Corpo do general “Ben Ben” volta a casa 20 anos depois

Os restos mortais Arlindo Chenda Pena (“Ben Ben”), antigo general das Forças Armadas de Libertação de Angola (FALA, exército de UNITA), morto em combate em 1998, chegam quinta-feira a Luanda.

De acordo com um comunicado divulgado pelos familiares de “Ben Ben”, ao qual o Folha 8 ontem fez referência, a decisão de repatriar os restos mortais surgiu na sequência de um pedido do líder da UNITA, Isaías Samakuva, ao Presidente angolano, João Lourenço, que, por sua vez, contactou o homólogo sul-africano, Cyril Ramaphosa, que deu “luz verde” à exumação.

O corpo do então vice-chefe do Estado-Maior das FALA, exército liderado na altura por Jonas Savimbi, que viria a falecer em combate em 2002, estava sepultado no cemitério de Zandfontein, em Pretória.

Por ter sido morto em combate, a 19 de Outubro de 1998, no conflito que opôs o exército do Governo do MPLA à UNITA, as autoridades sul-africanas de então decidiram embalsamar o corpo de Arlindo Chenda Pena “Ben Ben” e lacrá-lo numa urna própria para que, a qualquer momento a família pudesse reclamar o repatriamento para Angola.

“Agradecemos antecipadamente a todos os que se predispuserem acompanhar na efectivação de levarmos o nosso filho, irmão, pai, avô, companheiro, colega e comandante à sua última morada para o repouso eterno”, lê-se no comunicado da família. Os pormenores da cerimónia fúnebre serão conhecidos em breve, acrescenta-se no documento.

Antes de ser repatriado para Luanda, o general “Ben Ben” será alvo de uma homenagem militar no aeroporto de Wakloof, em Pretória, de acordo com as normas protocolares do Estado sul-africano quando está envolvido o corpo de uma alta patente militar.

Após a independência, em 1975, consumada depois de 11 anos de guerra contra o exército português, Angola entrou numa escalada de violência que se prolongou num conflito militar e numa guerra civil que só terminou em 2002 com a morte do líder da UNITA, Jonas Savimbi.

A UNITA, aliás, tem também em curso o processo de exumação do corpo de Jonas Savimbi, morto em combate após uma perseguição das forças armadas angolanas a 22 de Fevereiro de 2002 próximo de Lucusse, na província do Moxico, onde os seus restos mortais permanecem sepultados, à guarda do Estado angolano.

A 14 de Agosto último, e na sequência de um novo pedido de Isaías Samakuva, o Presidente João Loureço, assumiu o empenho pessoal no processo de exumação dos restos mortais do antigo líder da UNITA, nascido a 3 de Agosto de 1934, no Munhango, a comuna fronteiriça entre as províncias do Bié e Moxico.

Segundo João Lourenço, o processo deverá estar concluído até ao final do ano.

Um general íntegro

Em 1991 houve o primeiro acordo de Paz em Angola, entre a UNITA e o MPLA/Governo, no Alto Kauango. Principais protagonistas? Higino Carneiro, “Ben Bem” e William Tonet. Fez-se História que, desde essa altura, o regime do MPLA tentou apagar. Não conseguiu. Talvez agora (deixem-nos ser ingénuos), com um novo Presidente, a História de Angola deixe de ser a história fabricada por uma parte do MPLA.

Foi um acordo importante e natural, entre angolanos. William Tonet estava a cobrir a guerra dos 57 dias de cerco ao Luena, por parte das tropas da UNITA. Para ele não fazia sentido aquele conflito, na medida em que os políticos já se encontravam a negociar em Portugal, visando um acordo. O prosseguimento da guerra poderia inviabilizar qualquer entendimento seguramente caso as tropas continuassem a procurar vantagens posicionais no teatro das operações e inocentes continuariam a morrer inutilmente.

Foi mesmo por acaso o “encontro rádio” com o general Mackenzie?

Foi por acaso. William Tonet estava preparado para enviar um trabalho para Washington, quando, de repente, teve lugar uma interferência. A voz do outro lado desafiou-o a não reportar só o lado governamental, pois a realidade era outra. O jornalista respondeu que não podia reportar o outro lado ao mesmo tempo, pois estava com as tropas governamentais. Por isso, solicitou então a permissão para ir para o lado onde estava a UNITA.

A resposta não foi imediata porque requeria autorização superior. Voltou mais tarde dando o conta do acordo. William Tonet colocou a questão ao general Higino Carneiro, que considerava ser um amigo, e ele anuiu, mas só depois de muitas hesitações, por desconfiar que se podia tratar duma eventual armadilha, pois se acontecesse algum incidente ao então correspondente da Voz da América (VOA), o governo poderia ser responsabilizado. Mas, depois de alguma insistência do jornalista lá se realizou o combinado ao telefone e Tonet atravessou a linha de fogo, ao encontro do comando geral das FALA/UNITA.

William Tonet foi acompanhado pelas jornalistas Luísa Ribeiro da Lusa e Rosa Inguane de Moçambique que, não tendo participado da iniciativa, apenas testemunharam. Do outro lado, Tonet encontrou outro amigo, o general “Ben Bem”.

“Perguntei-lhe se não seria possível um cessar-fogo, já que estávamos a negociar em Portugal. Ele mostrou-se sensível à minha iniciativa e prometeu contactar Savimbi, que na altura estava no exterior de Angola”, recorda o jornalista.

Na madrugada do dia seguinte o próprio Savimbi liga a William Tonet para saber pormenores da sua ideia. Mostrou-se muito desconfiado e quase não acreditava na iniciativa, mas deu a sua primeira anuência e Tonet regressa ao lado das FAPLA para negociar com o general Higino e Sanjar, tendo igualmente de fazer o mesmo com o Presidente José Eduardo dos Santos

A ideia de William Tonet não foi uma intromissão, mas uma oportunidade para se calarem as armas. Tinha um argumento de peso para convencer os contendores e transmitir-lhes confiança. Não os trairia, pois era amigo dos generais dos dois lados: “Ben Bem” e Mackenzie da UNITA e Higino Carneiro e Sanjar do MPLA/Governo.

“Após quatro dias a ir e vir de um lado para o outro e de negociar com as respectivas lideranças conseguimos chegar a um acordo que satisfez as duas partes, E conseguimos parar com a guerra fratricida”, diz William Tonet.

Os acordos de Bicesse tiveram lugar a 31 de Maio de 1991, menos que 15 dias depois das tréguas de Alto Kauango. Que benefícios vieram dessas tréguas?

“Os angolanos conheceram muitos benefícios, basta ver como tão rapidamente foi possível assinar em Bicesse, depois de os primeiros acordos de paz terem sido mediados por um angolano. Apesar de considerarem ter sido o de Bicesse, a história reza e continuará a rezar que nunca antes de Kauango os militares da UNITA e do MPLA se haviam sentado a uma mesa para assinar um acordo. Alto Kauango foi a mãe de Bicesse, que o complexo de nacionalismo pretende apagar da história”, afirma William Tonet.

Sendo assim, por que razão ninguém fala dessa basilar e incontornável trégua?

“Quando se diz que ninguém fala, referem-se ao Governo, mas isso está no quadro da lógica da discriminação, tudo porque continuo com ideias próprias, sou um homem de esquerda, autóctone e com cultura do Sul. Logo a política luso-tropicalista surge a querer apagar acontecimentos históricos que não lhe digam respeito. Se fosse um estrangeiro ou um bajulador invertebrado este acontecimento nunca seria esquecido. Mas fico contente por termos emprestado a nossa modesta contribuição sem pretensões a honrarias. A minha maior medalha foi ter evitado a morte de muitos inocentes com aquele acto, que não considero meu, mas sim, nosso. Muitas pessoas conseguiram viver e outras sobreviver às balas e aos canhões. Isso é bom. Por outro lado o acordo está aí com 19 pontos para a posteridade, pois foi a partir do Alto Kauango que se estabeleceram os telefones vermelhos, as patrulhas mistas, reuniões conjuntas e outras questões militares sensíveis”, explica William Tonet.

Legenda. Da esquerda para a direita: Higino Carneiro, William Tonet e “Ben Ben”.

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