O Tribunal Provincial de Luanda prescindiu hoje da audição ao ex-procurador-geral da República de Angola, general João Maria de Sousa, por este ter solicitado mais um adiamento da sessão de julgamento onde é arguido o jornalista angolano Rafael Marques.
O posicionamento foi manifestado hoje no Tribunal Provincial de Luanda pela juíza da causa, Josina Ferreira Falcão, que no arranque da sessão, prevista para ouvir o queixoso na sede da Procuradoria-Geral da República, apresentou o requerimento do ex-Procurador a solicitar mais um adiamento, devido à sua ausência para consulta de rotina em Portugal.
“Consulta de rotina” fora do país. Registe-se.
“Nestes termos, foi por mim, juíza da causa, exarado um despacho de indeferimento do respectivo pedido, que em resumo e para o interesse da questão, deu-se por indeferido o pedido mantendo a continuidade da audiência”, disse.
Acrescento que o ofendido, neste caso o general João Maria de Sousa, “ainda que seja parte” no processo, “não é obrigado a comparecer pessoalmente”.
Aliás, bem vista a jurisprudência criada pelo próprio ex-PGR (do MPLA), até prova em contrário Rafael Marques é culpado. Voltaremos, certamente, a ter no anedotário jurídico do país mais um exemplo de que primeiro é lavrada a sentença e, depois, conduzido um julgamento que vá ao encontro desse superior veredicto.
“Nestes termos, o Tribunal prescinde a audição do mesmo, cumprindo todas formalidades que a lei impõe”, declarou a juíza, dando conta que, ouvido o Ministério Público (MP), “o mesmo não se opôs ao despacho”.
Na ocasião, o mandatário de João Maria de Sousa esclareceu que a viagem do seu constituinte para Portugal “foi uma chamada imprevisível da unidade hospitalar no sentido de marcar a sua consulta de rotina”, garantindo o ex-procurador que “estaria disponível em comparecer em Tribunal a partir do dia 5 de Maio”.
Marcar uma consulta de rotina em Portugal não é o mesmo, presume-se, do que ter já marcada uma consulta de… rotina. Mesmo que se verificasse este último caso, a mesma poderia ser adiada. Diferente seria de fosse uma consulta de urgência.
A defesa também não se opôs ao despacho do Tribunal, manifestando interesse na continuidade da audiência.
“Nestes termos mantém o despacho proferido nas folhas constantes dos autos mantendo as instâncias nos precisos termos”, sublinhou a juíza, tendo marcado para quarta-feira, às 10:00, a audição aos declarantes e testemunhas arroladas no processo.
No processo em que é também arguido o jornalista Mariano Brás – que republicou a notícia em causa -, Rafael Marques é acusado pelo general João Maria de Sousa de crimes de injúria e ultraje ao órgão de soberania, após queixa apresentada em 2017.
Em causa está uma notícia de Novembro de 2016, divulgada no portal de investigação jornalística Maka Angola, do jornalista Rafael Marques, com o título “Procurador-Geral da República envolvido em corrupção”, que denunciava o negócio comprovadamente ilícito realizado pelo general e, na altura dos factos, PGR João Maria de Sousa, envolvendo a aquisição de um terreno de três hectares em Porto Amboim, Cuanza Sul, para construção de condomínio residencial.
Em declarações à imprensa, Horácio Junjuvile, um dos advogados de defesa dos jornalistas angolanos, considerou como legal o posicionamento do Tribunal.
“Achamos importante que o ofendido seja ouvido, mas quando é assim e porque a lei permite o Tribunal agiu bem em avançarmos a audiência sem ouvir por enquanto, apesar de o seu mandatário ter garantido a presença do ex-procurador depois de 5 de Maio”, afirmou. Calcula-se que tal será exequível se, entretanto, o general ex-PGR não tiver mais nenhuma “consulta de rotina” fora do país.
Questionado pela Lusa se a ausência do ofendido não terá implicações na produção da matéria probatória, uma vez que quarta-feira serão ouvidos já os declarantes e testemunhas, o advogado disse que tal questão deverá ser avaliada no final da inquirição.
“Vamos ver o que vai resultar e aí vamos avaliar o peso muito relevante ou não desta ausência do ofendido na formatação da decisão do Tribunal. Vamos ver, ainda é cedo para poder aferir as consequências desta ausência”, sustentou.
A defesa diz ainda estar confiante quanto ao desfecho deste processo, “pela robustez da prova que serviu de lastro” à notícia que Rafael Marques escreveu.
Folha 8 com Lusa