Da Birmânia a Angola
e de Portugal ao MPLA

O actual Governo português (tal como os anteriores) continua a ser forte com os fracos e fraco, muito fraquinho, com os fortes. Mostra a sua pujança política, com recurso a esteróides anabolizantes, em relação aos angolanos famintos (20 milhões) mas ajoelha-se invertebradamente quando enfrenta o MPLA.

Por Ricardo Seromenho

Mas não é só em relação ao MPLA e aos angolanos. Recorde-se que, por exemplo, no dia 14 de Setembro de 2017 deu nova prova disso ao manifestar “séria preocupação” com a “escalada de violência” na Birmânia (Myanmar), num comunicado em que nunca refere o povo Rohingya, sobre o qual – segundo a ONU – estava a ser exercida a violência.

“O Governo português segue com séria preocupação a recente escalada de violência registada no Estado de Arracão, no Myanmar, assim como a nova vaga de refugiados por ela ocasionada, bem como a escassa informação sobre a situação no terreno que resulta da saída das organizações humanitárias que ali operam, por razões de segurança”, salientava um comunicado do Ministério dos Negócios Estrangeiros português.

Lisboa apelava “ao fim imediato da violência”, esperando “que as autoridades birmanesas possam rapidamente garantir as condições para o restabelecimento do acesso humanitário, assegurando igualmente a protecção da população civil inocente”.

O Parlamento Europeu (onde amanhã discursa João Lourenço) instara também a Birmânia a “parar imediatamente” a violência contra os Rohingya, numa altura em que 400 mil pessoas daquela minoria já tinham fugido para o vizinho Bangladesh.

Também o Conselho de Segurança da ONU pedia “medidas imediatas” para acabar com a violência sobre os Rohingyas na Birmânia. Sobre o mesmo assunto, o secretário-geral da ONU, António Guterres, considerou que os “crimes contra a humanidade” que sofrem os Rohingyas na Birmânia podem ser considerados limpeza étnica.

Os muçulmanos Rohingya são das minorias mais perseguidas no mundo. Ao fim de séculos estabelecidos na ex-Birmânia, correm o risco de ser exterminados. Merecem por isso a atenção e a solidariedade de todos.

Não deixa, contudo, de ser hipócrita a “preocupação” de Portugal quando, em português, uma sua ex-colónia exerce uma perseguição feroz ao seu povo, que não se refugia nos países vizinhos mas que é constituída por 20 milhões de pobres.

Falamos, obviamente, de Angola. Por não se tratar da eliminação metódica de um grupo étnico ou religioso, mesmo sendo o país com o maior índice mundial de mortalidade infantil, não se pode, tecnicamente, falar de genocídio. Tal como em Myanmar, Angola também finge realizar eleições livres. E se Angola tem partidos, Myanmar também tem (Partido da União Solidariedade e Desenvolvimento, Liga Nacional pela Democracia e Partido Democrático das Nacionalidades Shan).

Nada disto preocupa o Governo e os políticos portugueses. Preocupação sim com Myanmar que, como se sabe é um país que diz muito a Portugal e aos seus principais políticos. É independente do Reino Unido desde 4 de Janeiro de 1948 e faz fronteira com países relevantes para Lisboa e até mesmo para a CPLP: Bangladesh, Índia, República Popular da China, Laos e Tailândia.

Já Angola… desde que o MPLA some aos 42 anos de poder que já leva aí mais uns 58, tudo ficará na santa paz. Angola é (e continuará ser) uma cleptocracia (regime político corrupto) e os seus dirigentes são uma elite indiferente ao resto da população. Nada de preocupante se comparado com Myanmar, dirá com certeza o ministro português dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, o primeiro-ministro António Costa, o Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa ou o líder da oposição, Rui Rio.

Mesmo pelos padrões dos Estados petrolíferos, Angola é quase risivelmente injusta. Os oligarcas amigos dos políticos portugueses deixam gorjetas de 500 euros nos restaurantes da moda em Lisboa, enquanto cerca de uma em cada seis crianças angolanas morre antes de ter cinco anos. Nada de preocupante se comparado com Myanmar, dirá com certeza o primeiro-ministro português, António Costa.

A pequena, mas poderosa, cleptocracia do MPLA é aceite como uma parte integrante do sistema ocidental, sendo os expatriados que fazem a economia angolana mexer, desde as consultoras que ajudam a definir a política económica até aos bancos que financiam os negócios, individuais ou colectivos, do MPLA. Nada de preocupante se comparado com Myanmar, dirá com certeza Rui Rio, líder do PSD, o maior partido português (embora na oposição).

Os oligarcas angolanos habitam a economia do luxo global das escolas públicas britânicas, dos gestores de activos suíços, das lojas Hermès, etc.. A clique dirigente, toda formatada no MPLA sob a orientação pedagógica dos seus amigalhaços portugueses considera que os cerca de 21 milhões de angolanos negros, do mato ou dos musseques, são imperfeitamente civilizados, e têm pouco desejo para os educar. Nada de preocupante se comparado com Myanmar, dirá com certeza o presidente da República de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa.

Por trás de cada magnata angolano há uma equipa de gestão maioritariamente portuguesa que não se preocupa com as consequências da sua gestão. Por isso os estrangeiros bombam petróleo, fazem luxuosos vestidos e constroem aeroportos sem sentido no meio do nada e vendem limpa-neves para Luanda. Nada de preocupante se comparado com Myanmar, dirá com certeza a líder do CDS/PP, Assunção Cristas.

Os membros dirigentes do MPLA fazem viagens à Europa e passeios entre capitais europeias recorrendo a aviões a jacto privados. O dinheiro dos governantes e o dinheiro do Estado é a mesma coisa. Todo ele é roubado ao Povo. Mas como o dinheiro não fala, empilham-no nos bancos da Europa (e não só) e gastam-no como lhes dá na real gana: compram quadros, cirurgias plásticas, casas de praia e empresas. Nada de preocupante se comparado com Myanmar, dirá com certeza o Carlos Costa, Governador do Banco de Portugal.

O perfil do cliente de elite angolano em Portugal, por exemplo, que representa mais de 40% do mercado de luxo português, revela que se trata de gente exclusivamente ligada ao Poder, iu seja, ao MPLA. Vestem Hugo Boss ou Ermenegildo Zegna. Compram relógios de ouro Patek Phillipe e Rolex. Nada de preocupante, pelo contrário, se comparado com Myanmar, dirá com certeza o presidente da Confederação Empresarial de Portugal, António Saraiva.

Quanto ao Povo angolano, a ementa desta subespécie é fuba podre, peixe podre, panos ruins, 50 angolares e porrada se refilarem. Nada de preocupante, pelo contrário, se comparado com Myanmar, dirão (quase) todos os políticos portugueses, com excepção do Bloco de Esquerda.

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