Culpado (pelo regime) ou inocente (pela Justiça)?

O Tribunal Provincial de Luanda agendou para 6 de Julho a leitura da sentença do julgamento dos jornalistas angolanos Rafael Marques e Mariano Brás, acusados de injúria e ultraje a órgão de soberania pelo ex-Procurador-Geral da República.

O anúncio foi feito hoje pela juíza Josina Ferreira Falcão no final da sessão de apresentação das alegações por parte da defesa, do mandatário do general João Maria de Sousa e Ministério Público (MP), que reiterou as acusações contra os jornalistas e “pediu a responsabilização criminal” dos mesmos.

Durante a leitura das alegações, o representante do Ministério Público, o procurador Pedro Pederneira, referiu que os “arguidos ao usarem o termo envolvido em corrupção, em atenção à etimologia da expressão, percebe-se desde logo que sem que tivessem qualquer prova quiseram com intenção ou com ânimos de injuriar directamente o ofendido”.

“Os réus usaram expressões claramente com sentido injurioso, de forma escrita, verificando a intenção de ofender directamente e sem rodeios o ofendido (…) pelo que os mesmos agiram com dolo específico, consistente com ânimos difamando e injuriando o queixoso”, argumentou.

Na sua intervenção, o magistrado do MP sublinhou ainda que “não tendo sido provado qualquer acto de corrupção por parte do ofendido”, entende que o crime previsto no Código Penal deve proceder e em consequência deve também proceder a presente acusação.

“Os réus devem ser efectivamente responsabilizados na prática dos referidos crimes, em atenção pelo facto de terem agido com dolo e com ânimos injuriantes, pois que, quer um quer outro, dispõe de prova alguma para considerar o ofendido envolvido em corrupção ou acusado em corrupção”, apontou.

Do mesmo modo, acrescentou, “por uma questão de lógica e por ausência de qualquer acto de corrupção por parte do ofendido, o réu Rafael Marques não apresentou nenhuma prova no processo em causa e no limite que é aqui discutido”.

Na origem deste processo está uma notícia de Novembro de 2016, colocada no portal de investigação jornalística Maka Angola, do jornalista Rafael Marques, com o título “Procurador-Geral da República envolvido em corrupção”, que denunciava o negócio alegadamente ilícito, realizado por João Maria de Sousa – que cessou funções de procurador-geral da República no final de 2017 -, envolvendo um terreno de três hectares em Porto Amboim, província do Cuanza Sul, para construção de condomínio residencial.

“Ao longo do exercício da função de Procurador-Geral da República, o general João Maria Moreira de Sousa tem demonstrado desrespeito pela Constituição, envolvendo-se numa série de negócios”, referia o texto de Rafael Marques, acrescentando que esse “comportamento” tem contado “com o apadrinhamento do Presidente da República, José Eduardo dos Santos, que lhe apara o jogo”.

“Aqui aplica o princípio informal e cardeal da corrupção institucional em Angola, segundo a qual uma mão lava outra”, escreve a acusação do Ministério Público (MP), citando o texto da autoria de Rafael Marques.

A notícia deu origem a uma participação criminal contra o jornalista e, refere a acusação do MP, no decurso das diligências realizadas foi possível apurar junto do departamento do Instituto Geográfico e Cadastral de Angola (IGCA) no Cuanza Sul que o ofendido, o Procurador-Geral da República, “efectivamente requereu e lhe foi deferido o título de concessão do direito de superfície” do terreno em causa a 25 de Maio de 2011.

Contudo, “passado um ano, por falta de pagamento dos emolumentos, o contrato atrás referido deixou de ter validade, tendo deste modo o ofendido João Maria Moreira de Sousa perdido o título de concessão do direito de superfície a favor do Estado”, diz a acusação.

A notícia em causa aludia a uma eventual violação do “princípio da dedicação exclusiva” estabelecido pela Constituição angolana e que impediria que os magistrados judiciais e do MP exerçam outras funções públicas ou privadas, excepto as de docência e de investigação científica de natureza jurídica.

Diz o Artigo 187 (Estatuto) da Constituição no seu ponto 4: “Os magistrados do Ministério Público estão sujeitos às mesmas incompatibilidades e impedimentos dos magistrados judiciais de grau 67 correspondente, usufruindo de estatuto remuneratório adequado à função e à exclusividade do seu exercício.”

A acusação refere a “violação” de princípios da “ética e da deontologia profissional”, que se traduzem em “responsabilidade civil, disciplinar e/ou criminal”.

“Como se vê na acusação, não conseguem desmentir que ele não comprou o tal terreno. O que dizem agora é que não pagou os emolumentos e portanto o terreno já não é dele. A notícia continua a ser válida”, reagiu Rafael Marques.

“Levaram estes meses todos para apresentar este argumento, mas isso não altera absolutamente nada. O problema não é se ele continuava com o terreno ou não, o problema é que adquiriu o terreno de forma ilegal”, acrescentou Rafael Marques.

Folha 8 com Lusa

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