Chorrilho de mentiras

O chefe de diplomacia angolano, Manuel Domingos Augusto, disse hoje, em Bruxelas, que está a trabalhar directamente com o ministro dos Negócios Estrangeiros português para que o programa da deslocação do primeiro-ministro António Costa a Angola “esteja à altura dessa visita”. Ou seja, que Portugal assine a rendição ao MPLA.

Por Norberto Hossi

“Nós temos uma relação especial com Portugal e estamos todos a trabalhar para que retomemos a normalidade das nossas relações, tendo desaparecido os motivos que perturbaram, digamos, essas mesmas relações”, disse Manuel Domingos Augusto, que acompanha o Presidente de Angola, João Lourenço, numa visita oficial ao Reino da Bélgica.

Questionado pelos jornalistas portugueses sobre a visita do primeiro-ministro português a Luanda, o ministro das Relações Exteriores de Angola comentou que essa visita “já poderia ter tido lugar antes”, pelos motivos que são conhecidos – o processo do ex-vice-Presidente angolano Manuel Vicente, arguido na Operação Fizz -, mas mentido sublinhou que, resolvida que está essa questão – com a transferência do processo para o arquivo morto do MPLA onde se juntará ao processo do 27 de Maio de 1977, “agora o mais importante” é trabalhar em conjunto para repor a normalidade nas relações luso-angolanas.

“Estou a trabalhar directamente com o meu homólogo, o doutor Augusto Santos Silva, num programa que esteja à altura dessa visita”, declarou, sem adiantar ainda uma data para a mesma. Manuel Domingos Augusto acredita que os jornalistas portugueses não têm memória e, na maioria do casos, até tem razão. Mas também sabe que cá na banda há quem cultive a memória e não tema, como é agora o caso, dizer que o seu governo, como o anterior, mente descaradamente.

As mentiras do MPLA

O processo de subjugação de Portugal aos interesses do MPLA é – ao contrário do que diz Manuel Domingos Augusto, bem mais antigo do que o caso Manuel Vicente.

Recorde-se, por exemplo, que o órgão oficial do MPLA (Jornal de Angola) afirmava no dia 25 de Outubro de 2015, em editorial, que a então recente visita do embaixador português em Luanda ao activista angolano Luaty Beirão, na altura sob detenção e em greve de fome há 35 dias, abriu “um precedente grave”.

O artigo do Boletim Oficial do regime, assinado como habitualmente aos domingos pelo seu sipaio-director, José Ribeiro, recordava que sobre “esse cidadão” pendem “acusações gravíssimas” de “envolvimento em actos de perturbação de ordem pública em Angola, no quadro de uma acção mais vasta de transformar o país numa nova Líbia em África”.

“O diplomata português acaba de legitimar toda a ingerência personificada nas manifestações em Portugal. O Governo português, depois de tanto tempo, volta a cair na asneira de se pôr do lado errado”, lê-se no artigo, intitulado “De Portugal nada se espera” e que diz que a “ingerência desabrida” portuguesa “nos assuntos da soberania de Angola está a ultrapassar todos os limites”.

Isto porque o embaixador João da Câmara manteve uma reunião de 20 minutos com Luaty Beirão, em greve de fome, exigindo a sua libertação e de outros 14 activistas.

Luaty Beirão era um dos 15 angolanos em prisão preventiva desde Junho desse ano, sob acusação de actos preparatórios para uma rebelião e um atentado contra o Presidente angolano, com o início do julgamento previsto para 16 de Novembro, no Tribunal Provincial de Luanda.

Em vários países europeus, nomeadamente Portugal, sucediam-se na altura vigílias e manifestações de apoio ao grupo, apelos ao fim da greve de fome de Luaty Beirão e pedidos dirigidos ao então Presidente angolano, José Eduardo dos Santos, para libertar os activistas.

O Ministério dos Negócios Estrangeiros garantira, anteriormente, que “Portugal prossegue o acompanhamento da situação de Luaty Beirão e de todos os detidos no caso presente, através de contactos junto das autoridades angolanas, quer a nível bilateral, quer em coordenação com os seus parceiros da União Europeia”.

“A cruzada anti-angolana já não pode ser ignorada. O nível que atinge a ingerência portuguesa nos assuntos estritamente angolanos só encontra paralelo em duas ocasiões: quando Angola proclamou a sua independência em 1975 e quando se aproximava a derrota da UNITA de Jonas Savimbi, antes de 4 Abril de 2002”, acusava o editorial.

O director do Jornal do MPLA escreveu: “Durante o regime colonial, o Estado português mandou cortar a cabeça a muitos angolanos suspeitos de “subversão” e “terrorismo” quando lutavam pela liberdade e a dignidade do seu povo. Hoje Angola é um Estado de Direito. Quando se comemoram os 40 anos da independência de Angola, de Portugal continuamos a não poder esperar nada de bom.”

O que vale é que no massacre de 27 de Maio de 1977, onde foram assassinados muitos milhares de angolanos, a responsabilidade foi dos portugueses, mesmo considerando que Angola se tornara independente dois anos antes…

Recordava José Ribeiro que a partir da paz de 2002 “o que se esperava era que os Estados e os cidadãos dos dois países vivessem num quadro de convivência democrática e cooperação”, mas que “o rumo de cada país, o ciclo virtuoso em Angola, a crise acentuada em Portugal e o ambiente de intriga e conflitualidade nas relações não trazem nada de bom”.

“Por ignorância e despeito das elites portuguesas, concorrência entre elas próprias e inveja de poderes externos, a parceria estratégica que se começou a traçar com Portugal e que era uma boa solução para o futuro de Portugal, foi por água-abaixo”, observa o jornal do regime, o mesmo que agora é liderado por João Lourenço.

Lançando críticas ao grupo de comunicação social portuguesa Impresa e a vários responsáveis e deputados do Bloco de Esquerda, o editorial dava a entender que a posição portuguesa sobre o caso dos activistas estava relacionada com a indefinição governativa resultante das últimas eleições legislativas.

Acrescentava que “esperar pela compreensão dos portugueses para se trilhar um caminho comum de cooperação mutuamente vantajosa é pura perda de tempo e prova que foi correcta a decisão tomada pelo Governo de Angola de suspender a construção dessa parceria estratégica com Portugal”, aludindo ao discurso do Presidente, José Eduardo dos Santos, em 2013.

“Hoje nada mais resta a fazer senão trabalhar com o poder de Bruxelas, que é quem manda de facto em Lisboa. São os próprios portugueses que o dizem. Para Portugal, está apenas reservado o papel de caixa-de-ressonância dos diferentes interesses que se digladiam. Essa é porventura a razão por que o Governo português não condena as actuais acções de desestabilização de Angola e pactua com a ingerência. Está de braços amarrados”, conclui o editorial.

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