Cuba está de olho nele

O chefe de departamento para as relações internacionais do Partido Comunista Cubano (PCC), José Ramón Cabrera, afirmou hoje, em Luanda, que a relação de cooperação existente entre o PCC e o MPLA mantém-se sólida e “permanentemente forte”. O recado tem um destinatário claro, o Presidente do MPLA (João Lourenço).

José Ramón Cabrera falava à imprensa à saída de uma audiência concedida pela vice-presidente do MPLA, Luísa Damião, e reiterou a amizade que une as duas forças políticas desde a luta de libertação nacional em Angola.

Acompanhado da embaixadora do seu país acreditada em Angola, Esther Gloria Cárdenas, o político informou que o encontro com a vice-presidente do MPLA serviu para reforçar as relações entre os dois partidos.

Relativamente à possibilidade de Cuba apoiar Angola no processo de repatriamento coercivo de capitais ilícitos transferidos para o exterior do país, considerou um assunto interno de Angola e desejou sorte ao governo angolano no alcance de tal objectivo.

Angola (o MPLA, melhor dizendo) e Cuba mantêm excelentes relações de amizade, solidariedade e de cooperação, que, tanto o MPLA e o seu Executivo como o PCC e o seu Governo, qualificam de respeito mútuo.

Amigos, amigos… contas à parte

No dia 19 de Abril de 2018 o chefe de Estado angolano, João Lourenço, felicitou o novo Presidente cubano, Miguel Díaz-Canel, elogiando a “grande maturidade” na transição (no contexto de partido único e de ditadura, recorde-se) entre gerações naquele país, cujo Governo é um histórico aliado do MPLA, partido no poder em Angola desde 1975.

Na mensagem, divulgada pela Casa Civil do Presidente da República, João Lourenço refere que esta escolha constitui um “acontecimento transcendente na vida política cubana”, onde se processa com “grande maturidade e sabedoria a transição para uma nova geração de líderes”.

“Os angolanos têm uma rica história de amizade, cooperação e solidariedade recíproca com Cuba, a qual se deseja que se mantenha e se fortaleça sob sua liderança”, refere ainda a missiva do Presidente João Lourenço, enviada a Miguel Díaz-Canel. Quando diz “os angolanos” está – com visíveis laivos de segregação – a referir-se aos angolanos do… MPLA.

Na mensagem, volta a ser assinalado o agradecimento ao “Comandante Fidel Castro”, ao “Presidente Raul Castro e ao povo cubano no geral”, por terem “apoiado de forma incondicional Angola e os angolanos no momento mais trágico da sua história, quando a sua própria soberania e independência estavam ameaçadas”.

Aviltando a verdade e ofendendo todos aqueles angolanos que não são do MPLA, João Lourenço mostrava (como continua a mostrar) que o ADN do regime continua a ser o mesmo, definível na tese de que “Angola é o MPLA e o MPLA é Angola”.

Durante a primeira fase da guerra civil em Angola, logo após a proclamação da independência, a 11 de Novembro de 1975, milhares de militares cubanos (que chegaram ao nosso país bem antes) combateram ao lado das FAPLA (MPLA) contra a guerrilha da UNITA, então apoiada, até ao início da década de 1990, pelas forças sul-africanas.

Ainda hoje, milhares de cubanos trabalham em Angola, como médicos, enfermeiros, professores e outros técnicos, ao abrigo dos acordos de cooperação entre os dois países aliados.

A subserviência (do MPLA) a Cuba

O general cubano Rafael Moracén Limonta, que participou na luta armada pela independência de Angola e posteriormente na guerra civil, com nacionalidade angolana desde 2014, foi em Março de 2015 promovido ao grau militar de tenente-general pelo então Presidente José Eduardo dos Santos.

A informação consta de uma ordem do Comandante-Em-Chefe e Presidente da República e chefe do Governo, de 3 de Março, e que determina a promoção do general cubano, depois de ouvido o Conselho de Segurança Nacional.

Num outro despacho, do mesmo dia, José Eduardo dos Santos autorizou a passagem à reforma do agora tenente-general do Exército Rafael Moracén Limonta, de 75 anos, “por limite de idade”.

Considerado herói da revolução nacional em Cuba, o general Rafael Moracén Limonta partiu de Cuba para o Congo em 1965, para apoiar os guerrilheiros do MPLA na guerra contra o colonialismo português.

De acordo com uma resolução da Assembleia Nacional, foi concedida a nacionalidade angolana ao mesmo oficial cubano – que nos últimos anos desempenhou o cargo de adido militar na embaixada de Cuba em Luanda -, invocando os “serviços relevantes prestados ao país”.

Com a independência, em 1975, Moracén foi chamado pelo primeiro Presidente angolano, Agostinho Neto (MPLA), para o cargo de coordenador da segurança presidencial, entre outras funções.

A decisão de conceder a nacionalidade angolana, questionada pela oposição, resultou de uma proposta apresentada por um grupo de dez deputados do MPLA ao presidente da Assembleia Nacional, Fernando da Piedade Dias dos Santos, em carta de 22 de Janeiro de 2014.

A concessão da nacionalidade ao general cubano foi também justificada pela maioria parlamentar com a “luta pela independência nacional” de Angola e os “esforços para a preservação da paz, integridade territorial e soberana nacional”, que envolveram Moracén Limonta.

Moracén Limonta, que ajudou a matar muitos angolanos, acabava assim de obter a nacionalidade e uma promoção militar. É uma atitude que, no mais puro espírito de reconciliação nacional, invocou “serviços relevantes prestados ao país”.

Pela mesma razão, matar angolanos, deveria ser atribuída a nacionalidade e um grau militar aos jacarés do Bengo. Fica a ideia para ser analisada pelos serviços de apoio a João Lourenço.

O general Rafael Moracen Limonta assumiu, numa entrevista concedida em 2007, a sua participação activa no desfecho dos acontecimentos de 27 de Maio de 1977, em que foram assassinados milhares (muitos milhares) de angolanos, a mando do Presidente do partido do qual João Lourenço é hoje… Presidente.

De acordo com a entrevista (www.granmacubaweb.cu) o general cubano, que ao tempo era o responsável pela segurança do presidente Agostinho Neto, dirigiu pessoalmente as acções que culminaram com a tomada da Rádio Nacional de Angola então em poder dos ditos insurgentes.

“Em nosso poder, a rádio não deixou de transmitir. Fui, arrebatei o microfone do locutor e o obriguei a dizer “Viva Neto”, conta o agora angolano Rafael Moracen Limonta, acrescentando: “Depois pronunciei umas palavras fortes e comuniquei à população que a rádio estava nas mãos da revolução”.

Antes de chegar a esta situação, segundo declarações suas, os 200 militares cubanos que se faziam transportar em veículos de combate BTR executaram os mesmos movimentos que os militares insurgentes, ou fraccionistas, faziam em volta das instalações da RNA.

“Em determinado momento confundo os meus soldados com os da contra-revolução, todos estávamos vestidos iguais, mas um dos militares leais é reconhecido e começou um tremendo tiroteio”, recordou o general cubano, agora também angolano.

A rádio foi assim tomada por quinze militares fiéis ao presidente Agostinho Neto, entre cubanos e angolanos, juntando-se depois cerca de 20 outros que se faziam transportar nos veículos BTR e outros camiões militares.

Depois da tomada da rádio, Rafael Moracén Limonta diz ter telefonado para o chefe da Missão Militar Cubana, o general Abelardo Colomé Ibarra, a solicitar a sua companhia de tanques que havia sido enviada para o Palácio do Povo e com a qual tinha dificuldades de comunicação.

O militar cubano revelou igualmente que já havia um conhecimento prévio da situação, tentativa de suposto golpe de Estado, mas que Agostinho Neto sempre minimizou.

Entretanto, os cubanos disseram ao presidente angolano que não estivesse no Palácio, mas apesar de tudo “disse que para ir a outro lugar tinha de certificar-se que o Palácio não seria tomado”.

Para garantir o que Neto queria, o general Rafael Moracén Limonta retirou da sua unidade duas companhias para reforçar a guarda presidencial.

“Ao chegar ao Palácio, deparei-me com uma manifestação que avançava com os militares golpistas com o objectivo de tomar a presidência. Dei ordem de que eles não podiam apoderar-se do palácio. Dei instruções à unidade para que, formada em coluna, estivesse pronta para sair até Luanda”, lembrou o general cubano.

Na verdade, esta unidade de tanques encontrava-se na área da Vidrul, arredores de Luanda, e a sua movimentação para a capital tinha sido objecto de um pedido do Presidente Agostinho Neto, tendo sido levada à capital pelo próprio general Rafael Moracén Limonta.

Numa outra entrevista, o general Abelardo Colomé Ibarra “Furry”, admite ter falado com Agostinho Neto sobre o golpe e a disposição dos militares cubanos de entrarem em acção e “o presidente pediu que actuássemos”.

Furry diz ter havido um desconhecimento da composição das forças e meios com que contavam os sublevados e por esta razão procurou o contacto com o então ministro da Defesa, Iko Carreira, que lhe pareceu frio para a gravidade da situação.

“Ofereci-me para o ajudar no que estimava que fosse conveniente. Estava com uma grande passividade, como que esperando que o fossem buscar para ser fuzilado”, disse Abelardo Colomé Ibarra.

Apesar de terem ficado sem os batalhões de tanques para a efectivação do contra-ataque, os cubanos ainda assim socorreram-se de tanques destinados à instrução e marcharam para a nona brigada que foi tomada sem problemas.

De acordo com general cubano, agora também angolano, não se pode deixar de frisar que os internacionalistas cubanos contribuíram na luta pela preservação da integridade territorial de Angola durante 15 anos, tendo fortalecido os laços de irmandade com o sangue de cidadãos dos dois países que foi vertido nessa acção.

“Quando falamos das Forças Armadas Revolucionárias de Cuba, não podemos deixar de fazer uma incursão histórica da luta pela independência desta ilha, a qual durou mais de cem anos e contou com a colaboração de cidadãos oriundos de outros países, o que fez com que tivéssemos uma divida para com a África, a qual foi paga em Angola durante 15 anos”, referiu.

Rafael Moracén Limonta realçou que os internacionalistas cubanos fizeram jus às palavras de ordem do primeiro presidente de Angola, António Agostinho Neto, quando afirmou que “Angola era a trincheira firme da revolução em África”, uma vez que colaboraram para a independência do Zimbabué, Namíbia e o fim do apartheid na África do Sul.

Destacou o estado das relações de cooperação bilateral existente actualmente, tendo referido que actualmente ambos os países as quais tem maior enfoque nos domínios da educação, saúde, agricultura e energia.

Agradeceu na ocasião o apoio que Angola tem prestado a Cuba na luta contra o bloqueio económico de que é alvo há mais de meio século e pela libertação dos cinco cidadãos cubanos que se encontram detidos nos EUA.

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