Uma campanha denominada por “auscultação” foi realizada pelo Ministério da Administração do Território, e teve o seu jovem ministro Adão de Almeida como “chefe das operações no terreno”, e nessa qualidade calcorreou as 18 províncias.
Por Sedrick de Carvalho
Do nome “auscultação” apenas teve isso mesmo – o nome -, pois foi mais uma campanha de imposição autoritária da visão do MPLA que encarna-se em Executivo chefiado pelo também presidente do partido, João Lourenço.
No dia 22 de Março do ano em curso, nas vestes de presidente do país, João Lourenço reuniu o Conselho da República, e nessa reunião determinou que as primeiras eleições autárquicas serão realizadas em 2020. É nesse encontro onde também ficou definido o gradualismo geográfico na implementação das autarquias, antes mesmo de os membros do Conselho terem emitido os seus conselhos.
Os partidos na oposição e a sociedade civil, com as enérgicas declarações das igrejas católica e tocoísta, estranhamente – mas que depois recuou à posição habitual -, defendem o contrário, ou seja, que as autarquias sejam implementadas em todo o país em simultâneo, e não parcialmente em alguns municípios.
Do pacote legislativo autárquico levado à discussão apenas a lei de organização e funcionamento das autarquias locais praticamente mereceu atenção, com enfoque ao gradualismo. No final da sua digressão, Adão de Almeida garantiu que colheu contribuições dos auscultados mas que, disse em resumo, o gradualismo reúne consenso. E é sobre consensos que interessa-nos nesse artigo.
Mais do que ouvir, o ministro andou a fazer discursos e propaganda antecipada. Não ficou calado, e por isso não auscultou.
Quando se avolumam os auto-elogios de que há uma rotura com a governação anterior, João Lourenço perdeu, na referida reunião, uma excelente oportunidade para marcar a diferença com o seu antecessor, ao não optar pelo consenso, impondo-se como sempre fez o seu outrora chefe José Eduardo dos Santos.
O país precisa de consensos, sempre precisou, e não temos conseguido obter alguns em matérias cruciais para o nosso desenvolvimento. As autarquias é uma dessas matérias que imperiosamente necessita reunir consenso, e infelizmente é sempre o MPLA/Governo a não ceder às pretensões das demais forças da sociedade, ignorando-as descaradamente.
O gradualismo geográfico é mau caminho a seguir, e o país apontado como o modelo – Moçambique – é exactamente um exemplo do quanto essa opção é negativa. Como declarou a CEAST, o gradualismo discrimina os outros municípios e os seus munícipes, em violação ao princípio constitucional da igualdade, e agudiza o foco de concentração populacional nos centros provinciais, principalmente na capital, em detrimento das zonas desprovidas de investimentos.
O principal argumento para o gradualismo geográfico é, igualmente, uma razão de peso para a implementação total: falta de condições técnicas e estruturais. Ora, se com a administração concentrada e centralizada, representada por governadores, administradores municipais e comunais, tem sido possível governar – mais desgovernar, na verdade –, então essa mesma máquina administrativa, ainda que obsoleta, deve ser transferida para a esfera autárquica com o claro objectivo de ser posta a funcionar para melhorar o município. As autarquias farão o trabalho.
Mas é um longo caminho de trabalho, e este é mais uma razão para a sua implementação global. Realizadas apenas em alguns municípios, os não beneficiados se tornarão mais atrasados ainda em relação aos demais, e quando lá forem implementadas estarão mais vários pares de anos atrás dos privilegiados à primeira fase.
Substituída pelas prisões mediáticas, deixou-se de contestar o gradualismo, e o MPLA/Executivo afina a máquina rumo a aprovação das leis que vão ditar a aplicação das autarquias ao seu bel-prazer. Ser intransigente contra o gradualismo deve constituir um programa nacional em que partidos na oposição e sociedade civil estejam em perfeita sintonia.