A UNITA classificou hoje como “chantagem e ingerência nos assuntos de Portugal” a reacção do Governo angolano à divulgação da investigação do Ministério Público português ao vice-Presidente, Manuel Vicente.
A posição do maior partido da oposição em Angola foi expressa hoje, em declarações à agência Lusa, pelo porta-voz da UNITA, Alcides Sakala, que pediu igualmente “responsabilização” para que Portugal deixe de ser um “santuário financeiro” dos dirigentes angolanos.
“Consideramos excessivas as palavras usadas no comunicado do Ministério das Relações Exteriores de Angola, que configuram chantagem e ingerência nos assuntos internos de um país independente que é Portugal, por sinal amigo de Angola e dos angolanos”, disse o deputado Alcides Sakala.
O Governo angolano classificou na sexta-feira como “inamistosa e despropositada” a forma como as autoridades portuguesas divulgaram a acusação do Ministério Público de Portugal ao vice-Presidente de Angola e alertou que essa acusação ameaça as relações bilaterais.
O Ministério Público português acusou formalmente, há pouco mais de uma semana, entre outros, o vice-Presidente de Angola (e ex-presidente da Sonangol) Manuel Vicente, no âmbito da “Operação Fizz”, relacionada com corrupção e branqueamento de capitais, quando ainda estava na petrolífera estatal.
De acordo ainda com o político da UNITA, para o bem das relações entre os dois estados e dos angolanos, Angola devia permitir que estes processos decorressem para apurar as verdades dos factos.
“Significa que os dinheiros desviados são investidos em Portugal e nós achamos que tem de haver transparência nesse processo”, assinalou Alcides Sakala, encorajando às investigações em Portugal.
“De forma a que os dirigentes angolanos deixem de fazer de Portugal uma espécie de santuários financeiro”, acusou.
A UNITA, segundo Alcides Sakala, defende a manutenção de boas relações entre Portugal e Angola, considerando que o Governo angolano, liderado desde 1975 pelo MPLA, “tem dificuldades de entender” que a separação de poderes em Portugal “é evidente”.
“Os órgãos judiciais têm a sua independência e é isto em que o Governo angolano tem muita dificuldade em entender. Portanto, Angola quer projectar a sua imagem em função daquilo que é a situação interna do país e não pode ser”, rematou.
Registe-se, no entanto que esta posição arrogante e acéfala do Titular do Poder Executivo, José Eduardo dos Santos, mereceu a prévia concordância do Presidente do MPLA, José Eduardo dos Santos, bem como do Presidente da República, José Eduardo dos Santos. Foi, portanto, uma posição unânime de todos os poderes existentes em Angola…
Pela reacção oficial do MPLA/Estado, parece ser entendimento do regime de que o actual vice-Presidente da República terá praticado mesmo os actos de que é acusado. Isto porque, num Estado de Direito (que Angola não é), até ser julgado e eventualmente condenado Manuel Vicente é inocente.
O Governo português está desde 2016 a preparar a visita oficial do primeiro-ministro António Costa a Angola, prevista para a próxima Primavera, segundo coordenação do ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, que – citamos – “foi mandatado pelo Presidente José Eduardo dos Santos” para esse efeito.
No documento do regime angolano, refere-se que as autoridades angolanas tomaram conhecimento “com bastante preocupação, através dos órgãos de comunicação social portugueses”, da acusação do Ministério Público português “por supostos factos criminais imputados ao senhor engenheiro Manuel Vicente”.
Para o Governo de José Eduardo dos Santos, bem como para o Presidente do MPLA e da República, a forma como foi veiculada a notícia constitui um “sério ataque à República de Angola, susceptível de perturbar as relações existentes entre os dois Estados”.
O regime angolano tem razão. Se em Angola não há separação de poderes, por que carga de chuva Portugal permite – sobretudo nas relações com os altos dignitários do regime angolano – que essa separação exista? Francamente.
“Não deixa de ser evidente que, sempre que estas relações estabilizam e alcançam novos patamares, se criem pseudo-factos prejudiciais aos verdadeiros interesses dos dois países, atingindo a soberania de Angola ou altas entidades do país por calúnia ou difamação”, sublinha a nota do regime.
Nem mais. Investigar e depois acusar são, para o regime angolano, provas inequívocas de calúnia e difamação. Por alguma razão, que Portugal deveria levar em conta, em Angola até prova em contrário todos os que não altos dignitários do MPLA são culpados. Já no estrangeiro, todos os cidadãos ligados ao regime são inocentes, sempre inocentes, sejam quais forem as provas.
As autoridades angolanas consideram que, juntamente com Portugal, as suas relações deviam concentrar-se “nas relações mutuamente vantajosas, criando sinergias e premissas para o aprofundamento da cooperação económica, cultural, política, diplomática e social, como meio de satisfação dos interesses fundamentais dos seus povos”.
Admite-se que, eventualmente, e na perspectiva de “relações mutuamente vantajosas”, o próximo Procurador Geral da República portuguesa seja João Maria de Sousa, o impoluto e honorável PGR do MPLA.
Portugal vai, mais uma vez, reeditar a sua velha política de submissão, bajulação e servilismo perante sua majestade o rei José Eduardo dos Santos. Mudam-se as moscas (governos) mas tudo o resto fica. Saiu Rui Machete e entrou Augusto Santos Silva mas o cerne continuou putrefacto.
Como aperitivo para a bajulação portuguesa, Augusto Santos Silva considerou que a decisão do Presidente José Eduardo dos Santos, de não se recandidatar nas próximas eleições “é mais um sinal de que Angola segue os melhores padrões internacionais”.
Os angolanos interrogaram-se: Estar há 38 anos no poder sem nunca ter sido nominalmente eleito é também “mais um sinal de que Angola segue os melhores padrões internacionais”? Dirigir um país rico que não soube gerar riquezas mas apenas ricos, estando no top dos mais corruptos do mundo é também “mais um sinal de que Angola segue os melhores padrões internacionais”? Ser o país que, segundo a Organização Mundial de Saúde, tem a maior taxa de mortalidade infantil do mundo é também “mais um sinal de que Angola segue os melhores padrões internacionais”?
O Governo português, este como os outros, está-se nas tintas para os angolanos em geral e em particular para com os 20 milhões de pobres. Por isso ajoelha-se e reza. Há quem diga que faz mais do que isso, mas…
Ao mostrar que não gostou da acusação de corrupção activa e branqueamento feita por Portugal contra o vice-presidente Manuel Vicente, o regime resolveu mostrar a razão da sua força (na ausência da força da razão) adiando “sine die” a visita de Francisca Van Dúnem.
É caso para perguntar a Augusto Santos Silva se com esta atitude José Eduardo dos Santos deu também “mais um sinal de que Angola segue os melhores padrões internacionais”?
A Freedom House demonstra, no seu último relatório, preocupação pela influência de Angola (leia-se e entenda-se influência do regime angolano) nos meios de comunicação social portugueses. É também “mais um sinal de que Angola segue os melhores padrões internacionais”?
É com certeza. Aliás, segundo o Folha 8 apurou, o embaixador itinerante do regime angolano, Luvualu de Carvalho, manifestou à RTP o seu desagrado por a “estação do Estado português” ter ilustrado uma peça sobre esta questão (Telejornal do passado dia 22) usando e mostrando o que o Folha 8 escrevera.