Enquanto não chega a canonização, Isabel ataca quem não a idolatra

A multimilionária filha do Presidente da República de Angola, no poder há 38 anos sem nunca ter sido nominalmente eleito, também empresária, Isabel dos Santos, que detém (a par de tudo quanto dá dinheiro, cá e no estrangeiro) a distribuidora angolana de televisão por subscrição Zap, escreveu que “a SIC (televisão portuguesa) é muito cara” e que a exclusão dos canais daquele grupo português é uma decisão comercial.

Por Orlando Castro

A explicação é tão verdadeira quanto a que nos diz que é possível que o rio Kwanza caiba na piscina do Palácio Presidencial, ou que Angola não é um dos países mais corruptos do mundo, ou que a mortalidade infantil é das mais baixas do mundo… ou que, afinal, dos 20 milhões de angolanos pobres mais de 19 milhões têm três refeições por dia.

A posição é assumida pela empresária Presidente do Conselho de Administração da Sonangol, a conselho dos seus conselheiros/mercenários (muitos são portugueses) e certamente escrita a bordo de um dos seus iates, pretende justificar (calculando – no que é corroborada pelos seus acólitos catarros – que somos todos matumbos) as decisões de duas empresas (uma directamente dela, a Zap, e outra indirectamente dela, a DStv) de excluir os canais SIC Internacional África e SIC Notícias da sua grelha.

“A inconfessável ganância comercial do milionário Pinto Balsemão. Em Angola quer encaixar pela SIC um milhão de euros/ano. A comparar com a BBC 33 mil euros/anos ou a Al Jazeera 66 mil euros/anos”, escreve (ou apenas assina) Isabel dos Santos.

Sem nunca se referir directamente às decisões de exclusão da grelha das duas distribuidoras que operam em Angola (Zap e DStv) daqueles dois canais do grupo Impresa, presidido por Francisco Pinto Balsemão, Isabel dos Santos afirma que “a razão é comercial e não política”.

“A SIC é muito cara”, conclui a empresária, no mesmo texto, escrito em português, inglês e francês, certamente saboreando – como aperitivo para a intelectual orgia colectiva do seu séquito – um copo de vinho “Henri Jayer Richebourg Grand Cru” ou uma taça de champanhe “Taste of Diamonds”.

Como o Folha 8 noticiou (e comentou), desde a meia-noite de segunda-feira que a operadora de televisão por subscrição Multichoice, através da plataforma internacional DStv, deixou de transmitir os canais SIC Notícias e SIC Internacional África em Angola.

Esta decisão é semelhante à tomada anteriormente pela Zap, outra das duas operadoras generalistas em Angola, que em 14 de Março interrompeu a difusão dos canais SIC Internacional e SIC Notícias nos mercados de Angola e Moçambique, o que aconteceu depois de o canal português ter divulgado reportagens críticas ao regime de Luanda.

A Multichoice África, que tem a plataforma DStv, fornece serviços de televisão pré-paga de canais digitais múltiplos contendo canais de África, América, China, Índia, Ásia e Europa, por satélite.

Já a Zap, que iniciou a sua actividade no mercado angolano em Abril de 2010, é actualmente a maior operadora de TV por satélite em Angola.

A operadora portuguesa NOS detém 30% da Zap, sendo o restante capital detido pela Sociedade de Investimentos e Participações, da empresária angolana Isabel dos Santos. A maioria do capital da NOS é detido pela ZOPT, ‘holding’ detida pela Sonae e por Isabel dos Santos.

Os restantes canais do grupo português, SIC Mulher, SIC Radical, SIC Caras e SIC K, continuam a ser transmitidos normalmente em Angola.

Na segunda-feira, a SIC disse ser “totalmente alheia” ao facto de os canais SIC Notícias e SIC Internacional África terem deixado de ser transmitidos pela plataforma DStv em Angola, acrescentando que a transmissão dos dois canais se mantém em Moçambique através da DStv. Também na África do Sul a DStv continuará a exibir a SIC Internacional África.

A nossa (isto é como quem diz) Isabelinha

Isabel dos Santos, multimilionária que – segundo diz – começou nessa vida (a de empresária) a vender ovos nas ruas de Luanda, em entrevista à BBC afirmou (e o que ela diz tem força de lei) que ser filha do presidente de Angola, nunca nominalmente eleito e no poder há 38 anos, José Eduardo dos Santos, traz vantagens mas também “muito preconceito”. Estamos quase a chorar…

“Não há dúvida que há muito preconceito sobre isso, tenho um percurso inesperado”, disse a presidente da Sonangol (cargo para a qual foi nomeada pelo seu pai e perante os protestos de todos quantos não se renderam ao regime) numa entrevista com o jornalista Paul Bakibinga.

“Sou privilegiada no sentido em que tive uma boa educação, no sentido em que pude ver o mundo, sou uma pessoa muito exposta, eu pude interagir com pessoas de todos os espectros da vida. E penso que é tudo”, disse a candidata à canonização.

Nessa interacção “com pessoas de todos os espectros da vida” estarão incluídos os 20 milhões de angolanos que (sobre)vivem na miséria e que a SIC exemplarmente retratou na reportagem “Angola . um país rico com 20 milhões de pobres”? Estarão incluídas as crianças que não chegaram a ser adultos porque apenas constam da lista que coloca Angola na primeira posição do ranking mundial da mortalidade infantil?

“Juntando isso com o preconceito e a sensação de que essas vantagens foram de alguma forma injustas ou obtidas através de favor e de favoritismo, acho que isso é preconceito”, explicou Isabel dos Santos numa tentativa, mais uma, de nos passar um atestado de menoridade intelectual de matumbez hereditária.

Isabel dos Santos é filha mais velha do presidente angolano e, desde Junho do ano passado presidente da petrolífera do regime por nomeação do pai, igualmente presidente do MPLA e Titular do Poder Executivo. A empresária é a mulher mais rica de África. Tudo normal num país que, certamente só por acaso e por preconceito, também está no top dos países mais corruptos do mundo.

A nomeação de Isabel dos Santos gerou várias críticas no país e o Tribunal Supremo de Angola (órgão submisso e subserviente, por questões de sobrevivência, a sua majestade o rei) recebeu uma acção por parte de advogados angolanos – certamente matumbos e pertencentes a uma organização de malfeitores preconceituosos – sobre o caso. A justiça do regime (já que Angola não é um Estado de Direito com separação dos poderes) declarou a nomeação legal.

A empresária contou que enfrenta ainda mais desafios por ser uma mulher, pela idade que tem e por ser africana. “Mas não é um problema angolano nem africano. Os problemas de género são globais e são comuns em todo o mundo”, continuou Isabelinha dos Santos, esquecendo-se de dizer que nenhum desses problemas é válido em Angola desde que se tenha origem no clã Eduardo dos Santos.

A senhora filha do rei defendeu ainda que as raparigas devem ser ambiciosas e confiantes e lutar para cumprirem os seus objectivos. Tem razão. Devem, aliás, começar por se filiar no MPLA (por alguma razão o partido está no poder há 42 anos), licenciar-se em servilismo e doutorar-se em bajulação. Se a isso conseguirem juntar comprovativo médico de ausência de coluna vertebral e capacidade para pensar pela cabeça dos donos do país, então o futuro estará garantido.

Isabel dos Santos foi eleita uma das 100 mulheres de topo no mundo pela BBC em 2015 e foi recentemente comparada a Ivanka Trump num artigo da mesma estação de televisão.

Permitam-nos reconhecer que esta entrevista nos deixou tristes. E neste sentimento somos acompanhados por milhões de outros angolanos, nomeadamente pelos 20 milhões de pobres que habitam no mesmo país de Isabel dos Santos.

Embora dizer o que pensamos seja, quando não é o mesmo que o regime do paizinho de Isabel dos Santos pensa (raramente isso acontece, assumimos), um crime contra a segurança do Estado e prova de tentativa de golpe de Estado, não é mau manter a memória alimentada pela verdade, mesmo que seja à base de mandioca e não de lagosta, de água e não de “Taste of Diamonds”.

Continuemos. E então como é que Isabel dos Santos se tornou – não sabemos quantas vezes – milionária? Desde logo porque – graças ao pai ser o dono do reino esclavagista (20 milhões de pobres, repita-se) – ficava, fica e ficará com uma parte das empresas que se estabelecem em Angola. Quando assim não é, o seu pai trata de mandar fazer leis, decretos e regulamentos que permitam a Isabel facturar sobre tudo o que entenda. Simples, não é?

Pena é que, como Isabel diz, nem todos percebam a normalidade do processo e a caluniem dizendo que ela é o que é graças ao paizinho. É por isso que ela se vê obrigada, em legítima defesa, a desmentir tudo, assumindo-se como uma santa (o pedido de canonização em vida já foi enviado ao Vaticano) e acusando todos os que divulgam estas “mentiras” e que, como é bom de ver, são pagos para andar pelo mundo a denegrir a impoluta e divina imagem e labuta de figuras honoráveis como ela e, é claro, como o seu pai e restante clã familiar.

Certo é que Isabel dos Santos é milionária e que no seu(?) país cerca de 70% dos habitantes vivem com menos de 2 dólares por dia.

Citemos a Forbes sobre o santo pai da santa Isabel: “É uma forma de extrair dinheiro do seu país, enquanto se mantém à distância, de maneira formal. Se for derrubado, pode reclamar os seus bens, através da sua filha. Se morrer enquanto está no poder, ela mantém o saque na família.”

Não se sabe com rigor em que negócios Isabel dos Santos está, de facto, metida. São muitos. E isso chega, desde logo porque não é possível ao comum dos mortais chegar às pontas doa paraísos, discais e outros.

Mesmo assim, tem posição preponderante e decisiva na Endiama, a empresa concessionária da exploração mineira (criada por decreto… presidencial, que exigia a formação de um consórcio com parceiros privados).

Os parceiros privados da filha do Presidente, que incluíam negociantes israelitas de diamantes, criaram a Ascorp, registada em Gibraltar. Na sombra, diz a Forbes, citando documentos judiciais britânicos, tinha o negociante de armas russo Arkadi Gaidamak, um antigo conselheiro do Presidente angolano durante a guerra civil de 1992 a 2002. Tudo bons rapazes, igualmente impolutos e honoráveis cidadãos.

O escrutínio internacional dedicado aos ‘diamantes de sangue’, explica a revista, aconteceu no mesmo período em que Isabel dos Santos transferiu a sua parte do negócio, que a Forbes classifica como “um poço de dinheiro”, para a mãe, uma cidadã britânica. Tudo continua em família. Antes do Povo está o clã Eduardo dos Santos. Obviamente.

Do ponto de vista mediático, mesmo no âmbito da Educação Patriótica que o regime pretende dar a todos os angolanos desde a barriga da avó até à morte, Isabel dos Santos é a heroína do reino. Prova disso é dada pelo Pravda do regime (também conhecido por Jornal de Angola) que escreveu: “Estamos maravilhados por a empresária Isabel dos Santos se ter tornado uma referência do mundo das finanças. Isto é bom para Angola e enche os angolanos de orgulho.” Referia-se aos angolanos afectos ao regime, os outros – os que foram gerados com fome, nasceram com fome e estão no corredor da morte cheios de… fome – sentem-se envergonhados.

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