O Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa decidiu hoje levar a julgamento os arguidos do processo “Operação Fizz”, no qual constam Manuel Vicente, vice-Presidente de Angola, e o procurador do Ministério Público português, Orlando Figueira.
No processo, que investigou crimes económico-financeiros, o vice-Presidente angolano é suspeito de ter corrompido Orlando Figueira para que o procurador arquivasse dois inquéritos, um deles o caso Portmill, relacionado com a alegada aquisição de um imóvel de luxo no Estoril.
Em causa na “Operação Fizz” estão alegados pagamentos de Manuel Vicente, no valor de 760 mil euros, ao então magistrado do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) para obter decisões favoráveis.
Recorde-se que o Ministério Público (MP) de Portugal enviou para o Tribunal de Instrução Criminal o caso “Operação Fizz”, apesar de Manuel Vicente não ter sido ainda notificado da acusação.
Paulo Sá e Cunha, mandatário do procurador e arguido Orlando Figueira, confirmou no dia 19 de Maio que recebeu um ofício do Tribunal de Instrução Criminal (TIC) de Lisboa a solicitar aos advogados de defesa para se pronunciarem sobre a decisão do Ministério Público de enviar os autos para instrução.
A decisão do Departamento Central de Instrução Criminal (DCIAP) de enviar os autos para instrução (fase processual seguinte à acusação) surgiu numa altura em que, após um pedido do MP português para notificar Manuel Vicente, o procurador-geral de Angola ter decidido pedir um parecer ao Tribunal Constitucional angolano sobre o assunto, o que atrasou a diligência.
Também o advogado João Correia, mandatário do arguido Paulo Amaral Blanco, confirmou ter sido notificado que os autos chegaram ao TIC de Lisboa, adiantando que tomou a iniciativa de requerer ao TIC que “fixe prazo de abertura de instrução”.
O advogado de Paulo Blanco foi ainda informado que o MP tem o entendimento que o prazo de abertura de instrução começou a contar a partir da execução da carta rogatória para Angola.
Embora existam opiniões divergentes, a lei processual penal permite que o processo siga para instrução quando se frustram as tentativas do MP em notificar um dos acusados, mas estando a notificação de Manuel Vicente ainda em curso em Angola (à espera de parecer do Tribunal Constitucional angolano) é discutível se esta norma está a ser bem aplicada.
Até agora apenas o arguido Armindo Pires (representante de Manuel Vicente em negócios particulares) requereu abertura de instrução, tendo outros advogados de defesa preferido aguardar que Manuel Vicente fosse notificado para, depois disso, pedirem também a instrução.
Em declarações ao jornal português Observador, Rui Patrício, advogado de Manuel Vicente, afirmou que “a defesa manifestará no processo a sua discordância com mais esta inesperada e estranha iniciativa processual do MP” de enviar os autos para o TIC.
Entretanto, na altura Paulo Sá e Cunha disse ter pedido novamente o levantamento parcial do arresto de bens aplicado ao ex-procurador do DCIAP Orlando Figueira, que, exercendo uma profissão liberal na altura da detenção, passou a estar privado de todos os bens e património, o que inviabiliza a sua subsistência.
No processo “Operação Fizz”, o vice-Presidente da República de Angola e ex-presidente da Sonangol, Manuel Vicente, é suspeito de ter corrompido Orlando Figueira quando este era procurador no DCIAP, departamento do MP que investiga a criminalidade mais grave, organizada e sofisticada, designadamente de natureza económica.
Manuel Vicente está acusado de corrupção activa na forma agravada, branqueamento de capitais e falsificação de documentos.
Já o ex-magistrado do Ministério Público, Orlando Figueira, é acusado de corrupção passiva na forma qualificada, branqueamento de capitais e falsificação de documentos.
São ainda arguidos Armando Pires e Paulo Blanco, advogado do antigo presidente da Sonangol.
Em Abril, segundo o jornal português Público, a Procuradoria-Geral do MPLA (se fosse de Angola tudo seria diferente) diz que notícias sobre carta rogatória enviada a Luanda sobre Manuel Vicente são “pura falácia” e que Joana Marques Vidal (a PGR portuguesa) tem o dever moral (coisa que no reino não existe) de repor a verdade. O levantamento da imunidade do governante está agora nas mãos do Tribunal Constitucional do… MPLA.
Ajustiça portuguesa está, segundo o Público, sob suspeita de ter faltado à verdade no caso em que o vice-presidente de Angola, Manuel Vicente, é suspeito de ter corrompido um procurador português, para este arquivar processos judiciais que o envolviam.
Num recente ofício enviado à Procuradoria-Geral da República (PGR) portuguesa, a sua congénere (isto é apenas um eufemismo) angolana não é meiga nas palavras: fala em falácia e exige um desmentido. Em causa não estão os crimes de corrupção activa e branqueamento de capitais que o vice-presidente pode ter cometido, mas formalidades processuais que ficaram por cumprir e que podem, segundo os advogados de Manuel Vicente, inquinar o processo “Operação Fizz”.
“É com certa indignação que vemos a imprensa portuguesa noticiar, citando também o Ministério Público português, que a PGR portuguesa terá enviado uma carta rogatória para que o vice-presidente da República de Angola fosse formalmente constituído arguido e interrogado, carta essa cujo cumprimento teria sido alegadamente recusado pela PGR de Angola”, pode ler-se no ofício em questão, datado de 28 de Março passado e que acrescente: “Tais notícias não passam de pura falácia, exigindo um desmentido da PGR portuguesa, não apenas para evitar que se vilipendie o bom nome (…) de uma instituição congénere mas também porque se impõe o dever moral de corrigir o que não corresponde à verdade.”
Para se perceber a sequência dos acontecimentos que fez chegar a este ponto a relação entre Joana Marques Vidal e o seu homólogo (mais um eufemismo) general João Maria de Sousa, que também chegou – note-se – a ser investigado em Portugal por branqueamento de capitais, é preciso recuar até Outubro. As procuradoras encarregadas de perceber se o arquivamento de dois processos pelo seu ex-colega do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) Orlando Figueira – um deles envolvendo a compra pelo vice angolano de um apartamento no condomínio de Estoril-Sol Residence por 3,8 milhões – tinha sido feito a troco de dinheiro decidem interrogar Manuel Vicente, o alegado autor dos pagamentos. E, como o governante vive em Angola, emitem uma carta rogatória para as autoridades angolanas o notificarem da sua condição de arguido e para que ele seja inquirido. A missiva segue os trâmites habituais: vai para a PGR portuguesa, organismo central do Ministério Público, donde devia ter seguido para a PGR angolana.
Só que acaba por nunca sair das fronteiras portuguesas, apesar de todas as informações divulgadas. Joana Marques Vidal optara antes por perguntar ao seu homólogo, em meados de Novembro, se, tendo em conta o cargo que Manuel Vicente ocupa, existe alguma possibilidade de as autoridades angolanas cumprirem o que lhes é pedido na carta rogatória.
“À luz da lei constitucional de Angola existe alguma possibilidade de ser levantado o regime de imunidade de que goza o vice-presidente de Angola? Em caso de um eventual pedido de extradição poderá equacionar-se a hipótese de deferimento?”, questiona, colocando ainda a hipótese de, no que a Manuel Vicente diz respeito, transferir o processo para as mãos da justiça (novo eufemismo) angolana.
Perante a resposta que lhe chega, de que o suspeito está, de facto, salvaguardado por um regime de imunidade que faz com que só responda por crimes alheios ao exercício das suas funções cinco anos após o fim do seu mandato, e ainda por uma amnistia para quem cometeu crimes não violentos até ao final de 2015 que se aplica a todos os cidadãos angolanos, Joana Marques Vidal decide não enviar a carta, “para evitar a prática de actos inúteis e prevenir previsíveis demoras processuais.”
A 30 de Janeiro deste ano, a carta rogatória é devolvida às procuradoras do DCIAP, com a menção de que não foi possível executar o que nela era pedido. Duas semanas depois, na altura em que encerram o inquérito acusando Manuel Vicente de corrupção activa e lavagem de dinheiro, as duas procuradoras escrevem que não foi possível ouvi-lo sobre os factos que lhe imputam, “pese embora tenha sido expedida carta rogatória às autoridades judiciárias da República de Angola.” E acrescentam que, apesar de o terem notificado através dos seus advogados, Rui Patrício e João Cluny, para ser interrogado em Portugal na qualidade de arguido, ele se recusou a comparecer – coisa que o vice-presidente angolano nega.
Ora, segundo a lei portuguesa, é obrigatório interrogar todos os suspeitos na fase de inquérito dos processos, antes de ser deduzida uma acusação. Se não foram envidados todos os esforços para ouvir a sua versão dos factos, o processo corre o risco de ser nulo. E é nisso que se estribam os advogados de Manuel Vicente, quando, num requerimento entregue no final da passada semana, alegam que o Ministério Público “omitiu a prática de actos legalmente obrigatórios”.
Questionada três vezes pelo jornal Público desde Fevereiro passado, a PGR portuguesa nunca se alongou em explicações. Em meados de Fevereiro respondeu não ter sido possível notificar Manuel Vicente para o interrogar, muito embora “tenha sido emitida carta rogatória às autoridades judiciárias angolanas para a realização de tais actos.” Mais tarde invocaria a disposição legal que permite à justiça acusar alguém de um ilícito sem ouvir essa pessoa, quando não é possível entrar em contacto com ela. Só a 7 de Abril admite publicamente não ter, de facto, enviado a carta rogatória para Angola.
No mesmo comunicado em que o faz, anuncia ter mandado uma segunda carta rogatória para Luanda, de modo a informar Manuel Vicente da acusação entretanto deduzida contra ele e pedindo, uma vez mais, às autoridades daquele país que o constituam arguido. Foi logo a seguir que a ministra portuguesa da Justiça, Francisca van Dúnem (uma angolana que é persona non grata para o regime do MPLA), cancelou, sem explicação, uma visita oficial a Luanda, sem dar qualquer justificação: as relações diplomáticas entre os dois países azedaram após a incriminação do vice-presidente a ponto de uma deslocação do primeiro-ministro António Costa agendada para a Primavera ter sido adiada, o mesmo tendo sucedido com uma viagem de deputados portugueses da comissão parlamentar de Defesa.
No seu requerimento, os advogados dizem não compreender por que é que no espaço de dois meses a PGR portuguesa mudou de opinião em relação à utilidade de pedir a colaboração das autoridades angolanas para notificarem o seu cliente. Mas desta vez a PGR de Angola prontificou-se para perguntar ao seu Tribunal Constitucional se existe algum mecanismo de levantamento da imunidade – muito embora tenha respondido ser impossível cumprir esta segunda carta rogatória, que chegou a Luanda a 16 de Março, dois dias depois de Manuel Vicente ter escrito a Joana Marques Vidal pedindo-lhe para “repor a verdade”. Diz que a primeira carta rogatória não chegou a Angola e que só “por lapso grave” pode ser acusado de se recusar a ser interrogado sobre a “Operação Fizz”.
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