Dizer o que querem ouvir,
para tudo ficar na mesma

O combate ao terrorismo (bem como as migrações forçadas) foi uma das questões, sempre oportuna, que João Lourenço levou hoje a Estrasburgo. Pelos vistos é um assunto que preocupa o Presidente de Angola e, brevemente, também Presidente do MPLA, partido que (só) governa o país desde 1975.

A este propósito recordemos que, no dia 21 de Junho de 2017, o ministro do Interior angolano considerou (e muito bem) que pensar que Angola está imune a uma acção terrorista “é um acto de inocência absoluta”, aludindo às novas formas de actuação, como os atropelamentos e ataques mais direccionados.

“Todos nós devemos estar conscientes de que uma situação de acto terrorista pode acontecer em Angola, da mesma forma que está a acontecer noutros países”, disse Ângelo Veiga Tavares, em declarações emitidas pela rádio pública angolana.

O governante angolano exortou o empenho de todos, sentindo-se igualmente “polícias”, contribuindo assim para a segurança do país.

Sem entrar em detalhes por se tratar de um caso que estava a ser tratado na Justiça (seja lá o que isso for), Ângelo Veiga Tavares fez um breve comentário sobre o processo que envolvia seis cidadãos angolanos muçulmanos, cinco dos quais estavam em prisão preventiva, acusados de organização terrorista e de alegadamente terem jurado “fidelidade e obediência” ao grupo extremista Estado Islâmico. Os visados desmentiram essas acusações, referindo que se trata de uma acção contra o Islão e contra os muçulmanos.

“Esse é um processo que tem a ver com acções ligadas a actos menos correctos de determinados grupos, que podem colocar em causa a segurança do país, não tem nada a ver de forma expressa e directa com qualquer religião”, disse o ministro.

O titular da pasta do Interior rejeita a ligação a casos de extremismo islâmico, referindo que o que está em causa as acções do grupo.

“Embora tenham surgido algumas designações, elas têm a ver com determinados grupos, não são acções ligadas a qualquer religião, mas é um processo que está a merecer tratamento a nível dos fóruns competentes. Há acusação, mas ainda não há pronúncia, nós não gostaríamos de entrar em muitos detalhes, vamos deixar que os órgãos de justiça façam o seu papel”, disse.

De acordo com a acusação deduzida contra os seis elementos, a 26 de Abril de 2017, estes criaram em 2015, em Angola, o “grupo muçulmano denominado ‘Street Da Was’”.

Falemos então de terrorismo

Em Fevereiro de 2015, o Governo do MPLA (Angola só conheceu governos deste partido) disse que ia instituir um observatório nacional contra o terrorismo e que, para isso, foi formado um grupo técnico multissectorial com membros do Governo e dos serviços secretos.

Coordenado exactamente pelo ministro do Interior, Ângelo Veiga Tavares, este grupo, oficialmente criado por despacho de 20 de Fevereiro de 2015 do então Presidente da República, líder do Governo e Presidente do MPLA, José Eduardo dos Santos, tinha como atribuição preparar a instituição daquele observatório e a “promoção da autonomia nacional e diminuição das vulnerabilidades do país”.

A que resultados chegou? O que o ministro diz, bem como que afirma sobre esta matéria João Lourenço, baseia-se no trabalho desse suposto observatório nacional contra o terrorismo?

O grupo, que teria supostamente 90 dias para apresentar as conclusões, juntava as secretarias de Estado da Defesa e das Relações Exteriores com a direcção dos Serviços de Inteligência e Segurança do Estado (SINSE) e dos Serviços de Inteligência Externa, além de representantes da Procuradoria-Geral da República e da Casa de Segurança do Presidente da República.

A decisão era suportada com a “crescente escalada e ameaça do terrorismo a nível mundial” e face ao “ressurgimento de grupos cujos objectivos são o da desestabilização dos Estados”, lê-se no despacho presidencial.

O hoje Governador de Cabinda e então secretário de Estado do Interior, Eugénio Laborinho, afirmou na altura que Angola estava atenta ao fenómeno do terrorismo, mas garantiu que não constitui uma preocupação real.

Fazendo referência à vulnerabilidade da fronteira no norte, com as vizinhas República Democrática do Congo e República do Congo, e aos problemas decorrentes da imigração ilegal, o secretário de Estado afirmou que o Governo estava a trabalhar de forma preventiva com as forças de segurança angolanas e com as da região.

O governante falava na abertura de um seminário de peritos sobre o combate ao terrorismo, que decorreu nessa altura na capital angolana.

“Não há nenhuma preocupação, não há nada que atrapalhe ou que venha a preocupar com relação ao terrorismo no nosso país. Temos estado a trabalhar, as nossas forças estão cada vez mais vigilantes, temos estado a pedir a colaboração da sociedade, sobretudo dos residentes fronteiriços”, defendeu.

Continuemos a usar a memória

Angola constava (será que ainda consta?) entre os países que corria o maior risco de serem afectados por ataques terroristas durante os próximos anos, referia um relatório internacional sobre a evolução do terrorismo no mundo, divulgado no dia 18 de Novembro de 2014, em Londres.

O relatório 2014 Global Terrorism Index – GTI (na versão em inglês), apresentado em Londres pelo Institute for Economics and Peace (IEP), colocava Angola num grupo de 13 países em risco de um aumento substancial de terrorismo.

A par de Angola, o instituto, que tem sede na Austrália, identificou ainda os outros países: Bangladesh, Burundi, República Centro-Africana, Costa do Marfim, Etiópia, Irão, Israel, Mali, México, Birmânia (Myanmar), Sri Lanka e Uganda.

“As conclusões deste relatório também são úteis para fornecer uma orientação para a avaliação do risco de futuros ataques terroristas em países onde existem actualmente baixos níveis de actividade. Ao medir e comparar vários indicadores políticos, sociais e de violência, os países em risco de um aumento substancial de terrorismo podem ser identificados”, explicava o IEP, no relatório.

Para tal, corrobore-se, a análise da organização teve em conta vários factores como a ocorrência de execuções extrajudiciais, a falta de direitos políticos das mulheres, a falta de coesão intergrupal ou a instabilidade política.

“Ao analisar os países que vivem em paz, mas que têm altos níveis de perseguição política e baixos níveis de coesão intergrupal é possível identificar os países em risco de aumentar a actividade terrorista”, referia o mesmo documento. Será que o Governo de João Lourenço, via ministro Ângelo Veiga Tavares, se recorda disto? Provavelmente não!

O relatório GTI, e que utiliza as informações recolhidas pela base de dados Global Terrorism (da universidade norte-americana de Maryland), estuda a evolução dos ataques terroristas em 162 países desde 2000.

Terrorismo interno

Sempre que no horizonte se vislumbra, mesmo que seja uma hipótese remota, a possibilidade de alguma mudança, o regime em que emeritamente labuta há muito o ministro Ângelo Veiga Tavares dá logo sinais preocupantes quanto ao medo de perder o poder.

Para além do domínio dos meios mediáticos nacionais, seja directamente ou através das suas sucursais sectoriais (neste caso da ERCA), o MPLA aposta forte numa estratégia que tem dado bons resultados. Isto é, no clima de terror(rismo) e de intimidação.

Aliás, um dia destes vamos ver por o MPLA reeditar a tese de que todos aqueles que têm, tiveram, ou pensam ter qualquer tipo de actividade que possa beliscar a ditadura do MPLA são terroristas e devem “ser varridos”.

E, na ausência de melhor motivo para aniquilar os adversários que, segundo o regime, são isso sim inimigos, o MPLA joga sempre a cartada que tem na primeira linha das suas opções e que é tão do agrado das potências internacionais, e que é a de que há perigo de terrorismo.

Tal como mandam os manuais, quando necessário o MPLA começará a subir o dramatismo para, paralelamente às enxurradas de propaganda, prevenir sobretudo os angolanos de que Angola é o MPLA.

Além disso, nos areópagos internacionais (como foi hoje o caso de Estrasburgo) vai deixando a mensagem de que ainda existem bandos de potenciais terroristas que precisam de ser neutralizados.

Aliás, como também dizem os manuais, se for preciso o MPLA até sabe como armar uns tantos dos seus acólitos para criar a confusão mais útil. E, como também todos sabemos, em caso de dúvida todos os opositores e os seus aliados serão culpados até prova em contrário.

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One Thought to “Dizer o que querem ouvir,
para tudo ficar na mesma”

  1. António Denga

    O caso Artur Tchibassa. Ficou esquecido, já se lembram que ele tem Família e a família precisa dele???

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