Dívidas de 2017 da CNE afundam hotelaria

O processo eleitoral de 2017 continua a estar envolto num mar de suspeições em toda a dimensão, pese ser, superiormente, gerida por um juiz, Silva Neto, talhado na alta corte do judiciário: Tribunal Supremo, onde se jubilou, mas cujos créditos, na condução da Comissão Nacional Eleitoral, têm ficado em mãos alheias.

Desde as denúncias de procedimentos ilegais, feitas pelos comissários eleitorais, à fraude denunciada pelos partidos políticos, por não ter havido escrutínio em 15 das 18 províncias, as caloteirices aos prestadores de serviços, um pouco por todo o país.

É o que se passa com um pacote elevado de dívidas, na província de Benguela e que, passado mais de um ano, tem levado muitos homens de restauração a fechar as portas por falência.

A pergunta que hoje se impõe é: Se o Ministério das Finanças veio a terreiro afirmar, peremptoriamente, que o Estado tinha colocado nas mãos de Silva Neto e da CNE, um “Titanic” financeiro carregado com biliões (mil, milhões) de Kwanzas, onde, afinal, anda o dinheiro, com as sucessivas denúncias de dívidas, quilométricas?

Uma dessas vítimas é o jovem empresário de 48 anos de idade, José de Carvalho, que trabalhou para dar suporte às eleições na província de Benguela, e é o tema desta entrevista, uma vez ter a corda na garganta, em função de uma dívida de mais de 17 milhões de Kwanzas.

Folha 8 – Como está a restauração na província de Benguela?
José de Carvalho – Na província de Benguela e particularmente no município da Catumbela, as coisas não estão boas. Atendendo à crise a restauração conheceu, na província, uma quebra entre 10% a 5% e, na Catumbela, na ordem de 2%.

F8 – Consegue, um empresário, com um restaurante, sobreviver na Catumbela?
JC – Não! Porque se mesmo sem dívidas já é difícil face ao fraco poder de compra de uma grande parte da clientela, imagine com dívidas de órgãos do Estado e públicos. Não é nada fácil.

F8 – A fraca clientela deve-se ao facto das pessoas não terem hábito de frequentar restaurantes ou somente pelo elevado desemprego e baixos salários?
JC – A fraca clientela deve-se, na minha opinião, à falta de emprego, aos atrasos salariais e também à forte desvalorização do kwanza.

F8 – Como assim?
JC – Porque a maioria dos produtos, mesmo hortícolas, produzidos localmente e outros, dispararam assustadoramente. Por exemplo, quando comecei o negócio de hoteleira, a grade de Cuca, fabricada na Catumbela, custava 1.200,00 kwz, mas neste momento, a mesma está avaliada em 2.500 kwz, logo, o custo de venda, ao cliente, também se agrava, para além de outros produtos e serviços.

F8 – Mas nas épocas altas não têm como compensar ou recuperar esses prejuízos?
JC – Infelizmente não. Para ter uma ideia, por exemplo, nas épocas festivas (da cidade) ou natalina, a procura é ainda pior, porquanto a fábrica da Cuca põe alguns contentores de cerveja na Marginal da Catumbela, comercializando uma garrafa a 100 kwz. Para nós os pequenos hoteleiros só existe uma solução, nessas épocas, trabalhar durante o dia, porque durante a noite o pessoal vai para a Marginal.

F8 – Mas não existe nenhum período de grandes actividades públicas, que vos sejam favoráveis?
JC – Para ser sincero, a coisa está muito mal e, eu, particularmente, não vejo nenhum período que possamos encarar com optimismo, para compensar os períodos baixos.

F8 – A vossa empresa teve capacidade de participar, com serviços, nas eleições de 2017?
JC – Tivemos sim. Porque acreditamos numa instituição dirigida por pessoas que sempre nos pareceram sérias, pois a maioria é formada em Direito, conhecem as leis e ninguém acredita que essas pessoas possam não cumprir os acordos assumidos, pelo menos da minha parte de boa-fé. Para ter uma imagem, nós assinamos, com a CNE, na altura das eleições de 2017, um contrato de fornecimento de 888 refeições diárias, sendo 444 pequenos almoços e 444 almoços, para os formadores e membros das mesas das assembleias de votos durante 10 dias. Só em água tivemos de comprar um camião, pois cada pessoa durante a refeição consumia uma garrafa de água.

F8 – Pelos vistos a experiência não foi positiva. Porquê?
JC – Infelizmente a experiência foi positiva, porque permitiu testar a nossa capacidade, cumprindo integralmente, mas negativa por não termos ainda sido pagos, num investimento, que para nós, pequenos empreendedores foi muito elevado.

F8 – Em função deste quadro, já tentou abordar o presidente da Comissão Provincial Eleitoral de Benguela, para se ultrapassar o caso?
JC – O presidente da CNE Benguela é uma pessoa que respeito, mas infelizmente, diz estar amarrado para conseguir solucionar a bom termo, até este momento, a situação, que diz depender das Finanças. Mas é duro, muito duro, esperar indefinidamente e tendo de pagar funcionários, água, luz, impostos e outros serviços, mensalmente.

F8 – Qual é o montante em causa?
JC – Pelo tempo é superior ao facturado em 2017, até pela alteração da taxa de câmbio e da desvalorização, ascendia a 17 milhões de kwanzas. Nós contraímos dívidas com terceiros, para nada faltar à CNE, na esperança do retorno, não demorar ou, na pior das hipóteses, como promessa feita, que logo depois das eleições seríamos pagos, mas até agora zero. O que temos estado a receber, são eternas promessas da CNE-Benguela de nada depender deles, pois a verba estar nas Finanças, para a mesma ser paga aos prestadores de serviço.

F8 – Em função disso tentaram outras diligências?
JC – Tentamos muitas, mas sem nenhum resultado positivo. A CNE diz estar nas mãos das Finanças, mas esta não nos diz nada e, eu estou aqui no prejuízo, com a corda na garganta, invadido por dívidas.

F8 – O que pensa fazer daqui para frente, caso não haja uma solução extrajudicial?
JC – Nós ainda queremos acreditar no bom senso desta honorável instituição que é a CNE e o seu presidente, a nível nacional e também o de Benguela, que nos parecem pessoas de boa-fé, pese os transtornos que nos estão a causar. O estranho é se em 2017 o Ministério das Finanças disse que havia dinheiro, onde é que ele está, que não chega até nós? Porque razão o ministro das Finanças não vem a público dar-nos uma explicação? Será que não merecemos respeito?

F8 – Porque não tentou abordar o Presidente da Comissão Nacional Eleitoral, Dr. Silva Neto?
JC – Eu já fiz de tudo. Acho estar a existir um pouco de desrespeito, em relação a nós, que fizemos um trabalho de grande responsabilidade, para que não faltasse nada, aqui na Catumbela, com o pessoal da CNE e não faltou. Agora, diga-me, mesmo que eu quisesse, como poderia chegar ao Dr. Silva Neto? Teria de me deslocar a Luanda, com gastos de avião, hotel e ainda correr riscos de não ser recebido

F8 – O senhor é o único empresário, nestas condições?
JC – Eu acredito não ser o único, mas como não tenho procuração dos demais apenas falo de mim, por estar, de facto, com a corda na garganta e para fugir da pressão e dos processos, que me possam ser movidos pelos fornecedores, tenho estado a vender muito material e equipamento, para não ter que responder em tribunal. Espero agora, com muita fé em Deus, para iluminar o caminho dos nossos devedores, para que não deixem morrer pobres empreendedores como nós, que garantem emprego a pessoas que têm de sustentar as suas famílias.

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