendimentos no pagamento de subornos, enquanto as famílias de maiores rendimentos gastam em média 0,9 por cento. Estas avaliações demonstram que a corrupção em África está disseminada e é dispendiosa para os cidadãos de mais fracos recursos.

A corrupção silenciosa pode ser tão prejudicial ao crescimento económico geral e ao desenvolvimento de um país como a grande corrupção e os escândalos de subornos que recebem maior atenção mediática. No relatório «Africa Development Indicators 2010», o Banco Mundial já definia a corrupção silenciosa como «o não fornecimento pelos funcionários públicos de bens ou serviços para que são pagos pelos governos».

Esta corrupção passiva acontece quando professores e profissionais de saúde que, segundo os orçamentos do governo deviam trabalhar a tempo inteiro, são absentistas porque os salários para lhes pagar foram desviados por funcionários corruptos.

«A corrupção silenciosa não faz os títulos dos jornais da mesma forma que os escândalos de subornos, mas é igualmente corrosiva para as sociedades», alerta Shanta Devarajan, economista principal para a Região África do Banco Mundial. A corrupção silenciosa permitiu fracos controlos aos produtores e grossistas de fertilizantes que tiveram como resultado que 43 por cento dos adubos vendidos na África Ocidental não tivessem nutrientes e que mais de metade dos medicamentos vendidos nas farmácias na Nigéria fossem falsificados. A corrupção diminui o bem público e cresce onde há poder autocrático e pobreza.

Folha 8 com Lusa

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