Parte das declarações que Marcolino Moco prestou à TV Zimbo, e que a TPA potenciou por todos os meios, colocou-o no epicentro da política angolana. O MPLA pôs os decibéis da propaganda no máximo pelo suposto, mas falso, regresso do filho pródigo ao seu seio, passando-o de besta a bestial. Os angolanos, esses ficaram como um tolo no meio da ponte, temendo que afinal não exista ponte.
Por Norberto Hossi
“D e tão bem me conhecer, o Folha 8 sabe que eu não faria uma inflexão deste teor. Tratou-se de uma sacanice, em que de um dia para o outro, transformam um crítico sério a um regime que não pode continuar por mais tempo assim, num autêntico vulgar bajulador”, afirmou Marcolino Moco ao F8, acrescentando que “continua a mesma pessoa, com o mesmo discurso (que foi nazisticamente cortejado pela Zimbo e pela TPA)”.
A técnica usada pela Zimbo e TPA, segundo fontes contactadas pelo Folha 8 que assistiram a toda a entrevista (que foi bem mais longa do que os poucos minutos apresentados), é simples de entender. Truncaram as declarações de modo a passar o que convinha.
Vejamos um exemplo em termos de texto. Imaginemos uma entrevista com o Director da Zimbo. Pergunta: que balanço faz do desempenho do líder da UNITA, Isaías Samakuva? Resposta: “É um líder honesto que contudo ainda não se livrou do fantasma de Jonas Savimbi e dos crimes cometidos pela UNITA”.
E então, seguindo o exemplo do que fez com Marcolino Moco, o que escreveríamos? Simples: “É um líder honesto”. O resto da resposta (“que contudo ainda não se livrou do fantasma de Jonas Savimbi e dos crimes cometidos pela UNITA”) iria para o lixo.
Marcolino Moco garante que falou, por exemplo, das obras feitas por José Eduardo dos Santos ao longo dos seus 38 anos de poder, mas que também enumerou os enormes fracassos e crimes que o Presidente cometeu. É claro que que a Zimbo só passou as obras feitas. Simples. Manipulação “pravdiana”.
Moco lamenta o “murro no estômago” que não deu mas que a Zimbo e a TPA fizeram com que “desse” aos angolanos, lembrando que o murro não era para eles, embora a montagem a isso leve a crer.
Na verdade, o ex-primeiro-ministro Marcolino Moco propõe aos angolanos o que de há muito propõe – uma alternativa “da cidadania, da intervenção social” que contrarie a continuação do regime, que considera marcado pela arrogância e o nepotismo, e evite uma revolução violenta, como as do norte de África.
“A primeira alternativa é esta presente, sermos governados por pessoas que acham que somos cegos, que não estamos a ver. Um dos princípios da democracia ocidental, que não deve ser negligenciado, é o princípio da alternância e o problema do Presidente José Eduardo dos Santos é que ele está há 38 anos, no poder”, e o seu substituto por ele escolhido, “ao que tudo indica” vai dar continuidade à sua “obra”.
“José Eduardo dos Santos e as pessoas que estão à sua volta – também não são fixas, aí uma ou duas pessoas são sempre as mesmas, há uns que saem, entram, saem -, que de tanto estar no poder já perderam a sensibilidade que o poder é do povo, que os bens, o petróleo, o Banco Nacional, a televisão pública, isso é do povo”, reitera hoje, como ontem, como amanhã, Marcolino Moco.
A manter-se esta insensibilidade, a possibilidade de convulsões sociais é grande, cujo primeiro sinal Marcolino Moco considera ter sido dado pelas manifestações de rua antigovernamentais que marcaram a realidade sociopolítica de Angola, sobretudo desde 2011.
“Provavelmente, tenho um defeito: fui sempre homem de convicções demasiado profundas. Mas tenho uma virtude: nunca acreditei que algum homem fosse capaz de trazer soluções definitivas”, diz Marcolino Moco.
Com José Eduardo dos Santos ou com João Lourenço, Marcolino Moco receia que os jovens que protagonizaram mais manifestações e elevem o seu nível da contestação.
Marcolino Moco não esquece que os manifestantes “são reprimidos, são sujeitos a sevícias e as suas manifestações pacíficas são infiltradas por indivíduos da segurança do estado, de forma clara”.
Marcolino Moco é da opinião que os problemas em Angola radicam na “longevidade do Presidente (no poder), no enriquecimento sem causa das pessoas ao lado do Presidente, no culto da personalidade”.
O Presidente José Eduardo dos Santos “manipula” dignitários católicos para consolidar o seu poder político, acusou em tempos Marcolino Moco.
“Eu vou dizer isso claramente e pode escrever: os clérigos quimbundos (região de Luanda e norte de Angola) da Igreja Católica estão a ser manipulados pelo Presidente, que diz: ‘se vocês deixarem que a Rádio Ecclesia vá para todo o país, depois nós vamos entregar o poder aos nossos inimigos’. O inimigo é a UNITA, são os ovimbundos (etnia do centro-sul de Angola)”, relembra Marcolino Moco.
“Eu fui educado na Igreja Católica. Os bispos todos me conhecem. Estamos a passar essa pouca vergonha de aceitar que o (Presidente) José Eduardo (dos Santos) impeça a liberdade de Imprensa enquanto as rádios da sua filha estão a expandir-se pelo país. Tem uma televisão também, a TV Zimbo”, acrescenta.
“Alguns são parentes do Presidente. Eles são familiares, são parentes, e depois querem impor o seu modelo, que ninguém está contra. Eu não sou contra ninguém que seja quimbundo”, acrescentou Marcolino Moco, nascido em 1953 no Huambo, Planalto Central de Angola, sendo por essa razão um Ovimbundo.
Defensor de que não devem existir tabus, designadamente os de ordem étnica, Marcolino Moco classifica como “gravíssimo” que se queiram impor “idiossincrasias” a outros povos.
“É um problema que as pessoas não querem debater. Por exemplo, os bispos de outros grupos étnicos em Angola têm receio de abordar isso abertamente por causa das hierarquias. Mas é uma realidade e é perigoso em relação ao futuro, porque é adiar problemas”, defendeu.
Marcolino Moco considera, por exemplo, “escandalosos” os favores que o Presidente José Eduardo dos Santos presta à família, designadamente a concessão de exploração do segundo canal e do canal internacional da televisão pública de Angola, acrescentando que são situações que deveriam merecer repúdio e que constituem “uma vergonha” para a sua geração de políticos.
Crítico assumido de José Eduardo dos Santos, o antigo secretário-geral (1991/92) do MPLA, partido no poder em Angola desde 11 de Novembro de 1975, é de opinião que existe agora em Angola um “culto de personalidade mais acentuado do que no tempo do partido único”.
“Há um culto de personalidade mais acentuado do que havia no partido único. Há o silenciamento de tudo o que se faz de ruim por parte da Presidência da República, porque o partido foi transformado num protector: fala-se por exemplo em desvios de dinheiro, escandalosos, mas aparece o partido a fazer manifestações em favor de Sua Excelência o Senhor Presidente”, destacou.
À pergunta se ainda fala com José Eduardo dos Santos, com quem trabalhou lado a lado durante vários anos, Marcolino Moco respondeu: “Falo com ele à distância.”
“Em Angola, a política hoje é encarada como um jogo sujo, de podermos fazer tudo. Tomamos conta do poder, manipulamos, não o largamos. Costumo dizer que quem passa pelo Governo sempre aproveita alguma coisa, mas não pode haver exagero”, sublinhou. Mas para Marcolino Moco aquele conceito é hoje levado a um “exagero terrível” em Angola.
“A sociedade civil está amedrontada: fantasmas do passado, as mortes de 1974/75, as mortes de 1992 (reinício da guerra civil angolana) com as questões étnicas. Angola é a colónia mais aportuguesada, aquela em que as culturas autóctones mais foram reprimidas. É o país onde menos se falam línguas africanas nas ruas, então há uma hibernação do aspecto étnico-tradicional, mas que funciona depois nas manipulações, entre quatro paredes”, frisa.
Contudo, a ligação a Portugal, antiga potência colonial, é um facto e que merece ser alimentado. “Nós africanos não podemos ter dúvidas: o nosso destino está ligado aos nossos antigos colonizadores e andar à volta disso é aldrabarmo-nos a nós próprios”, considerou, reconhecendo que o “maior problema” dos angolanos foi não terem juntado a componente branca ao seu sistema político.
“O maior, não digo erro, porque o erro não dependeu dos angolanos, mas o maior problema que nós tivemos foi não juntar a componente branca ao sistema político angolano, como a África do Sul tenta fazer. Há forças que continuam a impedir isso, mas estão a laborar no erro, porque os países modernos africanos têm dois pilares: o pilar tradicional e o pilar europeu. Isso é indesmentível”, afiançou.