O presidente da UNITA, Isaías Samakuva, afirmou hoje que pretende abandonar a liderança do maior partido da oposição, colocando o seu lugar à disposição no arranque de um novo ciclo político em Angola.
“A firmei aos angolanos antes e durante a campanha eleitoral que depois das eleições deixaria o cargo de presidente da UNITA para servir o partido numa posição diferente [concorria a Presidente da República]. Mantenho e reafirmo esta decisão”, disse hoje Isaías Samakuva, na abertura da quarta reunião ordinária da Comissão Política do Comité Permanente da UNITA, que decorre em Viana, arredores de Luanda.
Isaías Samakuva foi eleito presidente do partido em 2003, na sequência da morte em combate, no ano anterior, do líder e fundador da UNITA, Jonas Savimbi, o que levou ao fim da guerra civil de quase 30 anos em Angola.
Na terça-feira, João Lourenço foi empossado como terceiro Presidente da República de Angola, após a vitória (61%) do MPLA nas eleições gerais de 23 de Agosto, sucedendo a 38 anos no poder de José Eduardo dos Santos.
Para o líder do maior partido na oposição em Angola, o segundo mais votado nas eleições gerais, que viu o número de deputados eleitos quase duplicar, para 51, “é chegado o momento de se desencadear um novo processo conducente a materialização da sua decisão”, propondo por isso a realização de um congresso extraordinário.
“Esta reunião deverá hoje proceder à definição da data em que a Comissão Política do Partido vai reunir, para que além de analisar o relatório da campanha eleitoral que possa também, nos termos dos estatutos, ser ouvida quanto à realização de um congresso extraordinário para eleição do novo presidente do partido”, observou.
Tendo ainda considerado na sua intervenção que os angolanos conferiram à UNITA novas responsabilidades, muito mais abrangente do que os números eleitorais parecem transmitir – o partido contesta os resultados oficiais divulgados pela Comissão Nacional Eleitoral -, Samakuva afirmou que o partido se tornou “um património nacional depositário fiel das aspirações de liberdade e dignidade dos angolanos”.
“O nosso partido está e vai estar à altura desta confiança, vamos por isso assumir as nossas responsabilidades e continuar a servir o povo, ao lado do povo e ao serviço do povo”, concluiu.
Eis, na íntegra, a intervenção de Samakuva
“A ngola terminou mais um ciclo eleitoral, aquele que muitos angolanos consideram ser o mais marcante, histórico e sem precedentes. Se as eleições de 1992 foram as primeiras da história da Angola independente, as eleições de 23 de Agosto de 2017 foram as primeiras em que a grande maioria dos angolanos, de um lado e do outro, votou para a mudança. Foram aquelas que registaram o maior nível de participação dos cidadãos no controlo dos actos da Administração eleitoral e expuseram de forma dramática a sua condição de refém do Partido-estado, capaz de subverter a Constituição e a Lei para o manter no poder.
Foi através destas eleições que o sentimento geral de que a vontade soberana dos angolanos foi traída por quem detém temporariamente o poder do Estado se transformou numa convicção nacional.
Também pela primeira vez, os angolanos, insólitos, tiveram o testemunho apresentado pelos próprios comissários eleitorais e pelos auditores independentes, segundo o qual, não houve apuramento provincial dos resultados eleitorais. Todos perceberam, naturalmente que a declaração final do Tribunal Constitucional emitida para validar os resultados eleitorais é um expediente político-administrativo que não confere legitimidade política a quem o povo não a conferiu.
De qualquer modo, tendo terminado o processo eleitoral, cumpre-me aproveitar esta oportunidade para agradecer o empenho de todos os companheiros no processo eleitoral. Foi notório o vosso trabalho árduo na mobilização do voto da mudança, na formação dos delegados de lista e na divulgação da Agenda da Mudança, tanto nas localidades onde a UNITA ganhou a eleição como naquelas onde conquistamos de forma significativa a simpatia do eleitorado. Muito obrigados a todos.
A eleição terminou mas o regime não mudou. Os problemas continuam e vão continuar; as violações dos direitos humanos continuam e vão continuar; a corrupção continua e vai continuar; a intolerância continua e vai continuar; a exclusão continua e vai continuar. O país continua e vai continuar com uma profunda crise de valores, um Estado predador, uma Constituição atípica, uma economia prostituída, uma dívida pública insustentável e um sistema financeiro opaco, sem credibilidade.
Como afirmamos no nosso programa Angola 2030, pela sua dimensão, esses problemas não podem ser resolvidos numa só legislatura, por um só governo, em cinco anos. Nenhum Partido político, nenhum grupo social poderá resolver sozinho os problemas de Angola. E muito menos perante um sistema de governo bicéfalo dirigido por quem não tem e não respeita a cultura da separação de poderes, do governo limitado e da prestação de contas. São problemas estruturantes, cuja solução exige o saber e o empenho de todos.
Angola precisa de amplos diálogos. Diálogos entre gerações, diálogos entre povos, nações ou etnias que habitam o mesmo território e partilham a titularidade dos recursos nele existentes. Diálogo entre ricos e pobres, letrados e iletrados. Precisamos de resgatar a cidadania, construir o futuro e afirmar Angola. Estes objectivos transcendem os espaços e as responsabilidades de órgãos constituídos, sejam eles o Governo, o Parlamento ou os Tribunais.
De facto, Angola constituiu um Estado, mas não construiu ainda uma Nação. Os angolanos têm uma nacionalidade comum, mas ainda não têm todos os mesmos direitos de cidadania. Fizemos uma transição constitucional, mas não fizemos ainda a transição democrática. Reconstruimos algumas estradas e pontes, mas não reconstruimos o tecido social, os nossos valores, a nossa matriz identitária. Fizemos algumas pessoas milionárias, mas não aprendemos ainda a produzir riqueza de forma sustentável e honesta. Constituímos vários governos e nomeamos muitos ministros, mas não aprendemos ainda a praticar os fundamentos da boa governação.
O grande obstáculo que impede a construção da Nação e a concretização da justiça e da paz social é a captura das instituições do Estado pelo Partido-estado. A partidarização do Estado é, no fundo, um dos grandes problemas que Angola vive. Por isso, um dos grandes desafios para o nosso Partido na legislatura que deverá iniciar em breve, é a despartidarização do Estado. Este desiderato implica, naturalmente, uma reforma profunda do Estado e da economia e o resgate da cidadania.
Os angolanos querem que o seu voto depositado na urna no passado dia 23 de Agosto mude as suas vidas para melhor, não a vida dos ministros e dos deputados. Os angolanos querem acabar com a corrupção que causa a pobreza. Querem acabar com a educação de péssima qualidade, com a falta de saneamento básico e com as promessas que se repetem e que não se cumprem. No dia 23 de Agosto, os angolanos votaram para acabar com os salários de miséria, com o desemprego e com a corrupção. Não vão, certamente, tolerar mais governantes que se governam a si próprios. Nunca o povo esteve tão próximo e solidário com a UNITA como agora. E nunca os angolanos estiveram tão distante das políticas e da conduta do MPLA como agora.
Estão criadas as condições objectivas para que o próximo governo inclua as aspirações de todos na sua agenda. Dialogue com todos, potencie as sinergias e explore de forma positiva todas as oportunidades de convergência com a sociedade civil e todas as outras forças vivas da Nação.
O país precisa de sinais concretos de afirmação dos seus órgãos de soberania, designadamente o Presidente da República, a Assembleia Nacional e os Tribunais.
O primeiro sinal que os angolanos esperam dos seus representantes republicanos é sem dúvida a afirmação da vontade política do Estado para encerrar a era da partidarização do Estado.
O segundo sinal que os angolanos esperam dos seus representantes republicanos é a afirmação solene de que terminou de facto a era da utilização dos cargos públicos para enriquecimento ilícito. Não basta afirmar que a corrupção e a impunidade serão combatidas. É imperativo que se comece a combater com actos concretos. De forma oficial, solene e vinculativa.
O terceiro sinal que os angolanos esperam dos seus representantes republicanos é uma nova abordagem sobre a reconciliação nacional. Os angolanos votaram pela paz e pela democracia. O que significa dizer pela igualdade e pela inclusão. Os eleitores disseram que a era da divisão dos angolanos entre “nós” e “os outros” terminou. Os obstáculos para a inclusão social efectiva dos inimigos ou adversários de ontem devem ser definitivamente removidos. Os obstáculos à igualdade económica entre os membros do Partido-Estado e os não membros devem ser definitivamente removidos.
De facto, se quisermos interpretar o sentimento nacional de mudança com base nos resultados anunciados pela CNE, a única coisa certa que os novos titulares dos órgãos de soberania devem fazer é corrigir o que está mal e melhorar o que está bem.
E o que está mal é a partidarização do Estado, a exclusão social, a corrupção e a discriminização económica. É a subalternização do Estado a um Partido político. É a subalternização do Parlamento ao Executivo e a subalternização da Justiça ao Executivo e ao Partido estado.
Estamos a um dia da tomada de posse dos deputados à Assembleia Nacional. A situação que acabei de mencionar, por si só, vai ditar a Agenda de Trabalho da UNITA no Parlamento. O Grupo Parlamentar da UNITA vai para este parlamento não para consolidar a errada impressão dos que pensam que se vai ao Parlamento por causa dos lexus! Os membros do Grupo Parlamentar da UNITA vão ao Parlamento para demonstrar, permanentemente, que estão lá porque esse é o palco mais indicado para combater os males a que atrás me referi. Deverão demonstrar que estão aí para combater as violações dos direitos humanos, a má governação, o desemprego, os assaltos aos cofres do Estado e o nepotismo.
Estarão no Parlamento para demonstrar que, tal como orientou o XII Congresso do nosso Partido, constitui prioridade nacional absoluta a institucionalização das Autarquias Municipais, em todo o país, sem discriminação territorial, com a transferência gradual de funções da administração central para a administração autárquica, atendendo o seu grau de crescimento económico e progresso social.
Outra prioridade é o combate efectivo e eficaz ao fenómeno da corrupção por desvio de fundos públicos. Quando, por força dos desvios de fundos públicos, não se concretizam importantes investimentos na saúde, na educação ou na segurança alimentar e nutricional das crianças, e por causa disso, aumentam os níveis de pobreza e a instabilidade das nações, corrói-se a fibra moral das sociedades, alimenta-se o narcotráfico e outros crimes transnacionais, surgem Estados falhados e multiplicam-se conflitos sociais violentos, o que nos pode colocar, certamente, perante uma ameaça à segurança e à estabilidade.
A este respeito, o Grupo Parlamentar da UNITA deve empreender diligências para incluir, no direito interno e internacional o crime de corrupção praticado por titulares de cargos públicos, no cômputo do “crime organizado”, um factor de instabilidade que periga a segurança dos povos e nações.
Neste capítulo, em sede do Parlamento, vamos pugnar por:
• Estabelecer um novo regime penal da corrupção no sector público.
• Promover a criação do Conselho Nacional de Prevenção e combate a Corrupção.
• Promover a inclusão do crime de corrupção praticado por governantes no quadro do crime internacional organizado e dos crimes contra a segurança dos povos;
• Ratificar a Convenção Contra a Corrupção da ONU.
Afirmei aos angolanos antes e durante a campanha eleitoral que depois das eleições deixaria o cargo de Presidente da UNITA para servir o partido numa posição diferente. Mantenho e reafirmo esta decisão. Terminada a fase eleitoral e encontrando-nos no dealbar do novo ciclo político, acho ter chegado o momento para desencadearmos o processo conducente à materialização desta decisão. Esta reunião deverá, pois, proceder à definição da data em que a Comissão Política do Partido vai reunir para que, além de analisar o relatório da Direcção da Campanha Eleitoral, possa também, nos termos dos Estatutos, ser ouvida quanto à realização de um Congresso Extraordinário para a eleição do novo Presidente do Partido.
Os angolanos conferiram à UNITA novas responsabilidades muito mais abrangentes do que os números eleitorais parecem transmitir. A UNITA tornou-se um património nacional, depositário fiel das aspirações de liberdade e dignidade dos angolanos. Estou certo que o nosso Partido está e vai continuar a estar à altura desta confiança. Vamos por isso assumir as nossas responsabilidades e continuar a servir o povo, ao lado do povo, para o benefício do povo.”
Reitero, esse velho não vai abdicar-se dos seus assentos no Conselho da República e na Assembleia Nacional.