“Bullying” é mais uma arma
para calar os jornalistas

O Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas de Portugal emitiu uma nota sobre “bullying”, que visa silenciar os jornalistas. Embora se enquadra na situação portuguesa, é bom que os jornalistas angolanos estejam (também estejam) atentos a esta questão.

Eis, na íntegra, a referido nota:

“O Conselho Deontológico manifesta a sua preocupação com o fenómeno que classifica de bullying económico, uma forma de pressão económica, exercida através de instrumentos jurídicos, sobre os jornalistas e os órgãos de comunicação social, a qual condiciona fortemente a investigação jornalística e põe em causa o livre exercício da liberdade de expressão.

O fenómeno por nós classificado de bullying económico é também conhecido por bullying jurídico (ou, na expressão inglesa, SLAPP – strategic lawsuit against public participation) e consiste na “utilização abusiva de acções judiciais dirigidas à protecção da honra, do bom nome e da reputação com o objectivo primordial de silenciar a crítica pública por parte dos meios de comunicação social e dos cidadãos”, como definem Jónatas Machado e Iolanda Rodrigues de Brito na obra Difamação de Figuras Públicas.

O bullying económico consiste na apresentação de acções judiciais cíveis em que são pedidas indemnizações avultadas aos órgãos de comunicação social por parte de indivíduos ou entidades que são objecto de notícias em que se consideram postos em causa.

Este tipo de acções judiciais é recorrente em Portugal, bem como noutros países democráticos, e é usado como forma de condicionar e inibir os jornalistas e os órgãos de comunicação social de prosseguir a sua missão de investigar assuntos relevantes para o interesse público.

Isto porque, ao dar entrada uma acção deste tipo, os órgãos de comunicação social estão obrigados a prover contabilisticamente os valores das indemnizações pedidas nos seus orçamentos anuais.

Esta forma de pressão sobre a liberdade de informar é profundamente condicionante, uma vez que, como referem Jónatas Machado e Iolanda Rodrigues de Brito: “Nestas situações, acaba por ser irrelevante o desfecho judicial, pois, mesmo quando falham quanto ao mérito das mesmas não deixam de cumprir o seu objectivo estratégico de pressionar, intimidar e inibir a comunicação social e os cidadãos.”

No presente momento, a TVI está a ser vítima deste tipo de condicionamento, na sequência da emissão do trabalho de investigação da autoria das jornalistas Judite França e Alexandra Borges, intitulado “O Segredo Dos Deuses”, em que eram relatados factos de relevante interesse público sobre responsáveis da Igreja Universal do Reino de Deus.

Desde Janeiro, quer as duas jornalistas responsáveis pela investigação, quer a direcção de informação da TVI, quer a Media Capital têm sido alvo de inúmeros processos judiciais onde surge o respectivo pedido de indemnização.

O Conselho Deontológico alerta, porém, que o actual caso que procura condicionar a persecução do dever de informar por parte da TVI não é único. No passado houve inúmeros casos deste tipo como, por exemplo, um processo apresentado contra o jornalista José António Cerejo e o PÚBLICO a propósito de uma investigação sobre o comportamento do então deputado do PS por Castelo Branco, José Sócrates, revelado por uma “escuta” telefónica em que José Sócrates explicava a um empresário como devia agir a e a quem telefonar para ser favorecido num concurso de obras públicas na Câmara da Covilhã.

O Conselho Deontológico salienta ainda que se os grandes órgãos de comunicação social nacionais têm procurado resistir a estas pressões, a capacidade de reacção e de não se deixarem condicionar é diferente nos órgãos de comunicação social regionais, contra os quais este método de bullying económico é muitas vezes usado.

O Conselho Deontológico condena veementemente este tipo de tentativa de condicionar o livre exercício do jornalismo e alerta os jornalistas, as direcções editoriais, as administrações dos órgãos de comunicação social para estarem atentos a este fenómeno e para procurarem a ele resistir sem cederem na sua missão de informar a sociedade.

O Conselho Deontológico alerta também o poder político-institucional, nomeadamente o Governo, a Assembleia da República, a Entidade Reguladora da Comunicação Social e a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista para a necessidade de darem atenção e procurarem limitar de facto por processo este fenómeno, que põe em causa o saudável funcionamento da democracia. Assim, como apela ao Conselho Superior da Magistratura para que esteja atento ao modo como esta forma de pressão sobre os órgãos de comunicação social se processa nos Tribunais portugueses.”

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