A província do Namibe (Moçâmedes, no tempo colonial), pese a enorme extensão de deserto, chegou não só a ser projectada como “celeiro” de peixe seco e sal, como a pioneira no combate à progressão do deserto.
Por Armando Chicoca e Ngunga Kanda
Foi, à época, implantada uma campanha de florestação, através da plantação de árvores, inclusive com o concurso dos ex-presos políticos do Campo de São Nicolau, que embarcados e escoltados em camiões Bedford, iam buscar mudas ao Huambo e Bié.
Isso para, plantando-as travar o avanço das areias e ainda a criação de furos de água para que esta fosse utilizada, também, na rega dos campos e que foi bem sucedida.
“A nossa província está mal, muito mal mesmo, pois o deserto está a crescer, no bairro Forte de Santa Rita, onde, por exemplo, algumas casas e muros de muitas outras, foram engolidos e já ninguém entra pelos portões, mas pela rampa de areia e desce ao seu interior”, denunciou ao F8, Manuel Katengue lamentando o facto “de no tempo colonial a situação estava a andar para uma solução, mas a independência nos fez recuar mais e por isso temos muitas dificuldades na agricultura e criação de gado devido a pouca água”.
No Namibe existem longos caudais de rios, na maioria do ano secos, que se enchem apenas nos períodos de chuva, e havia, como forma de garantir a criação de gado caprino e bovino, um programa de implantação de furos, ao longo das zonas ribeirinhas e que chegou a ser bem sucedido, levando mesmo regiões, como a cadeia de São Nicolau, a produzir o suficiente para abastecer a província, do ponto de vista alimentar.
“O governo deve fazer mais esforço para salvar o nosso gado, que está a morrer e a morrer por falta de água, de pastos e soluções para podermos ver um período para contornarmos a seca”, reclamou Armando Silva, que disse ao F8 ter perdido “porque estão a morrer por falta de água e pastos os animais, eu mesmo perdi, quase metade da manada de bois, que era de 250 e 1000 cabeças de cabritos”.
Infelizmente, para desgraça da maioria dos habitantes locais, a alegria de 1974, com o derrube do fascismo em Portugal, pelo Movimento das Forças Armadas portuguesas, que animou e acelerou a independência de Angola, durou pouco, face aos efeitos perversos da gestão administrativa e económica, implantada pelo MPLA, que afundou a região recuando nos ganhos, antes existentes.
“Nós aqui no Namibe tínhamos de tudo, não precisávamos da maioria dos produtos, pois produzíamos aqui a maioria da nossa alimentação e tínhamos referência de exportadores de peixe seco, sal, mas agora a política do governo fez com que a indústria salineira e do peixe, tenham morrido e a vida aqui está cada vez pior”, assevera Constantino Mbue.
Para conhecimento geral e “rememoramento” colectivo, foi uma pena, ver a destruição do projecto agro-pecuário e da pesca, não só por incompetência, mas também por falta de humildade do partido no poder, “em não aproveitar melhor, inclusive, militantes seus, que lutaram na clandestinidade e tinham mais noção sobre administração pública, pois já trabalhavam com o colono, no tempo colonial”.
Exílio dos criadores
Por toda esta situação e dificuldade, muitos criadores de gado, por tardar um projecto governamental de fomento agro-pecuário, capaz de travar a fome e a morte do gado, estão em desespero a transferir-se para outras regiões, nomeadamente, Huíla, Benguela, Bié e Huambo, onde a água e pasto, são maiores.
Nos últimos anos, a chuva tem sido madrasta, afectando as sementes de milho, da massambala e do massango, lançadas ao solo, que em vez de germinar, secam.
“Como podemos ficar aqui quando do chão não nasce nada, a chuva não cai e nem temos poços, nem barragens onde levar o gado ou buscar água para as plantações?”, interroga-se o ancião pastor de gado tradicional, Mambela Fuxi, do município do Virei.
Outros criadores de algumas regiões do sul do município do Tombwa estão a migrar para o sul da província da Huíla, levando consigo mulheres e filhos, deixando muitas escolas às moscas.
“Além de procurarmos água e campos para o pasto do gado, também estamos a fugir da fome, pois os camaradas do governo só nos prometem, mas não nos fazem mesmo nada e estamos mesmo a morrer como o gado, então é melhor ainda “m’bora” mudar lá p’ra Huíla, tentar não morrer “atoamente”, como tem acontecido”, explicou ao F8 Zacarias Kacuarta, diante da inércia e olhar impávido e sereno do governador provincial, Rui Falcão.
O criador disse não acreditar nas promessas dos governantes, até porque “oh! esse camarada governador fala muito, promete demais, mas não faz nada para nós povo, talvez para eles dirigentes que têm muito dinheiro sem fazer nada e para as suas menininhas ele faz muita coisa, mas para nós só nos acelera a morte”, asseverou.
Essa triste e dolorosa visão, tem muito a ver com o facto das autoridades governamentais se limitarem em emitir apelos para os criadores se desfazerem do gado debilitado e velho, vendendo-o e das poupanças assegurarem alimentação às família e o remanescente reabilitarem o rebanho. Uma aberração, um paradoxo, mas é a administração governamental que vamos tendo.
A administradora Municipal do Virei, Juliana Fonseca, falando à Rádio Nacional, no Namibe disse que, desde 2015 que aquela região é assolada severamente pela seca e que, aqueles que ouviram os conselhos e se desfizeram dos animais debilitados aproveitaram o máximo e aqueles, agarrados à cultura, que não acataram a orientação perderam tudo: bois e cabritos, que morreram devido à escassez de pasto e água, disse a governante com a maior desfaçatez.
Por sua vez, os camponeses do município do Camucuio permanecem com os olhos virados às nuvens implorando a São Pedro que comprima as nuvens e se abram as torneiras da chuva, que nessa altura será divina.
“Nós como homens criadores de gado tradicional e camponeses, trabalhamos a terra, mas a falta de chuvas é o nosso pesadelo, por comprometer o ano agrícola”, explicou com os olhos esbugalhados Orlando Macuissa.
Por sua vez, o director da Agricultura do Camucuio, Paulo Menezes, diz prever a agudização da fome nas comunidades locais nos próximos tempos, face à estiagem e à falta de alternativas para se arranjar água, quer para regular abastecimento as populações como para o gado bovino e caprino, fundamentalmente.
É dentro deste quadro sombrio, que também, segundo constatou a reportagem do F8, continuam a mobilizar-se muitos populares do município do Curoca da província do Kunene e da comuna do Iona, município do Tombwa do Namibe, num fluxo migratório para a República da Namíbia, atravessando o Kunene, para fugirem da fome e da seca.
O secretário provincial da UNITA, no Kunene, Lazaro Kakunha, disse ter visitado, nos últimos dias, alguns destes criadores, na localidade de Epalela, na República da Namíbia, constatando que lá também ouvem os ecos depreciativos dos locais, quanto à má governação do Executivo angolano: “As autoridades governamentais deveriam seguir apenas aquilo que a administração colonial fazia no passado, nesta região, para manter a vida das comunidades nas localidades, por isso não espanta que muitos populares criadores se lembrem da morte dos seus representantes juntos das estruturas do poder, nomeadamente, os generais Simione do MPLA e Kulunga, da UNITA, que se batiam pela melhoria da vida das populações do Namibe e não só”.
Agora, com as eleições, esperemos que os políticos, não ousem na apresentação das propostas eleitorais, fazer novas e descabidas promessas, só para angariar os votos de quem está ao longo dos anos em sofrimento. A coragem para tudo, inclusive poderão não se coibir de prometer fazerem uma máquina para produzir chuva, todos os dias e inundar o deserto com água e plantações, se lhes votarem, é claro, em Agosto de 2017.