A jornalista e escritora portuguesa Leonor Figueiredo publicou, na quarta-feira passada, dia 19, o livro «O fim da extrema-esquerda em Angola: Como o MPLA dizimou os Comités Amílcar Cabral e a OCA», onde narra como o partido que governa Angola desde 1975 aniquilou física e estruturalmente um amplo grupo que defendia o poder popular mediante um combate ideológico forte.
Por Sedrick de Carvalho
Logo após o 25 de Abril de 1974, os jovens que compunham os Comités Amílcar Cabral disponibilizaram-se a ajudar o MPLA no controlo de Luanda, e foram bem-sucedidos, transformando-se na representação do partido chefiado por Agostinho Neto e afastando a UNITA e a FNLA da capital onde seria anunciado unilateralmente o nascimento do novo país, isto a 11 de Novembro de 1975.
Alguns ouviram o hino nacional ser entoado encolhidos e inflamados numa cela, na prisão do São Paulo. Outros, como Luís Araújo, só foram presos anos depois, deambulando entre a clandestinidade e o suposto esquecimento das temidas chefias da Direcção de Informação e Segurança de Angola (DISA). Luís Araújo, preso apenas em 1978, lembra que primeiro foi “[…] suspenso de toda a actividade política […]”, cita Leonor Figueiredo na página 104.
Sem poder bélico, em número reduzido quando comparado com os membros do MPLA, “o grupo extremista não era uma ameaça ao MPLA”. Eram defensores da democracia, e faziam-no a partir da capital e dentro do MPLA, pois muitos deles ocupavam cargos na estrutura partidária, tal como os CACs Filomeno Vieira Lopes e Gabriel Ambrósio que foram membros do Comité Central do MPLA, ou ainda Abel Fontes Pereira que fez parte do Departamento de Orientação Política (DOP) do MPLA a nível nacional.
A Organização Comunista de Angola (OCA) é a sucessora dos CACs, e o livro explica como as duas surgiram. Já a transpirar laivos de ditador, Agostinho Neto colocou as estruturas sob domínio do partido único a caçar os jovens idealistas, dentre eles Orlando Sérgio, na altura um dos mais jovens, com 16 anos de idade apenas.
Actualmente mais conhecido pelos jovens angolanos por Moisés Adão, nome dum personagem que interpretou na série de humor «Conversas No Quintal», Orlando Sérgio lembra-se do «Pau Faz Falar» que o fez falar tudo o que os torturadores da DISA perguntavam e assinar qualquer papel que lhe colocassem em frente.
Orlando Sérgio, agora com mais de 50 anos de idade, ultrapassou as mágoas ao ponto de dialogar com dois dos seus agressores, ambos com o nome Cadete. Estes foram também presos, mas logo passaram para o lado do opressor e transformaram-se nos principais carrascos da primeira vaga de presos políticos na era pós-colonial. E batiam “forte e feio”.
No livro fica evidente que o MPLA não só adoptou o comportamento e as tácticas persecutórias do regime colonial, como as aprimorou, passando a ser um regime colonial endógeno.
As primeiras greves de fome desencadeadas em Angola também aconteceram no final da década de setenta. Presos sem mandados de captura, há três anos sem resposta da PGR às suas cartas de reclamação, simplesmente enclausurados “por aquilo que pensamos e não por aquilo que fizemos” (pág. 204), cerca de 20 presos da OCA iniciaram uma greve de fome no dia 4 de Dezembro de 1979, uma semana depois de João Maria Amaral Fernandes ter enviado uma carta ao novo presidente da República – José Eduardo dos Santos –, que na altura acabava de substituir o malogrado Agostinho Neto.
Como era de esperar, as greves despoletaram reacção a nível internacional, com várias personalidades a exigir a libertação dos presos. Kundi Paihama, na condição de ministro do Interior, “apareceu na cadeia para dialogar com os grevistas” (pág. 206), e Zeferino Campos, outro do «Processo OCA» conta: “Payama pediu que abandonassem essa forma de protesto para que ele pudesse tomar algumas diligências”. O protesto parou, mas só nove foram libertados durante a greve, e não eram “os que o MPLA via como responsáveis”.
O certo é que os presos só passaram a ter direitos devido à pressão feita pelos próprios e pela comunidade internacional, dos quais se destaca Leopold Sedar Senghor, ex-presidente do Senegal entre 1960 a 1980, que teceu duras críticas ao presidente Neto durante a 16.ª Conferência de Chefes de Estado e de Governação da África que aprovou a Carta Africana dos Direitos Humanos, o único documento comunitário sobre Direitos Humanos que contempla deveres para além dos direitos.
A relação actual e a lamentação
O estilo de governação do MPLA, de 1975 à data actual, apenas se alterou pela negativa, tendo hoje um presidente pleno-esmagador e que utiliza as instituições do Estado em seu benefício e do partido que chefia. Agostinho Neto, ditador inicial, foi suplantado pelo seu sucessor.
Tal como na década de setenta, actualmente o MPLA de José Eduardo prende e mata a bel-prazer, como podemos confirmar com as mortes do político Mfulumpiga Nlandu Victor, dos jornalistas Ricardo de Melo e Alberto Tchacussanga, Hilbert Ganga, Cassule e Kamulingue.
Jovens são detidos por contestarem pacificamente as políticas de governação e exigirem mudanças, como aconteceu recentemente no município de Cacuaco. Foram três meses que os jovens do «Processo 15+Duas» permaneceram em celas húmidas e sem acesso à luz do dia. Só quando iniciaram as greves de fome é que foram colocados em casernas. Para usufruírem do direito a visita tiveram de protestar, tal como para receberem jornais.
Três meses não são comparáveis com os três anos em que os outrora jovens do «Processo CAC-OCA» estiveram sem contactos com seus familiares e sem recreios – os banhos de sol, como é denominado nas cadeias actuais. Entretanto, os jovens do «Processo CAC-OCA» e os do «Processo 15+Duas» foram salvos pela mesma arma: protesto. A diferença reside na propagação das denúncias, actualmente simplificados pela internet. Se não existissem formas mais céleres de divulgação das denúncias, talvez estivessem ainda nas cadeias ou mortos mesmo. Este facto demonstra que o MPLA permanece reaccionário – mais ainda – como tem sido ao longo dos tempos.
O autor deste texto foi convidado para fazer um comentário ao livro no dia do lançamento, e assim procedeu. Antes do lançamento, fez convites para que os jovens angolanos residentes em Lisboa, principalmente, aparecessem na Casa da Imprensa.
A partir da mesa de apresentação do livro, honradamente agradeceu à escritora por dedicar o livro à juventude angolana. Mas, lamentavelmente, nem um terço da sala esteve preenchida por jovens – e a sala esteve completamente cheia. Os poucos jovens angolanos presentes foram os que sempre aparecem.