A China está a cimentar a presença em África com investimentos directos anuais de 2.500 milhões de euros, apenas com o reino do Eswatini (antiga Suazilândia) fora desta “parceria”, ausente do terceiro Fórum de Cooperação China-África (FOCAC), que arranca na segunda-feira.
O evento, que decorre entre 3 e 4 de Setembro e que também simboliza a importância da presença e investimento directo da China no continente africano, realiza-se em Pequim e contará com chefes de Estado e do Governo de vários países africanos, incluindo os Presidentes de Angola e Moçambique, João Lourenço e Filipe Nyusi, respectivamente. O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, também participará.
No discurso de abertura do FOCAC, o Presidente chinês, Xi Jinping, deverá propor novas ideias para fortalecer as relações com África e anunciar novas medidas para uma cooperação pragmática, de acordo com informação transmitida nos últimos dias por Pequim.
A terceira edição da cimeira contará com três novos países: São Tomé e Príncipe, Burkina Faso e a Gâmbia, que elevam assim para 53 o número de nações africanas com relações com a China e que deverão participar no certame.
Eswatini, antigo reino da Suazilândia, é o único país sem ligações oficiais à República Popular da China, por reconhecer Taiwan.
Desde 2000 que diversos países africanos, como o Chade e o Senegal, que recebiam ajudas de Taiwan, romperam as suas relações com a ilha para beneficiar da cooperação chinesa.
Em Agosto, o ministro dos Negócios Estrangeiros de Taiwan, Joseph Wu, condenou “a diplomacia do dólar” de Pequim, por atrair aliados da ilha através de ajuda financeira e investimento.
À margem do fórum deverão decorrer encontros bilaterais para o estreitamento de relações entre as duas partes.
A relação entre os dois blocos, China e África, apresenta já alguma solidez, com dados divulgados no dia 29 de Agosto a apontarem que a China foi durante o primeiro semestre de 2018 o maior parceiro comercial de África, pelo nono ano consecutivo.
Entre Janeiro e Junho de 2018, o comércio bilateral aumentou 16%, em termos homólogos, para 98.800 milhões de dólares (84.600 milhões de euros), disse na altura o vice-ministro chinês do Comércio, Qian Keming, em conferência de imprensa.
Durante o FOCAC de 2015, em Joanesburgo, Pequim assinou dez acordos de cooperação com o continente, nas áreas económica e comercial. Qian afirmou que os acordos foram todos implementados e alguns “produziram resultados muito bons”.
Desde 2015, a média anual do investimento directo da China no continente fixou-se em 3.000 milhões dólares (2.500 milhões de euros), com destaque para novos sectores como indústria, finanças, turismo e aviação.
Dados oficiais divulgados na quarta-feira apontam que a cooperação com Pequim leve ao continente africano 30.000 quilómetros de auto-estradas, uma capacidade anual portuária de 85 milhões de toneladas e uma capacidade de produção eléctrica de 20.000 megawatts.
Pequim também investiu no sector bélico, tendo criado no Djibouti a sua primeira base militar fora de território chinês.
Além de infra-estruturas, a China também assistiu em questões de saúde pública, tendo enviado 1.500 membros de equipas médicas para diagnosticar e tratar de 460.000 pacientes em África, segundo Qian Keming.
Qualidade e diversificação, diz Pequim
Os interesses chineses em África deverão “diversificar-se” e registar uma “importante mudança qualitativa”, afirmam analistas nas vésperas de um fórum que deve anunciar milhares de milhões de dólares em crédito chinês ao continente.
“O destaque será o anúncio de mais um número enorme: A China promete 63.000 milhões de dólares [54.000 milhões de euros] a África”, prevê Eric Olander, jornalista especializado nas relações entre China e África, radicado em Xangai.
“Mas espero também uma diversificação dos interesses chineses, que se têm focado na extracção de recursos, comércio e na relação económica”, acrescenta o fundador do portal The China Africa Project, apontando as áreas militar, política e de diplomacia cultural como exemplos desse novo interesse.
Ana Cristina Dias Alves, académica especializada na cooperação económica entre China e África, e professora assistente na Universidade Nanyang Technological, em Singapura, prevê ainda uma “importante mudança qualitativa” nas relações.
“Passará muito por alinhar os interesses da China com os interesses do continente [africano]”, afirma Ana Cristina Dias Alves.
A “enfatizar” a mudança qualitativa, a académica espera uma “articulação” entre o projecto internacional de infra-estruturas chinês, a “Nova Rota da Seda”, e os objectivos de desenvolvimento das Nações Unidas e da União Africana, para além dos planos de desenvolvimento nacionais.
“Isto evidencia uma maior preocupação em contribuir para o desenvolvimento sustentável do continente e uma maior participação da parte africana neste processo”, diz.
Lançada em 2013 pelo Presidente chinês, Xi Jinping, a “Nova Rota da Seda” inclui uma malha ferroviária intercontinental, novos portos, aeroportos, centrais eléctricas e zonas de comércio livre, visando ressuscitar vias comercias que remontam ao Império romano, e então percorridas por caravanas.
Os projectos no âmbito daquela iniciativa estendem-se à Europa, Ásia Central, Sudeste Asiático e deverão passar a incluir grande parte do continente africano.
Outro dos objectivos da China, que nos últimos anos passou a adoptar uma política externa mais assertiva, será promover o seu modelo político no continente africano, à medida que a liderança chinesa assume que este pode ser uma solução para outras partes do mundo.
Dezenas de Institutos Confúcio, organismo patrocinado por Pequim para difundir a língua e cultura chinesa, abriram portas nos últimos anos em África, enquanto milhões de lares do continente passaram a receber diariamente entretenimento e conteúdo noticioso chinês.
Eric Olander considera que o rápido desenvolvimento do país asiático será o seu mais poderoso instrumento de `soft power` no continente.
“A mensagem que a China tem, que é extremamente apelativa, é que nos últimos 25 anos passou de um país mais pobre do que a maior parte de África para se tornar na segunda maior economia do mundo”, afirma.
“No ocidente, por vezes, subestimamos o poder de uma estrada ou ponte. Mas o impacto que têm na vida das pessoas [em África] é enorme, e eles sabem que veio da China”, descreve, acrescentando: “E isso é muito poderoso”.
O jornalista lembra, por isso, que o continente africano é “muito apelativo” para Pequim promover o seu modelo de capitalismo autoritário, “porque os africanos entendem a noção de que não podem haver direitos políticos e civis antes de terem direitos económicos e sociais”.
Angola “made in China”
Angola foi, em 2016, o país africano que mais beneficiou de empréstimos concedidos pela China, ultrapassando os 12 mil milhões de dólares (10,79 mil milhões de euros), desde 2000, segundo a unidade de investigação sedeada nos EUA ChinaAid.
O principal receptor das linhas de crédito abertas por Pequim foi o sector transporte e armazenagem, que absorveu 20% do montante global, detalha aquela pesquisa. Logo a seguir, surge a produção e abastecimento de energia, que recebeu 18% do crédito chinês.
Governo e sociedade civil, comunicações e abastecimento de água e saneamento, que, no conjunto, acederam a 667 milhões de dólares (600 milhões de euros), surgem no fim da lista.
Depois de a guerra civil em Angola ter acabado, em 2002, a China tornou-se um dos principais actores da reconstrução do país, nomeadamente das suas estradas, caminhos-de-ferro e outras infra-estruturas.
Em troca, o país asiático “obteve condições favoráveis para a exploração de minérios”, lê-se na pesquisa conduzida pela jornalista de investigação espanhola Eva Constantaras.
A China é hoje o maior importador do petróleo angolano, mas, devido à queda do preço daquela matéria-prima, o valor das exportações angolanas para o mercado chinês diminuiu cerca de 50%, em 2015, para 15,98 mil milhões de dólares (14,3 mil milhões de euros).
“A maioria dos principais receptores são países ricos em recursos naturais – incluindo petróleo, diamantes e ouro – e muita da ajuda chinesa serve para tornar essa riqueza acessível para exportar”, aponta o estudo.
País mais populoso do mundo, com cerca de 1.379 milhões de habitantes, a China registou nas últimas três décadas um ritmo médio de crescimento económico de 10% ao ano, transformando-se no maior consumidor de quase todo o tipo de matérias-primas.
Folha 8 com Lusa