A UNITA, maior partido na oposição em Angola, reafirmou hoje a necessidade da construção de um Estado “verdadeiramente democrático e de direito” longe da “excessiva partidarização” das instituições, argumentando que “parece” haver essa vontade política do actual Governo.
Em declarações à agência Lusa por telefone, o porta-voz da UNITA, Alcides Sakala, referiu que o “combate cerrado” à corrupção “reafirmado ao longo dos anos” pelo seu partido, “converge” com a visão que tem sido manifestada pelo Presidente angolano, João Lourenço, é também um mecanismo para construção de um Estado democrático.
A não ser que Alcides Sakala tenha também frequentado o recente curso lançado pelo Governo, “Curso Nacional em Liderança e Gestão de Comunicação para Mudança de Comportamento”, deveria ter dito – por ser essa a verdade – não é a visão da UNITA que “converge” com a do MPLA, mas sim a do MPLA que “converge” com a da UNITA.
Sakala falava à margem da abertura das sétimas jornadas parlamentares do partido, que decorre em Ndalatando, província do Cuanza Norte.
Para o também deputado à Assembleia Nacional, as jornadas parlamentares da UNITA, que terminam amanhã, sob o lema “Contra a Corrupção e Desigualdades Sociais em Defesa da Cidadania Inclusiva a Participativa”, servirão para “reafirmar” tal necessidade.
“Vamos continuar com este combate em nome da transparência, porque ela é essencial para a estabilidade económica do país. A UNITA também se revê nesse processo, tal como fizemos na réplica do discurso proferido pelo Presidente da República”, salientou o dirigente da UNITA.
O quadro macroeconómico do país, o Plano de Desenvolvimento Nacional, a Realidade Social Angolana e as Autarquias Locais, com eleições previstas para quando o MPLA quiser (a versão mais recente aponta para 2020), são os temas que serão abordados em painéis entre os 51 deputados da UNITA e convidados.
Questionado sobre a actual situação socioeconómica no Cuanza Norte, Alcides Sakala disse que a província se debate “também com problemas endémicos”.
“Relativamente às questões ligadas à vida social das populações, a pobreza é visível, há de facto esse reconhecimento por parte das autoridades que é preciso resolver, porque os problemas foram apresentados abertamente pelas autoridades locais”, indicou.
A UNITA é o segundo maior partido angolano. Nas eleições gerais de 2017, ganhas pelo MPLA, elegeu 51 dos 220 deputados que compõem a Assembleia Nacional.
Descentralizar do MPLA para o… MPLA
As administrações municipais angolanas vão passar a gerir anualmente quase 3.500 milhões de euros de impostos arrecadados nas respectivas circunscrições, que até agora ficavam sob alçada da administração central, no âmbito da reorganização do Sistema de Gestão das Finanças.
A informação resulta de cálculos feitos com base nos valores dos vários impostos que o Governo prevê arrecadar este ano, segundo a lei do Orçamento Geral do Estado (OGE), e com base no decreto presidencial 40/18, de 9 de Fevereiro, com alterações no quadro da “desconcentração e descentralização administrativas”.
Desde logo são consignadas às administrações municipais 70% do Imposto Sobre Rendimentos do Trabalho por conta de outrem, equivalente a 186.728 milhões de kwanzas (710 milhões de euros) no OGE de 2018, e por conta própria, que valerá 11.078 milhões de kwanzas (42 milhões de euros).
Acresce 50% do grupo B do Imposto Industrial, que valerá este ano 232.721 milhões de kwanzas (885 milhões de euros), 70% do Imposto Predial Urbano, que deverá representar 33.440 milhões de kwanzas (127 milhões de euros), 80% do Imposto Sobre Sucessões e Doações, representando 678 milhões de kwanzas (2,5 milhões de euros), e 70% do imposto de Sisa, representando 3.933 milhões de kwanzas (15 milhões de euros).
Já o Imposto sobre o Consumo passará a reverter na totalidade para as administrações municipais onde é gerado, o que deverá representar um encaixe, tendo como base as contas do OGE de 2018, de 437.356 milhões de kwanzas (1.660 milhões de euros), enquanto 30% da Taxa de Circulação de Veículos Automóveis também será gerida localmente, neste caso representando à volta de 533 milhões de kwanzas (dois milhões de euros).
O diploma em causa, que estabelece o Regime de Financiamento dos Órgãos da Administração Local do Estado, aplica-se aos governos provinciais e às administrações municipais, enquanto órgãos executivos desconcentrados da administração central.
O Governo já apontou o objectivo de descentralizar competências para a administração local, nomeadamente na gestão dos sectores da Educação, da Saúde e da conservação e manutenção de estradas.
Contudo, o país continua sem realizar as primeiras eleições autárquicas, pelo que as administrações locais são nomeadas pelos governadores provinciais, por sua vez nomeados pelo Presidente da República. Ou seja, o dono disto tudo continua a ser o MPLA, tal como acontece desde 1975.
O documento que aprova esta nova legislação, assinado pelo Presidente da República, João Lourenço, define que constituem receitas próprias da administração local o produto da cobrança de taxas, de licenças diversas e da prestação de serviços, que dão entrada na conta única do Tesouro Nacional, canalizadas para as contas provinciais e municipais.
“Para os efeitos aplicáveis considera-se o município destinatário da receita aquele em cujo território se exerce regularmente a actividade ou se verificou o facto gerador da receita”, lê-se no novo Regime de Financiamento dos Órgãos da Administração Local do Estado.
Acresce a cobrança de taxas municipais, que também revertem para os cofres das administrações municipais, com a nova legislação.
As restantes percentagens dos vários impostos nacionais passam a reverter para o Fundo de Equilíbrio Nacional (FEN), igualmente criado com esta legislação, “com o objectivo de garantir o equilíbrio na afectação da receita aos órgãos da administração local do Estado”, lê-se no mesmo documento.
O FEN recebe ainda 10% do Imposto sobre o Rendimento do Petróleo, o que corresponde, com base no OGE deste ano, a 59.865 milhões de kwanzas (228 milhões de euros).
Apesar da alocação de verbas, fica ainda estabelecido que a elaboração da proposta orçamental dos governos provinciais e administrações municipais “faz-se com base em instruções emanadas pelo titular do poder executivo [Presidente da República] para a elaboração do Orçamento Geral do Estado”.
Eleições autárquicas? Um dia destes…
Recorde-se que, em Fevereiro de 2017, a UNITA submeteu à Assembleia Nacional um pacote de leis sobre as autarquias locais, visando cobrir o vazio existente e quando ainda estão por realizar as primeiras eleições autárquicas em Angola.
Em comunicado divulgado no dia 22 de Fevereiro de 2017, o grupo parlamentar da UNITA anunciou que foi endereçado ao presidente do Parlamento, Fernando da Piedade Dias dos Santos, o Projecto de Lei Orgânica sobre as Bases do Sistema de Organização e Funcionamento do Poder Local, bem como o Projecto de Lei da Tutela Administrativa sobre as Autarquias Locais.
O grupo parlamentar da UNITA recordava que em 2013 tinha já levado à Assembleia Nacional a Proposta de Leis das Autarquias e do Poder Local, que mereceu votos contra da bancada do partido maioritário, no poder desde 1975, o MPLA.
Alcides Sakala disse na altura que se tratava de um pacote novo de leis, realçando que as autarquias são uma prioridade para Angola.
Para Alcides Sakala, nas circunstâncias actuais do país a implementação de autarquias revela-se muito importante para contribuir para procura de soluções para vários problemas que “o poder central não tem conseguido resolver nestes últimos 41 anos de governação”.
“É só vermos a cidade de Luanda como se encontra, acredito que se houvesse presidentes de câmaras ao nível de vários municípios nós teríamos dado passos muito concretos para a resolução de problemas básicos, como saneamento, prevenção em matéria de saúde e educação”, referiu.
Na altura, o então ministro da Administração do Território e candidato do MPLA a vice-presidente da República, Bornito de Sousa, informou que os diplomas sobre a organização e funcionamento das autarquias locais em Angola e o quadro legislativo eleitoral para as mesmas estavam em fase final e a seu tempo deverão ser apresentadas ao titular do poder Executivo.
Segundo o então ministro e hoje vice-presidente da República, com este quadro criado e com base na Lei Constitucional, os órgãos constitucionais competentes iriam “determinar a data das eleições e o doseamento da tutela administrativa e do gradualismo”.
Questionado se a UNITA estava confiante que desta vez o pacote de leis que apresentou iriam merecer alguma atenção séria no parlamento, Alcides Sakala considerou um imperativo, por se tratar de “uma questão de emergência e interesse nacional”. Mas a “coisa” só vai para a frente quando o “interesse nacional” coincidir com o interesse do MPLA. Ainda não é o caso.
“É importante para o país, para o debate que já se arrasta há algum tempo. Temos que sair do debate teórico e começarmos a trabalhar seriamente para a concretização das autarquias em Angola”, defendeu Sakala.
Alcides Sakala acusou o MPLA de ver autarquias “numa perspectiva política” e que por isso Angola continua sem realizar eleições autárquicas.
“Nas autarquias não se ganham em todas as autarquias, mas também não se perdem em todas as autarquias, tem que se partir do princípio de que elas são uma necessidade para a resolução dos problemas das comunidades, mas o MPLA está com uma visão muito política a pensar já nos ganhos”, criticou.
Ora aí está. Pensemos no assunto, continuemos a pensar no assunto, mas sentados…
Folha 8 com Lusa