Em Angola há de tudo: tortura, violações, impunidade, corrupção

Privação da vida e tortura pelas forças de segurança. Prisões arbitrárias. Violações dos Direitos Humanos. Impunidade. Corrupção. Onde? Em Angola. Quem diz? O Departamento de Estado dos Estados Unidos da América.

No relatório sobre a situação dos Direitos Humanos em 2017, agora divulgado pelo Departamento de Estado norte-americano, é referido que em Angola, entre as “formas de punição cruéis”, continuam a constar casos de tortura e espancamento, em que alguns terminam mesmo em morte, por vezes levadas a cabo pelas autoridades.

Limites à liberdade de reunião, associação e imprensa continuam a verificar-se em Angola, de acordo com o mesmo relatório, bem como uma forma de “corrupção oficial” e de “impunidade”, juntamente com, até agora, uma “falta de responsabilização” e condenações efectivas, em tribunal, para casos de violações sexuais e outras formas de violência contra mulheres e crianças.

O relatório assinala igualmente que o Governo angolano “tomou algumas medidas” para “processar ou punir funcionários que cometeram abusos”. No entanto, ainda com níveis “fracos” de responsabilização, devido à “falta de capacidade institucional” e à “cultura de impunidade e corrupção generalizada do Governo”.

O relatório, que analisa o ano de 2017, que em Angola ficou marcado pela transição no poder entre o MPLA e o… MPLA, com a saída de José Eduardo dos Santos, após 38 anos como chefe de Estado nunca nominalmente eleito, e a chegada à liderança de João Lourenço, refere que “embora a lei preveja penalizações criminais por corrupção” para funcionários do Estado, “o Governo não implementou essas leis de forma eficaz”, continuando a ser habituais os relatos de “práticas corruptas” e “com impunidade”.

Acrescenta o Departamento de Estado dos EUA que a corrupção no Governo é “generalizada”, a “todos os níveis”, com uma prestação de contas “limitada”. Processos públicos de casos de corrupção foram “raros sob o Governo [de José Eduardo] dos Santos”, recorda o documento, ao mesmo tempo que assinala que o Presidente João Lourenço, na sua tomada de posse, em Setembro, anunciou a intenção – tal como sempre fez Eduardo dos Santos – de combater a corrupção no Governo.

“Como em anos anteriores, houve relatórios credíveis funcionários do Governo usaram as suas posições políticas para beneficiar com negócios. O ambiente de negócios continuou a favorecer aqueles que estão ligados ao governo, incluindo membros da família do Presidente”, observa ainda o relatório, que também admite que a corrupção é transversal, verificando-se, em pequena escala, com polícias, guardas prisionais e até professores.

Escreve o Departamento de Estado que também os ministros e outros altos funcionários do Estado possuíam, em 2017, “interesses em empresas públicas e privadas”, regulamentadas por, ou fazendo negócios, com seus respectivos ministérios: “Existem leis e regulamentos relativos a conflitos de interesses, mas eles não foram cumpridos”.

“O partido MPLA, no poder, domina todas as instituições políticas”, prossegue o relatório do departamento de Estado norte-americano, noutro ponto.

Nós é que sabemos, diz o MPLA há…43 anos

Do único ponto de vista válido em Angola, o do regime, a situação dos direitos humanos no país “não é perfeita, mas há progressos”. É tanta a porrada que os que pensam de maneira diferente levam que, acredita-se, o silêncio e o medo são vistos pelo governo como sinónimo de progresso.

Num relatório divulgado no dia 27 de Fevereiro de 2014 pelo Departamento de Estado norte-americano, relativo a 2013, dizia-se que a corrupção do Governo e do sistema judicial em Angola se regista a todos os níveis, prevalecendo uma cultura de impunidade. Cinco anos depois tudo continua na mesma, eventualmente com uma maquilhagem diferente.

“A corrupção do Governo a todos os níveis é endémica” e “generalizada”, dizia o documento. Dizia em 2014 como diz em 2018, como dirá em 2019, em 2020, em…

No entanto, na altura pela voz de Bento Bembe – secretário de Estado dos Direitos Humanos – o ponto da situação era diferente: “Não posso dizer que está perfeitamente bom, mas há progressos. Enormes progressos estão sendo registados”. Isto porque, diz, cabe ao Estado “uma responsabilidade insubstituível no contexto dos direitos humanos”.

“Enormes progressos” que permitem aos EUA dizer que hoje está tudo na mesma ou pior.

“Numa análise profunda das causas, não podemos deixar de mencionar a própria realidade histórica do país. Foram 30 anos em que as pessoas somente assistiram à cultura da violência. Afectou bastante as mentes dos cidadãos”, disse Bento Bembe, reproduzindo as teses oficiais do “querido líder”. Esta é, aliás, uma boa tese que pode ser recuperada pelo ministro Justiça e dos Direitos Humanos, Francisco Manuel Monteiro de Queiroz.

No relatório de 2014, o Departamento de Estado norte-americano abordou também a situação da imprensa em Angola, e afirmou que a esmagadora maioria dos meios de comunicação são detidos por “grupos ou indivíduos ligados ao Governo”, enquanto os media privados que “criticam o executivo… sofrem repercussões”.

A este respeito, o Boletim Oficial do regime (o Jornal de Angola) dedicou o editorial ao assunto, titulando que se trata de uma “avaliação equivocada” por parte de Washington.

“O Departamento de Estado divulgou um relatório onde (sic) afirma que os órgãos de comunicação social em Angola são controlados pelo Estado. Estas coisas ditas ao balcão de um bar, numa amena conversa em estúdios de televisão ou ao estilo de anedota, não merece qualquer reparo”, lia-se no editorial do MPLA.

Depois de salientar a possibilidade de canais de várias nacionalidades, designadamente a CNN, serem vistos em Angola através dos vários servidores de televisão por cabo, o Boletim Oficial destacava que o Estado angolano “nada tinha a ver” com os conteúdos.

“Em democracia, até a propaganda hostil apresentada como informação, tem pernas para andar”, considerou o Boletim Oficial.

Todavia, acrescentava, “para destrinçar entre a informação e a propaganda da CNN, da BBC, RFI, RTP ou outro qualquer canal das grandes democracias ocidentais, é preciso tirar um curso superior. E mesmo assim, as probabilidades de errar são enormes”, porque, “o problema é que o bombardeamento informativo a que (os consumidores) estão sujeitos impede uma leitura clara do que é informação e o que é puro ruído, a forma mais eficaz de censura”.

Por outras palavras, embora com muito menor subtileza, o Boletim Oficial faz o mesmo que o seu congénere do tempo colonial. Trata-nos como matumbos.

A concluir, o Boletim Oficial afirmava que “escrever no relatório de um organismo tão escutado como é o Departamento de Estado dos EUA que os jornalistas e órgãos de informação angolanos são controlados, é colocar uma etiqueta de menoridade a todos os profissionais que em Angola trabalham na comunicação social e exercer sobre eles uma pressão ilegítima”.

De facto todos sabem (e certamente o JA de agora irá recordá-lo), até mesmo o Departamento de Estado dos EUA, que o Jornal de Angola, a TPA, a RNA, a Angop sempre foram paradigmas de profissionalismo e isenção, comparáveis (embora com muito mais classe) aos seus congéneres norte-coreanos Rodong Sinmun, Joson Inmingun, Minju Choson e Rodongja Sinmum.

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