E agora senhor Presidente?

O Presidente angolano, João Lourenço, reforçou em Março as competências do chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas Angolanas, dias antes de a Procuradoria-Geral da República (PGR) ter anunciado publicamente e sem disso ter dado prévio conhecimento ao visado, a constituição do general Sachipengo Nunda arguido num processo de alegada burla.

De acordo com o despacho 34/18 assinado pelo Presidente João Lourenço, de 20 de Março, em causa está necessidade de uma “maior dinâmica” no funcionamento do Serviço de Inteligência e de Segurança Militar (SISM).

Em concreto, o despacho delega poderes ao chefe do Estado-Maior General “sobre matérias do poder executivo na formação, execução e controlo das actividades” do SISM nos ramos, regiões militares, aéreas, navais e grandes unidades das Forças Armadas Angolanas (FAA).

A 26 de Março foi divulgado que o general Geraldo Sachipengo Nunda, chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas Angolanas, foi constituído arguido no processo de crime de tentativa de burla ao Estado de 50 mil milhões dólares.

O anúncio foi feito por Luís Ferreira Benza Zanga, que é também sub-procurador-geral da República de Angola e director da Direcção Nacional de Investigação e Acção Penal (DNIAP) da PGR, salientando que o general Sachipengo Nunda se juntava a outros três generais também constituídos arguidos, em liberdade, neste processo.

“Nesse processo temos constituído arguidos quatro generais, dos quais já foi ouvido um, e a última nota que tivemos o chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas Angolanas já foi constituído arguido e vai ser ouvido nesta qualidade”, afirmou.

Em Novembro passado, o general Geraldo Sachipengo Nunda anunciou que estava em condições de se reformar, por já ter completado 65 anos de idade.

O anúncio do general, naquelas funções desde 2010, para as quais foi indicado por José Eduardo dos Santos, na altura chefe de Estado e Comandante-em-Chefe das FAA, foi feito precisamente na cerimónia de passagem à reforma de 15 oficiais generais.

“A lei das Forças Armadas, a lei do serviço militar, diz que os oficiais generais são reformados aos 55 anos, o chefe do Estado-Maior General aos 58 ou 60 anos, mas nós estamos a nos reformar com 65 anos. E eu sou um candidato para a reforma, porque já fiz 65 anos no mês de Setembro”, disse o general.

A nomeação do próximo chefe do Estado-Maior General das FAA, a confirmar-se o pedido de reforma de Geraldo Sachipengo Nunda, compete ao Comandante-em-Chefe e Presidente da República, cargo ocupado desde 26 de Setembro por João Lourenço.

Nascido a 13 de Setembro de 1952 em Nharêa, província do Bié, Geraldo Sachipengo Nunda abandonou as forças armadas da UNITA (FALA) em Janeiro de 1993, incorporando-se nas FAA onde desempenhou, pouco depois, as funções de conselheiro do chefe do Estado-Maior da instituição.

Catapultado para o cargo de adjunto do chefe do Estado-Maior General das FAA, em 1998, ao tempo do general João de Matos (falecido a 4 de Novembro de 2017), depois da morte por doença de Arlindo Chenda Pena “Ben Ben”, Geraldo Sachipengo Nunda viu passar por ele os generais Armando da Cruz Neto, Agostinho Nelumba “Sanjar” e Francisco Pereira Furtado.

O general Nunda foi o oficial mais graduado do Estado-Maior General das FAA que em 2002 esteve no posto de comando avançado nos momentos derradeiros da guerra que culminou com a morte em combate de Jonas Savimbi, comandando as operações militares em toda a extensão da província do Moxico.

No processo em investigação na PGR estão em causa crimes de burla por defraudação, associação criminosa, falsificação de documentos, falsificação de títulos de crédito, no valor de 50 mil milhões de dólares (cerca de 40 mil milhões de euros), envolvendo um suposto financiamento tailandês para investimentos em Angola.

Noutras latitudes, registe-se a irresponsabilidade de um alto magistrado anunciar, apressadamente, a constituição de arguidos sem explicar como lhes foram retiradas as imunidades cobertas pela Constituição, art.º 150.º e pelas altas funções militares, protegidas pela Lei 4/94 de 28 de Janeiro, Lei dos Crimes Militares e Lei 5/94, de 11 de Fevereiro, Lei sobre a Justiça Penal Militar.

O general Geraldo Sachipengo Nunda, na qualidade de Chefe do Estado-Maior General das FAA, goza igualmente de imunidade e, para ser constituído arguido, o Comandante em Chefe das Forças Armadas, deve, ouvido o Conselho de Segurança Nacional, retirar-lhe as imunidades. Mas tem ainda outro senão, o fórum especial: o Supremo Tribunal Militar.

Segundo o sub-procurador Luís Zanga, foram também constituídos arguidos neste processo o antigo director da Unidade Técnica de Investimento Privado (UTIP), Norberto Garcia, igualmente secretário para a Informação do MPLA, partido no poder, e o ex-director da Agência para a Promoção do Investimento e Exportação (APIEX), Belarmino Van-Dúnem.

Encontram-se detidos dois angolanos, quatro tailandeses, um eritreu e um canadiano -, tendo já sido ouvidos 14 declarantes, faltando três, explicou ainda a mesma fonte.

“Há um grupo de supostos empresários, conectados com alguns angolanos, que aportaram Angola e fizeram démarches junto das instituições do Estado vocacionadas para o efeito e dentro dessas instituições angolanas não se observou o rigor que era devido para este tipo de negócio”, frisou Luís Benza.

Em causa está o anúncio em finais de Novembro de 2017 de um financiamento disponível num banco das Filipinas, através do qual se pretendia desenvolver projectos de investimento em Angola, no valor de 50 mil milhões de dólares, tendo sido rubricado um memorando de entendimento pelo Estado angolano e a Centennial Energy Thailand.

O documento foi assinado pelo director da UTIP, Norberto Garcia, e pelo presidente do conselho de administração da Centennial Energy Thailand, Raveeroj Rithchoteanan, num ato que acolheu dezenas de empresários angolanos e responsáveis bancários, para dar a conhecer as condições de acesso ao referido fundo.

Folha 8 com Lusa

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