As lições de Obiang, velho
e querido amigo do MPLA

A justiça é um dos instrumentos do governo de Teodoro Obiang Nguema, da Guiné Equatorial, para afastar os dirigentes de partidos da oposição, que são substituídos por líderes “amigos” do regime nomeados pelos tribunais.

Salvador Ebang Ela e Jerónimo Ndong Mesi eram líderes partidários na oposição na Guiné Equatorial. Salvador era presidente da Convergência Social Democrata e Popular (CSDP) e Jerónimo secretário-geral da União Popular (UP).

Foram afastados, mas não por adversários internos ou por congressos partidários. Deixaram de ser líderes partidários por ordem do tribunal, que nomeou novos dirigentes para o seu lugar. “É assim na Guiné. Quando não agradamos, somos inabilitados pelos tribunais e outro fica com o nosso lugar”, diz Salvador Ela.

Em Novembro, os dois partidos, com os novos dirigentes nomeados pela justiça, entraram na órbita do poder, na grande coligação de 15 que concorreu às legislativas sob a bandeira do partido de Obiang, o Partido Democrático da Guiné Equatorial (PDGE), no poder desde o processo de democratização dos anos 1990 e que sucedeu ao regime unipessoal fundado pelo actual presidente em 1979.

É “uma coligação que não existe, porque no boletim de voto só lá estava o nome do PDGE”, explica Andrés Esono Ondo, dirigente de um dos dois únicos partidos da oposição que concorreram nas eleições legislativas de 12 de Novembro. No final, o resultado habitual: o PDGE obteve a totalidade dos lugares do Senado e 99 das 100 vagas no Parlamento.

“Estamos sem uma democracia, estamos reféns de uma ditadura”, com “partidos dominados pelos amigos” para dar “uma ilusão de abertura que não existe, nunca existiu e não vai existir com este regime”. As eleições de 12 de Novembro “foram só fachada”, como se a Guiné Equatorial fosse um “palco de teatro para os estrangeiros”.

Hoje, a situação está pior: “os três controlam tudo”, diz Salvador Ela, numa referência a Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, ao seu filho e vice-presidente Teodoro Obiang Mangue (`Teodorín`) e à primeira primeira-dama, Constança Mangue, que prepara a transição familiar do poder.

Salvador Ela não acredita na mudança e também não prevê que o país possa mudar sem pressão da comunidade internacional. No entanto, o petróleo que transformou a Guiné Equatorial no país mais rico, per capita, de África cala as vozes da oposição e tapa os ouvidos de outros países.

“Ninguém nos ouve. Eles controlam tudo o que estamos a fazer”, diz Salvador, sentado no sofá da sala de uma casa que não é mais do que uma barraca na encosta de New Billi, um imenso bairro degradado no centro da capital, Malabo, que é escondido dos olhares dos estrangeiros por muros altos e prédios vazios.

“O regime não pode mudar, não temos esperanças”, diz, desiludido com o rumo do país que ajudou a tornar independente de Espanha, em 1968. “Sou fiscal aduaneiro e não tenho emprego. Não posso trabalhar porque sou da oposição. Sou como a lepra”, diz.

Salvador esteve “preso seis meses sem saber porquê. Bateram-me até desmaiar e deixaram-me como morto”. Hoje, Jerónimo Mesi admite sair do país e desistir da oposição política. Já foi preso três vezes e teve a mulher detida, com afirma que a antiga potência colonial “quis esquecer-se” da Guiné Equatorial.

Com o dinheiro do petróleo, a “maior tragédia recente do país”, Obiang “compra a boa vontade de Espanha e dos políticos”, diz Jerónimo, dando uma lista de nomes de dirigentes espanhóis de quem se diz nas ruas de Malabo que receberam subornos do regime.

“Esse senhor mantém o poder porque compra apoios fora e governa pelo medo quem cá vive. Por isso vai estar no poder até à morte”, diz Jerónimo, que não acredita numa passagem de testemunho para o seu filho. “É o poder que o mantém vivo e ele vai estar no poder até à morte”, diz.

O país, que chegou a ser um grande produtor de cacau, café e madeiras está hoje reduzido á condição de petro-estado. “Eles não querem mais nada”, por isso “vendem os nossos espaços de pesca ao Gabão porque não quer outra indústria que não seja a petrolífera”.

Durante seis dias a partir da meia-noite do dia das eleições, o país não teve acesso à internet. O regime bloqueou o acesso dos sistemas operativos e nem a televisão estatal tinha acesso à internet.

De início, todos os governantes falavam em “problemas técnicos” mas, com o passar dos dias, o argumento passou a ser “questões de segurança”. O único sítio visível onde era possível aceder à internet era a TV Asonga, a única televisão privada propriedade do vice-presidente e filho de Obiang, Teodoro Obiang Mangue (conhecido por `Teodorín` e o sucessor designado do regime).

Aí, numa sala com dois computadores portáteis era possível aceder à internet. Um servia para controlar a emissão televisiva e outro para descarregar filmes por `torrents`.

A frequentar um curso de pedagogia, Andrés, 22 anos, mostra-se desiludido com o país. “Vejo o resto do mundo pelo Facebook e tenho inveja, muita inveja”, diz, queixando-se do controlo excessivo dos media por parte do regime. “A televisão fala de um país que não existe. Todos sabemos isso, mas muitos fingem acreditar no que vêem porque querem ter emprego”, diz.

E acrescenta: “Se não te dás com o PDGE, se não usas as suas t-shirts e não concordas com eles, não tens trabalho”.

A oposição política a Obiang está fragmentada e comprada pelo regime. Uns estão no exílio, outros tentam fazer o jogo democrático com as regras de Obiang e outros recusam-se a jogar.

“Não queremos caucionar um sistema corrupto e mentiroso, que finge que é uma democracia”, diz Jerónimo. “Isto é só fachada: um país de fachada, umas eleições de fachada, uma democracia de fachada”, acrescenta o antigo dirigente partidário de oposição, visivelmente desiludido com o bloqueio em que a Guiné Equatorial está presa.

“Se o mundo não sabe que nós existimos e as condições em que vivemos, o que nos resta é a graça de Deus”, diz Salvador Ela.

Lusa

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