Nestes últimos dias, para não dizer últimas semanas, temos lido, ouvido e visto na imprensa demonstrações desordenadas segundo as quais “…a política angolana continua a ferro e fogo. O confronto entre o antes e o pós-José Eduardo dos Santos pode fazer abalos num partido que passou a ser bicéfalo”. Disseram alguns politólogos.
Para já, teria sido mais correcto dizer que tem tendência para vir a ser a ferro e fogo por, de facto, ser real essa hipótese de a liderança do país se transformar num bicho, não de sete, mas de duas cabeças. Portanto, essa dica é uma projecção futurista, nada mais.
Entretanto, é evidente, quem manda em Angola é o presidente João Lourenço (JLo), enquanto no “Kremlin” se constata um crescendo de mal-estar entre os chamados “eduardistas” e os que apoiam as novas políticas do actual presidente da República.
Isto, porque o debate essencial, que perturba os angolanos, centra-se na necessidade de evitar a “bicefalia”, não no Estado angolano, mas no seio do partido no poder, pelo simples facto de o MPLA continuar a ser presidido por José Eduardo dos Santos, estando, ao mesmo tempo, a vice-presidência a cargo do presidente da República.
JES regressou de Espanha na 6ª feira, 24, com a firme determinação de transformar o MPLA e a sua sede em centros de decisão do país. Sem perca de tempo reuniu-se na sede do MPLA com membros da cúpula do seu partido e, note-se, fez apelos reiterados à necessidade de instaurar a unidade e uma indispensável harmonia entre os programas do MPLA e do Governo.
O ex-presidente pretende que as decisões que João Lourenço vier doravante a tomar sejam aquelas que o conselho do Partido ordenar, “contrariando assim a Lei Máxima do país a Constituição da República de Angola, que atribui esses poderes ao Chefe de Estado”.
Sendo este o figurino da actual conjuntura política do nosso país, é de temer que estejamos rapidamente a aproximar de uma situação de crise grave.
Como aferido supra, a crise política está no dobrar da esquina, porque, apesar de JES ter apelado à coesão no seio partido em duas reuniões com a cúpula do “EME” a que presidiu dias depois da sua chegada de Espanha, a verdade é que ele quer que o programa do Governo obedeça às directivas do Bureau Político do MPLA (BP) e, segundo fontes que coincidem e já foram divulgadas, pretende propor que as decisões que o Presidente João Lourenço vier doravante a tomar, sejam aquelas que o conselho do Partido decidir, contrariando assim, repetimos, a Lei Máxima do país, a Constituição da República de Angola, que atribui esses poderes ao Chefe de Estado.
Para satisfazer tais desideratos ele apelará, segundo as mesmas fontes, à observância da “disciplina partidária” e às orientações do MPLA, que “casam bem”, como opinou um analista da nossa praça, com “a súbita defesa acirrada da disciplina partidária, o que não passa de um artifício para cercear João Lourenço”.
Vai de si, que se tais decisões forem avante, os angolanos encontrar-se-ão perante mais uma pirueta de JES, a renegar o próprio programa eleitoral do MPLA, numa tentativa de resgatar o “certificado de incompetência” que lhe foi passado por JLo ao agir do modo como tem agido, para se livrar do previsto cenário gizado por JES, no qual ele seria uma simples marionete de estimação.
Estes são os lençóis em que está metido o corajoso JLo, que decidiu unilateralmente repudiar, com toda a força que tem hoje, o “corte de asas” a que foi submetido por decisões tomadas contra o seu poder já antes das eleições pelo então totalitário presidente José Eduardo dos Santos. Quanto à questão do poder bicéfalo no seio do MPLA, isso é conversa para boi dormir. Esse poder nunca foi bicéfalo, nem hoje, nem nunca será, enquanto JES for presidente desse partido.