Angola está a estudar comprar à Namíbia uma parte das 10.500 cabeças de gado que necessita para repovoar o planalto de Camabatela, para com isso reduzir o avultado volume de importações de carne que ainda tem de fazer.
Para esse efeito, e de acordo com informação disponibilizada à Lusa pelo Ministério da Agricultura de Angola, o secretário de Estado para o Sector Empresarial Agrícola, Alberto Jaime Pinto, realiza a partir de hoje e até sexta-feira uma visita de trabalho à vizinha Namíbia, para discutir com as autoridades daquele país a compra de gado bovino.
“Para o repovoamento pecuário do planalto de Camabatela e a subsequente operacionalização do matadouro local”, explica o ministério da Agricultura angolano, acrescentando que o governante é acompanhado, nesta visita, também por empresários privados nacionais do ramo agro-pecuário.
Cerca de seis por cento do Produto Interno Bruto da Namíbia resulta da Agricultura, que envolve a actividade de criação de gado.
O Governo angolano aprovou no final de Janeiro um plano para importar já este ano 10.500 cabeças de gado para repovoar o planalto de Camabatela, no interior norte do país, cortando desta forma nos 328 milhões de euros de carne importada anualmente.
O plano foi aprovado em reunião conjunta das comissões Económica e para a Economia Real do Conselho de Ministros e visa o objectivo de tornar o planalto de Camabatela, que abrange as províncias do Cuanza Norte, Malanje e do Uíge, “auto-suficiente”, até 2025, na produção de bovinos para o abate e repovoamento.
O ministro da Agricultura, Marcos Alexandre Nhunga, anunciou na altura tratar-se de um investimento superior a 206 milhões de dólares (193 milhões de euros), a realizar pelos empresários nacionais, permitindo poupar nas importações de carne para consumo, que custam anualmente mais de 350 milhões de dólares (328 milhões de euros).
O sector da agricultura, segundo o Governo, deverá importar este ano 8.000 cabeças de gado bovino para confinamento e 2.500 para a reprodução, no quadro do programa de repovoamento da região do país.
“Há toda uma necessidade para se fazer um esforço para que esse planalto seja repovoado”, enfatizou o governante.
Só este investimento, para o qual ainda será necessário garantir financiamento e disponibilização de divisas, pelo Estado, permitirá garantir dez mil toneladas de carne por ano, “correspondente a 60% das necessidades de consumo do país”, explicou Marcos Alexandre Nhunga.
O planalto de Camabatela ocupa uma área de 12.000 quilómetros quadrados e é descrito como reunindo condições climatéricas propícias para o desenvolvimento agro-pecuário, nomeadamente a criação de gado.
Esta semana ficou a saber-se que um consórcio formado por um grupo angolano e um empresário português vai investir 12 milhões de dólares (11,2 milhões de euros) na instalação, na província do Cuanza Norte, de um matadouro com mais de 100 trabalhadores.
Segundo o contrato de investimento entre o consórcio, formado pela empresa angolana Lusounu Internacional (90%) e o empresário português Ivo Cruz Marques (10%), residente em Angola, e a Unidade Técnica para o Investimento Privado (UTIP), o projecto “Matadouro Unicarnes” será instalado num prazo de um ano no município do Dondo.
Consiste na construção de uma unidade de abate, processamento e comercialização de gado bovino e caprino, além de armazenamento de carne refrigerada e congelada, respectiva embalagem e expedição, mas também com o fabrico de farinha de carne e gorduras.
Contará com 110 postos de trabalho, essencialmente angolanos, e a “alavancagem da actividade de criação de gado bovino” é um dos impactos do projecto previstos pelos investidores, no respectivo contrato, bem como o “aumento da oferta de um produto cujas importações anuais andam à volta dos 600 milhões de dólares”.
O consórcio promotor do investimento estima que 25% da produção anual desta unidade será para exportar.
Afinal, uma história velhinha
Recordemos o que o Folha 8 escreveu no dia 9 de Julho de… 2015:
O Governo angolano prevê um investimento de 90,5 mil milhões de kwanzas (668 milhões de euros) até 2018 para aumentar a produção nacional de carne bovina e reduzir as importações, que asseguram 79 por cento das necessidades do país.
De acordo com o conteúdo do Programa Dirigido à Produção de Carne Bovina, aprovado por decreto presidencial de 18 de Junho, os investimentos no aumento da produção de carne, que prevêem a importação de 340.509 animais para reprodução e de 1.010.152 animais para recria e engorda – das raças Bonsmara, Simentaller e Brahma -, arrancam já este ano.
Angola consumiu no ano passado 129.485 toneladas de carne bovina, mas apenas 27.019 toneladas (21%) de produção nacional, segundo os dados constantes no mesmo documento. Este programa prevê aumentar a produção nacional de carne em 2016 para 46.833 toneladas e em 2018 para 79.148 toneladas.
No documento que suporta a aplicação deste programa é definido o objectivo de “aumentar a produção e a produtividade interna de carne”, melhorando as condições de produção nas explorações pecuárias empresariais, através da sua especialização na reprodução, cria, recria e engorda animal.
“Considerando que o aumento da produção interna de carne bovina vai contribuir para a diminuição das importações, a criação de novos postos de trabalho e a melhoria da qualidade de vida dos angolanos”, lê-se no preâmbulo do programa que consta do decreto assinado pelo Presidente José Eduardo dos Santos.
Prevê a mobilização de parceiros e investidores externos para a produção, conservação, distribuição e processamento de carne, bem como a selecção, entre as 142 explorações pecuárias nacionais, das que apresentem condições para concretizar os objectivos do programa.
Angola apresenta actualmente uma capacidade de abate de 195.360 animais por ano, para um total de 39.072 toneladas de carne. Tendo em conta projecção de produção de carne, cerca do dobro desta capacidade, o Governo angolano prevê a necessidade de implantação de um matadouro industrial por ano até 2018.
Só para este ano está prevista a importação de 400.000 animais (para reprodução e engorda) e um investimento de 29.187 milhões de kwanzas (215 milhões de euros), no entanto o programa não específica fontes de financiamento do mesmo, que no total está estimado em 90.546 milhões de kwanzas.
Até 2018, a estimativa do programa passa pela criação de mais de 23 mil postos de trabalho.
Recorde-se que a notícia de que os governadores da Huíla, Cunene e Namibe estão envolvidos na pecuária com negócios de gado envolvendo milhares de dólares está a causar algum celeuma em Angola.
O jurista Nelson Viriato disse à voz da América que há “princípios da probidade pública” e que “apesar de agirem a título individual, há situações de interesse público que estão em jogo”.
“Eles devem ser imparciais (…) neste caso particular, os agentes públicos ferem o princípio da imparcialidade”, acrescentou.
Um dos governadores envolvido no negócio de gado, Kundi Pahiama, da Huambo, defendeu publicamente, na semana passada, que o governo central deveria reintroduzir subsídios de combustível para os criadores de gado e agricultores.
O presidente da Federação das Cooperativas Agro-pecuárias, Manuel Monteiro, prefere destacar a importância de complexos que geram emprego e não pretende julgar ninguém.
“Penso que não há tabu (…) as fazendas não são ocultas, são áreas muito extensas. O Estado angolano tem leis, penso que eles não estão impedidos de manifestar o que têm sido as suas actividades,” disse Manuel Monteiro.
Para o director provincial da agricultura, Francisco de Assis, as fazendas são públicas, com proprietários identificados, e a situação dos governadores não é diferente de dirigentes noutras partes do mundo.
“Dos presidentes americanos, talvez só o Obama não tenha um rancho. Na Austrália, muitos ex-membros do governo possuem acima de cem mil hectares,” disse.